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sexta-feira, setembro 28, 2018

29 DE SETEMBRO, SANTOS ARCANJOS


A Igreja conhece o nome de três Arcanjos e a Liturgia celebra no dia 29 de setembro a Festa deles: Miguel, Gabriel e Rafael, e lembra ao mesmo tempo todos os coros angélicos: Anjos, Arcanjos, Tronos, Querubins, Serafins, Virtudes, Potestades e Poderes.

Na Festa dos Santos Arcanjos, a Igreja assim vê a glória de Deus manifestada em seus anjos:

‘Pai Santo, Deus eterno e todo poderoso, é a Vós que glorificamos ao louvarmos os anjos que criastes e que foram dignos do vosso amor. A admiração que eles merecem nos mostra como sois grande e como deveis ser amado acima de todas as criaturas. Pelo Cristo, vosso Filho e Senhor nosso, louvam os anjos a vossa glória, as dominações vos adoram, e, reverentes, vos servem potestades e virtudes. Concedei-nos também a nós associar-nos à multidão dos querubins e serafins, cantando a uma só voz… (Prefácio).

São Rafael é guia de Tobias e dos viajantes. (Ver o livro de Tobias).

São Miguel era o antigo padroeiro da sinagoga judaica, agora é o padroeiro da Igreja universal; São Gabriel (‘Deus curou’) é o Anjo da Encarnação e talvez o da Agonia de Jesus no jardim das oliveiras; São Miguel, de modo especial foi cultuado desde os primeiros séculos do cristianismo.

No Apocalipse, São Miguel e seus anjos são mostrados como defensores do povo de Deus. ”Houve uma batalha no céu. Miguel e seus anjos tiveram de combater o Dragão. O Dragão e seus anjos travaram combate, mas não prevaleceram.” (Ap 12,7). ”Vi, então, descer do céu um anjo, que tinha na mão a chave do abismo e uma grande algema. Ele apanhou o Dragão, a primitiva Serpente, que é o Demônio e Satanás, e o acorrentou por mil anos. Atirou-o no abismo, que fechou e selou por cima, até que se completasse mil anos, para que já não seduzisse as nações (Ap 20,1). O imperador Constantino, no século IV, erigiu a São Miguel Arcanjo um santuário em Constantinopla às margens do rio Bósforo, no lado europeu, enquanto o imperador Justiniano construiu-lhe um outro santuário na outra margem do mesmo rio. A data de 29 de setembro foi a de consagração da igreja dedicada a São Miguel, no século V, a seis milhas da via Salária. Em Roma foi dedicado a São Miguel o célebre mausoléu do imperador Adriano, agora conhecido com o nome de Castelo de Santo Ângelo.

A São Miguel é dedicado também o antigo santuário do século VI, no monte Galgano, na Púglia, onde domina o mar Adriático que banha o lado oriental da Itália. Nas proximidades desta igreja, os longobardos venceram o encontro naval contra os serracenos e a vitória foi atribuída a uma aparição de São Miguel, o que deu origem a uma segunda festa ao Arcanjo, depois transferida para 29 de setembro.

São Gabriel, aquele que está diante de Deus, é o anunciador por excelência das revelações divinas. É ele que explica ao profeta Daniel como se dará a plena restauração, da volta do exílio ao advento do Messias. É ele que anuncia a Maria o nascimento de Jesus, é ele que anuncia também o nascimento do Percursor de Jesus, João Batista. Ele é muito estimado mesmo junto aos maometanos.

Prof. Felipe Aquino

quinta-feira, setembro 27, 2018

POLÍTICAS E VIRTUDES, POR DOM FERNANDO ARÊAS RIFAN



Dom Fernando Arêas Rifan*



Ao aproximar-se o pleito de outubro, um verdadeiro duelo de “titãs” em que está se tornando essa próxima eleição, vale recordar as virtudes humanas e cristãs, tanto da parte dos políticos como dos eleitores, virtudes necessárias ao bom convívio e à vida em sociedade. Basta observar as redes sociais para ver a ausência total do respeito à opinião alheia, o ódio, a incitação à violência, a falta de humildade e modéstia, o desaparecimento da tolerância, do apreço pela verdade, o disseminar de calúnias, intrigas e suspeitas. Tudo isso se constitui no oposto às virtudes humanas e cristãs, que são a base da verdadeira civilização. 

