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sexta-feira, agosto 23, 2013

PAOLO DALL´OGLIO E O INFINDÁVEL COMBATE PELA PAZ por Maria Clara Lucchetti Bingemer

HÁ MUITOS ANOS, EM 1980, O JESUÍTA ITALIANO PAOLO DALL´OGLIO TEVE UM SONHO: REFUNDAR EM PAÍS ÁRABE O MOSTEIRO CATÓLICO SIRÍACO DE MAR MUSA, CHAMADO DE SÃO MOISÉS O ABISSÍNIO, NO DESERTO DE DAMASCO, NA SÍRIA.

O desejo de Paolo era  que fosse uma comunidade orante inter-religiosa, onde as tradições pudessem se reunir, rezar juntas, partilhar a vida e viver realmente em comunidade. E foi então que em 1992, lá instalou a Comunidade religiosa ecumênica mista al-Khalil ( amigo de Deus em árabe), nome bíblico e corânico do patriarca Abraão.
 Sempre apaixonado, enquanto religioso católico, pelo diálogo com o Islã, Paolo dall´Oglio viu-se em meio à guerra que vitima a Síria, seu país de eleição, e viveu isso com extrema dor.  Começou a denunciar abertamente os crimes do regime de Bachar el-Assad e, em consequência, foi expulso do país em junho de 2012. Em julho de 2013, retornou à Síria na parte norte, controlada pelos rebeldes, onde foi capturado com paradeiro ignorado. Sua entrada no país tinha o objetivo de negociar e obter a libertação de vários militantes. 
 Desde então circulam inúmeros boatos sobre seu paradeiro e destino.  Alguns sites da internet, bem como alguns organismos da imprensa internacional já noticiaram sua morte mais de uma vez.  Mas até agora isso não foi comprovado. E foi mesmo desmentido por outras fontes, inclusive pela Chanceler italiana. 

Os que conhecem o religioso que se inculturou de maneira plena na Síria, ali derramando todo o fervor de sua vocação temem por sua vida.  E esse temor se enraíza no fato de conhecerem não apenas o grande amor que tem pelo país, como sua profunda mística que não teme sacrifícios nem riscos para que a paz volte a reinar em sua tão amada Síria.  
A comunidade muçulmana não é externa à minha consciência mais íntima, mas ela é realmente minha carne, meu corpo humano ao qual pertenço, minha comunidade, minha identidade.  Esta guerra civil é insuportável para mim.  Eu gostaria de fazer qualquer coisa para detê-la.”
A comunidade muçulmana não é externa à minha consciência mais íntima, mas ela é realmente minha carne, meu corpo humano ao qual pertenço, minha comunidade, minha identidade.  Esta guerra civil é insuportável para mim.  Eu gostaria de fazer qualquer coisa para detê-la.”

O religioso está consciente e sempre esteve do risco que corria para conseguir que soltassem os reféns e negociar uma pacificação, na cidade de Rakka, ao norte da Síria, que se encontrava naquele momento sob a administração da charia.  Mas pode-se estar seguro igualmente que fosse qual fosse o risco, Paolo não recuaria.  

Para comprová-lo, basta a declaração de seus próximos de que, desde o início da guerra, em uma declaração com sabor crístico, afirmou desejar tomar sobre si todo o sofrimento dos sírios.

Quem viu o recente e admirável filme francês “Homens e deuses” pode bem entender o desejo que brota do coração do místico cristão apaixonado pelo Islã.  Seu compromisso com a comunidade muçulmana que vive no país de sua eleição e se tornou sua comunidade o leva até o extremo de desejar sofrer em lugar deles.  Ou pelo menos em comunhão com eles.  E não estar fora e a salvo do perigo que corre o povo que ama. 
Na história religiosa da humanidade existem muitas dessas figuras crísticas semelhantes ao Pe. Dall´Oglio.  Simone Weil, na Londres não ocupada em plena Segunda Guerra Mundial, ansiava entrar de novo na França ocupada para poder dar sua vida em comunhão com os que ali padeciam. Etty Hillesum, a jovem judia holandesa citada no sermão de Quarta-feira de cinzas pelo Papa Bento XVI, ofereceu-se voluntariamente para ir ao campo de Westerbork, a fim de ajudar a Deus e ser um bálsamo para as feridas de seu povo. E assim muitos que, seguindo o movimento de kenosis de Jesus, dos santos e dos mártires, foram ao encontro do sofrimento e da morte, a fim de não estar separados do povo ao qual entregaram a vida. 
 A uma jornalista em Rakka, o Pe. Dall´Oglio declarou: “Jejuo e faço o Ramadã para pedir a Deus a graça da unidade para o povo sírio”.  Enquanto rezamos por sua vida, unamo-nos igualmente a ele pedindo para que os sofridos povos árabes, especialmente a Síria e o Egito, possam finalmente conhecer a paz que tanto desejam e que tanto lhes tem sido negada. 


 Copyright 2013 – 
MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER
Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga e professora do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de vários livros como 'Um rosto para Deus' (Ed. Paulus) e, o mais recente, 'O  mistério e o mundo – Paixão por  Deus em tempo de descrença' (Editora Rocco).







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