Dos Sermões de São Leão Magno, papa
(Sermo
10 de Quadragesima, 3-5:PL 54,299-301)
(Séc.V)
O bem da caridade
Diz o Senhor no Evangelho de João: Nisto todos conhecerão que
sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros (Jo 13,35). E
também se lê numa Carta do mesmo Apóstolo: Caríssimos, amemo-nos uns
aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e
conhece Deus. Quem não ama, não chegou a conhecer Deus, pois Deus é amor(1Jo
4,7-8). Examine-se a si mesmo cada um dos fiéis, e procure discernir com
sinceridade os mais íntimos sentimentos de seu coração. Se encontrar na sua
consciência algo que seja fruto da caridade, não duvide que Deus está com ele;
mas se esforce por tornar-se cada vez mais digno de tão grande hóspede,
perseverando com maior generosidade na prática das obras de misericórdia.
Se Deus é amor, a caridade não deve ter fim, porque a grandeza de Deus
não tem limites. Para praticar o bem da caridade, amados filhos, todo tempo é
próprio. Contudo, estes dias da Quaresma, a isso nos exortam de modo especial.
Se desejamos celebrar a Páscoa do Senhor com o espírito e o corpo santificados,
esforcemo-nos o mais possível por adquirir essa virtude que contém em si todas
as outras e cobre a multidão dos pecados.
Ao aproximar-se a celebração deste mistério que ultrapassa todos os
outros, o mistério do sangue de Jesus Cristo que apagou as nossas iniqüidades,
preparemo-nos em primeiro lugar mediante o sacrifício espiritual da
misericórdia; o que a bondade divina nos concedeu, demo-lo também nós àqueles
que nos ofenderam. Seja, neste tempo, mais larga a nossa generosidade para com
os pobres e todos os que sofrem, a fim de que os nossos jejuns possam saciar a
fome dos indigentes e se multipliquem as vozes que dão graças a Deus. Nenhuma
devoção dos fiéis agrada tanto a Deus como a dedicação para com os seus pobres,
pois nesta solicitude misericordiosa ele reconhece a imagem de sua própria
bondade.
Não temamos que essas despesas diminuam nossos recursos, porque a
benevolência é uma grande riqueza e não podem faltar meios para a generosidade
onde Cristo alimenta e é alimentado. Em tudo isso, intervém aquela mão divina
que ao partir o pão o faz crescer, e ao reparti-lo multiplica-o. Quem dá
esmola, faça-o com alegria e confiança, porque tanto maior será o lucro quanto
menos guardar para si, conforme diz o santo Apóstolo Paulo: Aquele que
dá a semente ao semeador e lhe dará pão como alimento, ele mesmo multiplicará
vossas sementes e aumentará os frutos da vossa justiça
(2Cor 9,10),
em Cristo Jesus, nosso Senhor, que vive e reina com o Pai e o Espírito Santo
pelos séculos dos séculos. Amém.