Quando se trata da virtude da humildade, essencial ao cristianismo e à pacífica convivência humana, é a que menos se vê na política. O “Eu” impera. A própria opinião se torna verdade absoluta. A humildade, que consiste no esquecimento de si mesmo, na ausência de egoísmo, no desprendimento, na modéstia com relação a si próprio, é a mais ausente. 

A virtude da pobreza, isto é, do desprendimento, do desapego dos bens materiais e do dinheiro: sua ausência dispensa demonstração. Qual é hoje o político realmente despreocupado com o próprio bolso, que deseja trabalhar exclusivamente em benefício do seu próximo? Quem entrasse na política, que de si é um exercício de altruísmo e caridade, deveria sair do cargo que lhe foi confiado com a mesma condição financeira com que entrou. Conhece o leitor algum raro político dessa espécie?
E as virtudes da honestidade, da não acepção de pessoas, da caridade desinteressada, do comedimento no falar, do respeito para com o próximo, do amor pela verdade, da convicção religiosa, da constância, da fidelidade nas promessas, do cumprimento da palavra dada? 

Bem, como nos aproximamos das eleições, gostaria de contribuir um pouco na escolha dos melhores candidatos, publicando algumas reflexões sobre o perfil moral do político, feitas pelo Cardeal Van Thuân, então presidente do Pontifício Conselho da Justiça e da Paz. São as "bem-aventuranças do político":
1º - Bem-aventurado o político que tem consciência do próprio papel. 2º - Bem-aventurado o político de quem se respeita a honorabilidade. 3º - Bem-aventurado o político que trabalha para o bem comum e não para o próprio bem. 4º - Bem-aventurado o político que se considera fielmente coerente e respeita as promessas eleitorais. 5º - Bem-aventurado o político que constrói a unidade e, fazendo de Jesus o seu centro, a defende. 6º - Bem-aventurado o político que sabe escutar o povo antes, durante e depois das eleições. 7º - Bem-aventurado o político que não tem medo, sobretudo da verdade. 8º - Bem-aventurado o político que não tem medo da mídia, porque no momento do julgamento deverá responder somente a Deus.

Você vai usar esse critério na sua escolha, ou vai votar por interesse do seu próprio bolso ou sem critério algum?! Nesse caso, você mereceria o adjetivo antônimo de bem-aventurado. 
Nessa disputa eleitoral, lembre-se que ofensas não constroem nada nem conquistam adversários. O respeito e a tolerância, mesmo quando não concordamos com a posição do outro, só edifica e ajuda a convencer. Às vezes é-nos necessário ser firmes, mas nunca ofensivos. Defender a verdade, mas não faltar à caridade. Ser condescendentes, sem mascarar a verdade, ser sinceros, sem perder a civilidade.


*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney
http://domfernandorifan.blogspot.com.br/

terça-feira, setembro 25, 2018

26 DE SETEMBRO, SÃO COSME E SÃO DAMIÃO



“Teus deuses não têm poder algum, nós adoramos o Criador do céu e da terra!” Hoje, dia 26 de setembro, lembramos dois dos santos mais citados na Igreja: São Cosme e São Damião, irmãos gêmeos, médicos de profissão e santos na vocação da vida. Viveram no Oriente (Cilícia, Ásia Menor entre os séculos III e IV), e, desde jovens, eram reconhecidos por sua habilidade como médicos. Com a conversão, passaram a ser também missionários, ou seja, ao unirem a ciência à confiança no poder da oração, levavam para muitos a saúde do corpo e da alma.


