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sábado, setembro 21, 2019

O QUE AS PINTURAS DE SÃO MATEUS DE CARAVAGGIO NOS ENSINAM SOBRE O PREÇO DA GRANDIOSIDADE







Essas famosas interpretações da vida do santo nos mostram o que é preciso para viver nossa melhor vida
Em 1599, um jovem artista chamado Michelangelo Merisi da Caravaggio assinou um contrato para decorar a capela funerária de um rico cardeal. A capela deveria ser dedicada a São Mateus, onomástico do cardeal.
A pintura à esquerda do altar mostrava o chamado de São Mateus por Jesus para deixar de cobrar impostos e tornar-se discípulo. A pintura à direita mostrava seu martírio. A pintura no meio, diretamente acima do altar-mor, mostrava a inspiração de São Mateus, enquanto ele trabalhava duro para escrever seu Evangelho.

O próprio Caravaggio era um homem altamente conflituoso. Ele foi um pintor magnífico que ultrapassou os limites da grandiosidade na arte, e seu trabalho é cheio de iluminação dramática e composições altamente elaboradas.

Mas em sua vida real Caravaggio viveu muitos problemas. Ele brigava com todos ao seu redor, e é até suspeito de ter cometido assassinato. Sem um pincel na mão, ele era só dificuldades, mas como artista ele é incomparável tanto pela sua técnica quanto pela profundidade de sua percepção.

As três pinturas de São Mateus foram concluídas e agora decoram a Capela Contarelli em Roma. Quando vistas uma após a outra, elas contam uma história poderosa sobre o custo de se alcançar a grandiosidade.





Na primeira pintura – O chamado de São Mateus – Mateus está amontoado em uma sala escura com seus amigos, enquanto Jesus e São Pedro estão à porta e apontam para ele. A identidade do próprio Mateus não é totalmente clara. Ele provavelmente é o homem barbudo que parece estar apontando para si mesmo como se dissesse: “Quem? Eu?” Outra teoria é que o homem barbudo está realmente apontando para o jovem no final da mesa, com a cabeça caída como se dissesse: “Quem? Ele?” Se o jovem de cabeça baixa for Mateus, a cena capta o momento imediatamente antes de ele levantar a cabeça e ver Cristo pela primeira vez.

De qualquer maneira, o momento está repleto de importância. A mão de Cristo pode parecer familiar, e isso é porque é uma réplica exata da mão de Adão da Capela Sistina. Naquela famosa pintura, a mão de Adão está prestes a tocar a mão de Deus. Há eletricidade entre os dois dedos quando a mão de Deus se prepara para transmitir uma alma ao primeiro homem – é o momento da criação. Para Mateus, encontrar Jesus é o seu renascimento. Ele está sendo chamado a uma nova vida.

Quando olho para esta pintura, sinto a mão de Deus sobre mim também. Deixado por conta própria, estou muito disposto a sentar na escuridão metafórica, desperdiçando meus dias com preguiça e falta de direção. Eu sempre tomarei o caminho mais fácil, sempre seguirei o caminho de menor resistência. Mas de vez em quando, Deus grita comigo alto o suficiente e eu olho para cima o tempo suficiente para vê-lo me chamando para sair pela porta e entrar na luz.





A segunda das pinturas de Caravaggio, tematicamente, é A inspiração de São Mateus. Nela, um anjo sussurra lembretes e dicas úteis para Mateus enquanto ele escreve seu Evangelho. Mateus está tenso de emoção e imerso em um devaneio artístico. Esta é a segunda versão da pintura. A primeira que Caravaggio pintou ficou gerou controvérsias com seu patrão, pois mostrava Mateus muito humilde e rústico. Então foi pintada uma segunda vez.

Apesar de eu gostar muito dessa pintura, ela é a minha menos favorita entre as três. Tento imaginar o estado de espírito de Caravaggio, pois ele foi forçado a recomeçar quando já havia produzido uma pintura perfeitamente boa. Embora Mateus esteja no meio do entusiasmo do esforço criativo, ele também deve ter trabalhado intensamente em sua obra. Ele pode até parecer cansado ou desesperado para ser um escritor suficientemente bom.

Como escritor, às vezes encontro situações semelhantes de insegurança. Como padre, sinto insegurança diariamente. Deus chamou cada um de nós a uma vida heróica, a ser grandes à nossa maneira. Isso é verdade. É igualmente verdade que compreender esse chamado implica hesitações, dúvidas e trabalho duro. Mas vamos ceder às dificuldades? Ou estamos dispostos a pagar o custo para alcançar uma vida realmente digna de ser vivida?


A terceira pintura da série é minha favorita – O Martírio de São Mateus. Caravaggio também lutou nesta. Os raios X da pintura revelam que a versão atual é pintada em cima de uma versão anterior. O que ele finalmente pintou valeu o esforço, porque é incrível. O centro da cena é um ato único e violento. Todo mundo recua horrorizado, incluindo o próprio Caravaggio. Ele se colocou na pintura, o homem barbudo atrás, parecendo triste e um pouco culpado. As duas pessoas em primeiro plano estão sem roupa porque estavam prestes a ser batizadas na pia que fica aos seus pés. O fundo é o altar da igreja.

Mateus foi martirizado na Etiópia, onde fora pregar. O rei e a rainha da Etiópia se tornaram cristãos, mas o rei seguinte, Hirtacus, achou Mateus problemático e mandou matar-lo. Na pintura, o assassino está disfarçado de um dos candidatos ao batismo. Quando Mateus está prestes a receber o golpe mortal, ele já está sangrando e seu sangue se mistura com a água batismal, assim como o coração de Cristo rebenta com sangue e água na cruz.

Assim como o sangue de São Mateus se mistura com a água sacramental aos pés do altar, toda nova vida requer uma morte. Para seguir em frente, devo enterrar um pedaço de mim antes de me levantar do ventre da pia batismal.

Nas pinturas arrojadas de Caravaggio há uma reflexão profunda sobre a natureza do que significa viver e morrer, o que significa lutar e sofrer. Para o artista, o martírio de São Mateus é a vitória final do santo.

É muito fácil recuar e viver uma existência medíocre que já é um tipo de morte involuntária. Ou podemos aceitar os desafios que Deus coloca diante de nós e viver nossa melhor vida, enfrentando os custos.

Fonte: Aleteia