Temos
uma estranha tentação de separar duas histórias: a história divina, narrada na
Bíblia, e a história humana, narrada nos livros de história. O Evangelho que
acabamos de ouvir faz questão de ressaltar que existe uma única história. É o
que vemos em Lucas, localizando a profecia de João Batista no meio da história
humana que, naquele tempo (e também hoje) tinha como protagonistas políticos
medíocres, sacerdotes hipócritas, marcados pela corrupção social e pelo pecado.
João Batista não desenvolve sua atividade profética numa sociedade diferente;
ele profetiza no meio da sociedade do seu tempo. A presença de Deus na história
humana manifesta-se no Antigo Testamento com vários profetas e o mesmo acontece
no Novo Testamento, com João Batista, como ouvimos no Evangelho. De nossa
parte, como batizados, somos desafiados a profetizar em nossos dias, em nossa
história, no chão onde pisamos.
Num
primeiro momento, tem-se a impressão que João Batista foge e, indo ao deserto
criticar a sociedade de longe. Mas, considerando melhor, temos três aspectos
que merecem atenção: a necessidade de tomar distância para ter outro ponto de
vista, a importância do silêncio do deserto para refazer o coração angustiado
pela indignação, e a necessidade de dar tempo para refletir sobre os
acontecimentos. Muitas vezes, temos a estranha mania de querer mudar as coisas
no exterior: não se está contente com o trabalho; muda-se de emprego. Não se
está bem com a família, separa-se. Olhemos para João. A sua vida é uma profecia
que ensina a olhar dentro da gente, a partir do silêncio do deserto. Quando não
se toma distância, com o tempo, até o erro torna-se normal.
João
Batista é um verdadeiro desafio colocado diante de cada um de nós. Pela sua
vida, somos desafiados a romper com estruturas sociais automatizadas que só
servem para garantir as benesses de ricos e poderosos. Desafiados a caminhar
contracorrente tornando-se um profeta evangelizador. Volto a lembrar que desde
o Batismo, recebemos a missão de profetizar. Paulo, na 2ª leitura, não
caracteriza o profeta evangelizador pela pregação, mas como divulgador do
Evangelho. Existem muitos modos para se divulgar o Evangelho. Um deles, como
dizia o salmo responsorial, é semeando silenciosamente a semente do Evangelho.
Sem barulho, sem show, mas no silêncio, como silencioso é germinar da vida
escondida dentro da semente. Nós profetizamos quando divulgamos o Evangelho,
semente divina trazida a terra para, aqui na terra, se caminhar nos caminhos de
Deus. Amém!