Viveram na Ásia Menor, até que, devido à perseguição de Diocleciano, no ano 300 da Era Cristã, foram presos por serem considerados inimigos dos deuses e acusados de usar feitiçarias e meios diabólicos para disfarçar as curas. Tendo em vista essa acusação, a resposta deles era sempre: “Nós curamos as doenças em nome de Jesus Cristo e pelo Seu poder!”

Diante da insistência dos perseguidores da fé cristã, com relação à adoração aos deuses, responderam: “Teus deuses não têm poder nenhum, nós adoramos o Criador do céu e da terra!”.



Atenção para este recado:

Na Igreja, muitos santos são estigmatizados pelo misticismo devido ao choque de culturas. Nada contra outras culturas, mas é sempre muito bom lembrar a verdadeira origem dos fatos. Muitos de nossos santos são cultuados também no candomblé e em outras religiões, mas a história é bem diferente. Na época da escravatura no Brasil, os escravos africanos criaram uma maneira criativa e inteligente de enganar os senhores de Engenho. Invocavam seus deuses Orixá, Oxalá, Ogum como São Sebastião, São Jorge e Jesus, e os negros bantos identificaram Cosme e Damião como os orixás Ibejis em um sincretismo religioso. E fizeram o mesmo com outros santos também, como São Jorge, Santa Bárbara entre outros. O sincretismo religioso é um fenômeno que consiste na absorção de influências de um sistema de crenças por outro.

Os negros bantos identificaram Cosme e Damião como os Ibejis: divindades gêmeas, sendo costumeiramente sincretizadas aos santos gêmeos católicos [Cosme e Damião]. A grande cerimônia dedicada a Ibeji acontece, no dia 27 de setembro, quando comidas como caruru, vatapá, bolinhos, doces, balas (associadas às crianças, portanto) são oferecidas tanto a eles como aos frequentadores dos terreiros. Para nós, católicos, este é o dia de São Vicente de Paulo. Por isso, há o costume de distribuir doces e comidas às crianças no dia 27, que também foi um costume introduzido pelo candomblé.



São Cosme e São Damião jamais abandonaram a fé cristã e foram decapitados no ano de 303. São considerados os padroeiros dos farmacêuticos, médicos e das faculdades de medicina.

Senhor, dai-nos uma fé viva, livre de todas as misturas, uma fé nova, traduzida na vida e no amor aos irmãos. Por isso, proclamamos o Senhorio de Jesus em nossa vida, pois os santos não precisam de alimentos, pois eles já contemplam o Alimento da Vida, que é o próprio Senhor.


Oração:


São Cosme e Damião, que, por amor a Deus e ao próximo, vos dedicastes à cura do corpo e da alma de vossos semelhantes. Abençoai os médicos e farmacêuticos, medicai o meu corpo na doença e fortalecei a minha alma contra a superstição e todas as práticas do mal. Que vossa inocência e simplicidade acompanhem e protejam todas as nossas crianças. Que a alegria da consciência tranquila, que sempre vos acompanhou, repouse também em meu coração. Que vossa proteção, São Cosme e Damião, conserve meu coração simples e sincero. Senhor nosso Deus, que dissipais as trevas da ignorância com a luz de Cristo, vossa Palavra, fortalecei a fé em nossos corações, para que nenhuma tentação apague a chama acesa por vossa graça. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

São Cosme e São Damião, rogai por nós!

segunda-feira, setembro 24, 2018

XXV DOMINGO DO TEMPO COMUM



1 – Desejo de ser grande e poderoso

Trazemos dentro de nós, uma espécie de sede, um desejo de ser grande aos olhos do mundo. Hoje em dia, existe um desejo forte de querer aparecer, ser famoso. Esta sede de querer ser famoso, querer ter poder está muito presente na Bíblia. Hoje, Dia Nacional da Bíblia, é esta mesma Bíblia que mostra o confronto entre a lógica humana do poder, do querer aparecer e ser famoso, e a lógica divina, que não se caracteriza pela fama, pelo poder, mas pelo serviço, como acabamos de ouvir no Evangelho. Não é um tema secundário, na Bíblia, porque diz respeito a uma orientação de vida, chamando atenção ao fato que a vida humana perde o sentido se andar na estrada da fama, do poder, porque poder e fama desaparecem. Um tema que apresenta um paradoxo: enquanto a sede do poder humano busca escalar a montanha do sucesso, a sabedoria divina propõe descer à planície do cotidiano, onde o serviço se concretiza pela partilha fraterna.

