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segunda-feira, fevereiro 26, 2018

II DOMINGO DA QUARESMA



O comportamento de Abraão face a esta “crise” revela, antes de mais, o lugar absolutamente central que Deus ocupa na sua existência. Deus é, para Abraão, o valor máximo, a prioridade fundamental; por isso, Abraão mostra-se disposto a fazer a Deus um dom total e irrevogável de si próprio, da sua família, do seu futuro, dos seus sonhos, das suas aspirações, dos seus projetos, dos seus interesses. Para Abraão, nada mais conta quando estão em jogo os planos de Deus… Na vida do homem do nosso tempo, contudo, nem sempre Deus ocupa o lugar central que Lhe é devido. Com frequência, o dinheiro, o poder, a carreira profissional, o reconhecimento social, o sucesso, ocupam o lugar de Deus e condicionam as nossas opções, os nossos interesses, os valores que nos orientam. Abraão, o crente para quem Deus é a coordenada fundamental à volta da qual toda a vida se constrói convida-nos, nesta Quaresma, a rever as nossas prioridades e a dar a Deus o lugar que Ele merece.

Na sua relação com Deus, o crente Abraão manifesta uma vasta gama de “qualidades” – a reverência, o respeito, a humildade, a disponibilidade, a obediência, a confiança, o amor, a fé – que o definem como o crente “ideal”, o modelo para os crentes de todas as épocas. Neste tempo de preparação para a Páscoa, são estas “qualidades” que nos são propostas, também. É preciso que realizemos um caminho de conversão que nos torne cada vez mais atentos e disponíveis para acolher e para viver na fidelidade aos planos de Deus.

Para Paulo, há uma constatação incrível, que não cessa de o espantar: Deus ama-nos com um amor profundo, total, radical, que nada nem ninguém consegue apagar ou eliminar. Esse amor veio ao nosso encontro em Jesus Cristo, atingiu a nossa existência e transformou-a, capacitando-nos para caminharmos ao encontro da vida eterna. Ora, antes de mais, é esta descoberta que Paulo nos convida a fazer… Nos momentos de crise, de desilusão, de perseguição, de orfandade, quando parece que todo o mundo está contra nós e que não entende a nossa luta e o nosso compromisso, a Palavra de Deus grita: “não tenhais medo; Deus ama-vos”.

Descobrir esse amor dá-nos a coragem necessária para enfrentar a vida com serenidade, com tranquilidade e com o coração cheio de paz. O crente é aquele homem ou mulher que não tem medo de nada porque está consciente de que Deus o ama e que lhe oferece, aconteça o que acontecer, a vida em plenitude. Pode, portanto, entregar a sua vida como dom, correr riscos na luta pela paz e pela justiça, enfrentar os poderes da opressão e da morte, porque confia no Deus que o ama e que o salva.

Por vezes somos tentados pelo desânimo, porque não percebemos o alcance dos esquemas de Deus; ou então, parece que, seguindo a lógica de Deus, seremos sempre perdedores e fracassados, que nunca integraremos a elite dos senhores do mundo e que nunca chegaremos a conquistar o reconhecimento daqueles que caminham ao nosso lado… A transfiguração de Jesus grita-nos, do alto daquele monte: não desanimeis, pois a lógica de Deus não conduz ao fracasso, mas à ressurreição, à vida definitiva, à felicidade sem fim.


Os três discípulos, testemunhas da transfiguração, parecem não ter muita vontade de “descer à terra” e enfrentar o mundo e os problemas dos homens. Representam todos aqueles que vivem de olhos postos no céu, alheados da realidade concreta do mundo, sem vontade de intervir para o renovar e transformar. No entanto, ser seguidor de Jesus obriga a “regressar ao mundo” para testemunhar aos homens – mesmo contra a corrente – que a realização autêntica está no dom da vida; obriga a atolarmo-nos no mundo, nos seus problemas e dramas, a fim de dar o nosso contributo para o aparecimento de um mundo mais justo e mais feliz. A religião não é um ópio que nos adormece, mas um compromisso com Deus, que se faz compromisso de amor com o mundo e com os homens.