2 – O perigo da disputa por poder

No Dia Nacional da Bíblia, podemos perceber como a Bíblia é atual, como a Bíblia ilumina nossa realidade social, especialmente as nossas comunidades eclesiais. Lembremos o que dizia a 2ª leitura, da carta de São Tiago: a origem das guerras, das discórdias, da falta de fraternidade, as discussões, as raivas... em nossas comunidades tem uma única fonte: as paixões humanas. A raiz, a fonte disso encontra-se na cobiça e na arrogância humana, acompanhado do desejo de posse, de autossuficiência, de exercer domínio sobre as coisas sem oferecer nada em troca. São sintomas da cultura do individualismo, do egoísmo, do querer aparecer, querer levar vantagem em tudo. É a sede do poder — de todo tipo de poder, do poder econômico, do poder da fama — que provoca ciúmes, invejas, discórdias. Quando a luta pelo poder entra na comunidade eclesial, ela começa ouvir os primeiros tons de uma música do seu próprio funeral.

3 – Uma luta pelo poder no caminho do discipulado

Lembro que no Domingo passado nós refletíamos sobre o símbolo do caminho. Caminho que, na Bíblia, é símbolo da vida. Hoje, o tema do caminho volta a aparecer no Evangelho, e de um modo bem interessante. Jesus caminha e ensina seus discípulos o sentido da doação da vida de modo extremo, pela sua morte de Cruz. No mesmo caminho, os discípulos se colocam na contramão, discutindo sobre o poder do mundo. Jesus muda direção do caminho dos discípulos com uma expressão: “entre vocês”. Quer dizer, na comunidade não adotem a sede do poder, a sede da fama... Adotem, ao contrário, o acolhimento e o serviço. De que modo acolher? Com a mesma simplicidade de uma criança. Se entre nós, que formamos esta nossa comunidade, entramos em brigas e discussões, então caminhamos na contramão de Jesus, na contramão do Evangelho. O segredo de uma comunidade cristã se resume em duas palavras: acolhimento e serviço feitos com a mesma simplicidade de uma criança. Amém!
























sexta-feira, setembro 21, 2018

21 DE SETEMBRO, SÃO MATEUS



Queridos irmãos e irmãs!

Prosseguindo a série de retratos dos doze Apóstolos, que começamos há algumas semanas, hoje detemo-nos em Mateus. Na verdade, apresentar completamente a sua figura é quase impossível, porque as notícias que lhe dizem respeito são poucas e fragmentadas. Mas o que podemos fazer, não é tanto um esboço da sua biografia, mas ao contrário o perfil que o Evangelho transmite.

Entretanto, ele está sempre presente nos elencos dos Doze escolhidos por Jesus (cf. Mt 10, 3; Mc 3, 18; Lc 6, 15; Act 1, 13). O seu nome hebraico significa "dom de Deus". O primeiro Evangelho canónico, que tem o seu nome, apresenta-no-lo no elenco dos Doze com uma qualificação bem clara: "o publicano" (Mt 10, 3). Desta forma ele é identificado com o homem sentado no banco dos impostos, que Jesus chama ao seu seguimento: "Partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: "Segue-me!". Ele levantou-se e seguiu-o" (Mt 9, 9). 

Também Marcos (cf. 2, 13-17) e Lucas (cf. 5, 27-30) narram a chamada do homem sentado no posto de cobrança, mas chamam-no "Levi". Para imaginar o cenário descrito em Mt 9, 9 é suficiente recordar a magnífica tela de Caravaggio, conservada aqui em Roma na Igreja de São Luís dos Franceses. Dos Evangelhos sobressai um ulterior pormenor biográfico: no trecho que precede imediatamente a narração da chamada é referido um milagre realizado por Jesus em Cafarnaum (cf. Mt 9, 1-8; Mc 2, 1-12) e é mencionada a proximidade do Mar da Galileia, isto é do Lago de Tiberíades (cf. Mc 2, 13-14). Disto pode deduzir-se que Mateus desempenhasse a função de cobrador em Cafarnaúm, situada precisamente "à beira-mar" (Mt 4, 13), onde Jesus era hóspede fixo na casa de Pedro.

Com base nestas simples constatações que resultam do Evangelho podemos fazer algumas reflexões. A primeira é que Jesus acolhe no grupo dos seus íntimos um homem que, segundo as concepções em vigor na Israel daquele tempo, era considerado um público pecador. De facto, Mateus não só administrava dinheiro considerado impuro devido à sua proveniência de pessoas estranhas ao povo de Deus, mas colaborava também com uma autoridade estrangeira odiosamente ávida, cujos tributos podiam ser determinados também de modo arbitrário. Por estes motivos, mais de uma vez os Evangelhos falam unitariamente de "publicanos e pecadores" (Mt 9, 10; Lc 15, 1), de "publicanos e prostitutas" (Mt 21, 31). Além disso eles vêem nos publicanos um exemplo de mesquinhez (cf. Mt 5, 46: amam os que os amam) e mencionam um deles, Zaqueu, como "chefe dos publicanos e rico" (Lc 19, 2), enquanto a opinião popular os associava a "ladrões, injustos, adúlteros" (Lc 18, 11). É ressaltado um primeiro dado com base nestes elementos: Jesus não exclui ninguém da própria amizade. 

Ao contrário, precisamente porque se encontra à mesa em casa de Mateus-Levi, em resposta a quem falava de escândalo pelo facto de ele frequentar companhias pouco recomendáveis, pronuncia a importante declaração: "Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores" (Mc 2, 17).

O bom anúncio do Evangelho consiste precisamente nisto: na oferenda da graça de Deus ao pecador! Noutro texto, com a célebre parábola do fariseu e do publicano que foram ao Templo para rezar, Jesus indica inclusivamente um anónimo publicano como exemplo apreciável de confiança humilde na misericórdia divina: enquanto o fariseu se vangloria da própria perfeição moral, "o cobrador de impostos... nem sequer ousava levantar os olhos para o céu, mas batia no peito, dizendo: "Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador"". E Jesus comenta: "Digo-vos: Este voltou justificado para sua casa, e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado" (Lc 18, 13-14).

Na figura de Mateus, portanto, os Evangelhos propõem-nos um verdadeiro e próprio paradoxo: quem aparentemente está afastado da santidade pode até tornar-se um modelo de acolhimento da misericórdia de Deus e deixar entrever os seus maravilhosos efeitos na própria existência. Em relação a isto, São João Crisóstomo faz uma significativa anotação: ele observa que só na narração de algumas chamadas se menciona o trabalho que as pessoas em questão desempenhavam. Pedro, André, Tiago e João são chamados quando estão a pescar, Mateus precisamente quando cobra os impostos. Trata-se de trabalhos de pouca importância — comenta Crisóstomo — "porque não há nada mais detestável do que um cobrador de impostos e nada de mais comum do que a pesca" (In Matth. Hom.: PL 57, 363). A chamada de Jesus chega portanto também a pessoas de baixo nível social, enquanto desempenham o trabalho quotidiano.

Outra reflexão, que provém da narração evangélica, é que à chamada de Jesus, Mateus responde imediatamente: "ele levantou-se e seguiu-o". A condensação da frase ressalta claramente a prontidão de Mateus ao responder à chamada. Isto significava para ele o abandono de todas as coisas, sobretudo do que lhe garantia uma fonte de lucro seguro, mesmo se muitas vezes injusto e desonesto. 

Evidentemente Mateus compreendeu que a familiaridade com Jesus não lhe permitia perseverar em actividades desaprovadas por Deus. Intuiu-se facilmente a aplicação ao presente: também hoje não é admissível o apego a coisas incompatíveis com o seguimento de Jesus, como é o caso das riquezas desonestas. Certa vez Ele disse sem meios-termos: "Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me" (Mt 19, 21). Foi precisamente isto que Mateus fez: levantou-se e seguiu-o! Neste "levantar-se" é legítimo ver o abandono de uma situação de pecado e ao mesmo tempo a adesão consciente a uma existência nova, recta, na comunhão com Jesus.

Por fim, recordamos que a tradição da Igreja antiga concorda na atribuição a Mateus da paternidade do primeiro Evangelho. Isto acontece já a partir de Papias, Bispo de Hierápoles na Frígia por volta do ano 130. Ele escreve: "Mateus reuniu as palavras (do Senhor) em língua hebraica, e cada um as interpretou como podia" (em Eusébio de Cesareia, Hist. eccl. III, 39, 16).

O historiador Eusébio acrescenta esta notícia: "Mateus, que primeiro tinha pregado aos hebreus, quando decidiu ir também a outros povos escreveu na sua língua materna o Evangelho por ele anunciado; assim, procurou substituir com a escrita, junto daqueles dos quais se separava, aquilo que eles perdiam com a sua partida" (ibid., III, 24, 6). Já não temos o Evangelho escrito por Mateus em hebraico ou em aramaico, mas no Evangelho grego que ainda continuamos a ouvir, de certa forma, a voz persuasiva do publicano Mateus que, tendo-se tornado Apóstolo, continua a anunciar-nos a misericórdia salvadora de Deus e ouvimos esta mensagem de São Mateus, meditámo-la sempre de novo para aprender também nós a levantar-nos e a seguir Jesus com determinação.

A PALAVRA DE DEUS, DOM FERNANDO ARÊAS RIFAN


Setembro é o mês da Bíblia e, no próximo domingo, dia 23, celebraremos o dia nacional da Bíblia, dedicado a despertar e promover entre os fiéis o conhecimento e o amor dos Livros Sagrados, a Palavra de Deus escrita, redigida sob a moção do Divino Espírito Santo, motivando-os para sua leitura cotidiana, atenta e piedosa e, ao mesmo tempo, premunindo-os contra os erros correntes com relação à Bíblia mal interpretada.


“Na Igreja, veneramos extremamente as Sagradas Escrituras, apesar da fé cristã não ser uma ‘religião do Livro’: o cristianismo é a ‘religião da Palavra de Deus’, não de ‘uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo’” (Bento XVI - Verbum Domini, 7)
É de São Jerônimo, o grande tradutor dos Livros Santos, a célebre frase: “Ignorar a Sagrada Escritura é ignorar o próprio Cristo”. Portanto, o conhecimento e o amor às Escrituras decorrem do conhecimento e do amor que todos devemos a Nosso Senhor.

O ponto central da Bíblia, convergência de todas as profecias, é Jesus Cristo. O Antigo Testamento é preparação para a sua vinda e o Novo, a realização do seu Reino. “O Novo estava latente no Antigo e o Antigo se esclarece no Novo” (Santo Agostinho).
Dizemos que a Bíblia é um livro divino e humano: inspirada por Deus, mas escrita por homens, por Deus movidos e assistidos enquanto escreviam. 

A Bíblia não é um livro só, mas um conjunto de 73 livros, redigidos por autores diferentes, em épocas, línguas, estilos e locais diversos, num espaço de tempo de cerca de mil e quinhentos anos. Sua unidade se deve ao fato de terem sido todos eles inspirados por Deus, seu autor principal e garantia da sua inerrância.

Mas a Bíblia não é um livro de ciências humanas. Por isso a Igreja Católica reprova a leitura fundamentalista da Bíblia, que teve sua origem na época da Reforma Protestante e que pretende dar a ela uma interpretação literal em todos os seus detalhes, o que não é correto.

Além disso, a Bíblia não é um livro fácil de ser lido e interpretado. São Pedro, falando das Epístolas de São Paulo, nos diz que “nelas há algumas passagens difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou pouco fortalecidos deturpam, para a sua própria ruína, como o fazem também com as demais Escrituras” (II Pd 3, 16).

Por isso, o mesmo São Pedro nos adverte: “Sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal.Porque jamais uma profecia foi proferida por efeito de uma vontade humana. Homens inspirados pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus” (2Pd 1, 20-21). Assim, o ofício de interpretar autenticamente a Palavra de Deus escrita (a Bíblia Sagrada) ou transmitida oralmente (a Sagrada Tradição) foi confiado unicamente ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade se exerce em nome de Jesus Cristo, que disse aos Apóstolos e seus sucessores “até a consumação dos séculos”: “Ide e ensinai a todos os povos tudo o que vos ensinei... quem vos ouve a mim ouve”.



*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney
http://domfernandorifan.blogspot.com.br/

quinta-feira, setembro 20, 2018

20 DE SETEMBRO, SANTO ANDRÉ KIM TEAGON E COMPANHEIROS



A Igreja coreana tem, talvez, uma característica única no mundo católico. Foi fundada e estabelecida apenas por leigos. Surgiu no início de 1600, a partir dos contatos anuais das delegações coreanas que visitavam Pequim, na China, nação que sempre foi uma referência no Extremo Oriente para troca de cultura.


Foi ali que os coreanos tomaram conhecimento do cristianismo. Especialmente por meio do livro do grande padre Mateus Ricci, ‘A verdadeira doutrina de Deus’. Foi o leigo Lee Byeok que se inspirou nele para, então, fundar a primeira comunidade católica atuante na Coreia.

As visitas à China continuaram e os cristãos coreanos foram, então, informados pelo bispo de Pequim de que suas atividades precisavam seguir a hierarquia e organização ditada pelo Vaticano, a Santa Sé de Roma. Teria de ser gerida por um sacerdote consagrado, o qual foi enviado oficialmente para lá em 1785.

Em pouco tempo, a comunidade cresceu, possuindo milhares de fiéis, Porém começaram a sofrer perseguições por parte dos governantes e poderosos, inimigos da liberdade, justiça e fraternidade pregadas pelos missionários. Tentando acabar com o cristianismo, matavam seus seguidores. Não sabiam que o sangue dos mártires é semente de cristãos, como já dissera o imperador Tertuliano, no início dos tempos cristãos. Assim, patrocinaram uma verdadeira carnificina entre 1785 e 1882, quando o governo decretou a liberdade religiosa.

Foram dez mil mártires. Desses, a Igreja canonizou muitos que foram agrupados para uma só festa, liderados por André Kim Taegon, o primeiro sacerdote mártir coreano. Vejamos o seu caminho no apostolado.

André nasceu em 1821, numa família profundamente cristã da nobreza coreana. Seu pai, por causa das perseguições, havia formado uma ‘Igreja particular’ em sua casa, nos moldes daquelas dos cristãos dos primeiros tempos, para rezarem, pregarem o Evangelho e receberem os sacramentos. Tudo funcionou até ser denunciado e morto, aos 44 anos, por não renegar a fé em Cristo.

André tinha 15 anos e sobreviveu com os familiares, graças à ajuda dos missionários franceses, que os enviaram para a China, onde o jovem se preparou para o sacerdócio e retornou diácono, em 1844. Depois, numa viagem perigosa em clima de perseguição, tanto na ida quanto na volta, foi para Xangai, onde o bispo o ordenou sacerdote.

Devido à sua condição de nobre e conhecedor dos costumes e pensamento local, obteve ótimos resultados no seu apostolado de evangelização. Até que, a pedido do bispo, um missionário francês, seguiu em comitiva num barco clandestino para um encontro com as autoridades eclesiásticas de Pequim, que aguardavam documentos coreanos a serem enviados ao Vaticano. Foram descobertos e presos. Outros da comunidade foram localizados, inclusive os seus parentes.

André era um nobre, por isso foi interrogado até pelo rei, no intuito de que renegasse a fé e denunciasse seus companheiros. Como não o fez, foi severamente torturado por um longo período e morto por decapitação, no dia 16 de setembro de 1846 em Seul, Coreia.

Na mesma ocasião, foram martirizados 103 homens, mulheres, velhos e crianças, sacerdotes e leigos, ricos e pobres. De nada adiantou, pois a jovem Igreja coreana floresceu com os seus mártires. Em 1984, o papa João Paulo II, cercado de uma grande multidão de cristãos coreanos, canonizou santo André Kim Taegon e seus companheiros, determinando o dia 20 de setembro para a celebração litúrgica.

segunda-feira, setembro 17, 2018

XXIV DOMINGO DO TEMPO COMUM




1 – O símbolo do caminho

No início do Evangelho, Marcos relata que Jesus caminhava com seus discípulos e, caminhando, perguntou: “quem sou eu para o povo e para vocês?”. Chamo atenção para a palavra “caminho”. É uma palavra simbólica, que usamos para representar a nossa vida. A nossa vida, o nosso viver é um caminho; é uma caminhada. Por isso, a pergunta que ouvimos no Evangelho soa deste modo para nós: quem é Jesus para nós no caminho de nossas vidas? À medida que caminhamos na vida, mudamos nosso modo de pensar e nossos conceitos. Por isso, se temos o mesmo conceito de Jesus trazido da infância, da adolescência, de tempos passados, então algo não está de acordo, no caminho do discipulado. À medida que caminhamos na vida, à medida que convivemos com Jesus, nossa fé vai se transformando; nosso o modo de crer também muda. Muda porque nos tornamos mais amadurecidos. 

2 – O encontro com o sofrimento

No caminhar de nossas vidas, o conceito que vamos formando de Deus deve mudar; precisa amadurecer. A convivência que temos com Jesus, o modo de crer — se nossa fé produz frutos ou é apenas emocional ou apenas mental, como provoca a 2ª leitura — favorecem a serenidade naqueles encontros mais difíceis de nossas vidas. No caminho da vida, por exemplo, em alguma curva da estrada existencial, nós nos deparamos com o sofrimento; sofrimento pessoal ou sofrimento do outro, no dizer da 1ª leitura. Se caminhamos como discípulos de Jesus, se cultivamos a fé e com ela produzimos frutos, o sofrimento (meu e do outro) torna-se suportável e marcado pela esperança. Até mesmo o sofrimento passa a ter um sentido. O encontro com o sofrimento, para quem não convive com Jesus e não crê de modo frutuoso — produzindo frutos — é mais doloroso, é marcado por queixas, reclamações e pode, até mesmo, ser marcado pela revolta. É nestes momentos desafiadores do caminho da vida que podemos avaliar quem é Jesus para nós e o que representa a fé em nossas vidas.

3 – Caminho da oblatividade

No caminho da vida, diz Jesus no Evangelho, é preciso tomar a própria cruz para segui-lo. A espiritualidade e a mística cristã não interpretam este “tomar a cruz” como desejo do sofrimento ou desejo da morte. O “tomar a cruz” significa pertencer a alguém, no sentido de doar a vida por alguém. À medida que caminhamos nos caminhos da vida, podemos escolher viver para nós mesmos ou viver para ofertar a vida; para que o nosso viver produza mais vida. Jesus ensina que quem quiser salvar a própria vida, vai perdê-la; este é o viver para si mesmo. O “tomar a cruz” significa entregar a vida, fazer da própria vida uma oblação para que minha vida produza mais vida. O egoísta, aquele que não “assume a cruz”, não assume o projeto do Reino, destrói-se a si mesmo. O sentido da vida está na cruz, símbolo da oblação da vida. Mas, para bem compreender isso é preciso saber quem é Jesus para mim e transformar a fé em obras. Amém!