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domingo, agosto 11, 2013

QUEM PERDE COM A MORTE DE LUIZ PAULO HORTA por Maria Clara Lucchetti Bingemer


Ao  receber a notícia brutal e imprevista da morte do querido amigo e irmão Luiz  Paulo Hortal, a sensação de perda é de profunda dor. Abre-se um vazio, um  abismo feito de perplexidade e não compreensão.
Até a  véspera falara com ele ao telefone, combinando encontros, almoços, trabalhos  em conjunto. Todos preparavam alegremente sua festa de 70 anos.  E ele  convidava com humor refinado, bem característico seu: “Foi impossível  resistir. Cheguei  lá!”
Em lugar  da alegria do aniversário, reunimo-nos todos a chorar sua morte e a celebrar a  esperança de sua ressurreição.  Parecia que era isso que nos dizia com  seu rosto sereno e algo sorridente no caixão cheio de flores.
Com sua  partida, perdem a música clássica e as artes brasileiras um grande comentador  e crítico. Luiz Paulo tinha a beleza e a música nas veias. Conhecia toda e  qualquer peça produzida em qualquer momento da história e sobre ela  dissertava, quando não a tocava em seu piano ou teclado. Não apenas  conhecedor, mas amante da música (ou talvez conhecedor porque amante) era  alguém imprescindível quando se tratava da música erudita e das obras dos  grandes  mestres.
Além  da música, a literatura.  Leitor voraz e autodidata, Luiz Paulo tinha  profunda cultura literária.  Autores de todas as nacionalidades e idiomas  faziam parte de sua biblioteca e ele os comentava da maneira simples, terna e  deliciosa com que tratava todos os assuntos. E além da literatura estava a  filosofia.

Seu  campo de trabalho foi o jornalismo.  E ele o vivia com a seriedade e  dedicação com que fazia todas as coisas.  Diariamente ia ao jornal, mesmo  agora nos últimos tempos, já acadêmico e imortal.  Seus artigos,  brilhantes e profundos, eram peças raras em meio à avalanche de banalidades  que às vezes caracteriza o mundo da imprensa nos dias que correm.  Sempre  precisos, abundantes em informações,  verdadeiros.
A  retidão ética constitutiva de sua personalidade transparecia no que escrevia e  era comunicada a seus leitores.  Luiz Paulo não fazia concessões fáceis e  sempre ao escrever não se contentava de apenas informar, mas também  formava.
Um dos  campos onde mais se destacava seu conhecimento era o da religião.  Talvez  porque não o penetrava apenas com o intelecto, mas com o coração.  Luiz  Paulo era um homem de fé.  E foi essa fraternidade e essa comunhão que  nos uniram e aprofundaram nossa  amizade.
Edificava-me  o fato de ser tão profundamente cristão e, no entanto, tão aberto e receptivo  a qualquer pessoa de qualquer religião.  Jamais o vi não acolher alguém  devido a uma diferença de credo.  Ou qualquer outra diferença.   Tinha uma universalidade na acolhida, na recepção, no diálogo com todos,  que chegava a ser impressionante.  Talvez isso estivesse na raiz de ser  tão querido, tão amado.  
É muito raro,  especialmente no Brasil, uma pessoa ser ou tornar-se uma unanimidade afetiva.   Não ter inimigos, só admiradores, só irmãos, só afetos. Pois assim era  com Luiz Paulo.  Todos o amavam, todos o admiravam, todos tinham por ele  uma terna afeição. E a todos ele atingia docemente com sua imensa ternura, com  seu jeito amoroso de  ser.
Para mim e  para muitos  Luiz Paulo foi o intelectual brilhante, o leitor voraz e  erudito, o escritor cuidadoso, o acadêmico irretocável...Mas sobretudo a  encarnação da ternura de Deus.  Tudo nele respirava essa ternura  dispensada a todos, dos mais simples aos mais importantes.  A singeleza  terna de seu olhar, de sua presença, de seu falar...tudo  transmitia essa  verdade na qual acreditamos e que agora ele conhece face a face: Deus é  amor!
Essa  ternura que o fazia aproximar-se de qualquer um e qualquer uma, sem se impor  nem fazer peso, aparecia também em seus escritos.  Não há um leitor por  esse Brasil afora que não tenha acompanhado com deleite as análises do grande  jornalista que ele foi sobre os mais diversos temas.  Sempre,  fosse  o assunto música clássica, cinema, política ou religião, além do profundo  conhecimento, brilhava a doçura que aparecia até mesmo no jeito de escrever.

Com a partida  dessa pessoa infinitamente doce e amável, desse ser humano de estatura  incomensurável perdemos todos.  Perde a imprensa brasileira um grande  jornalista. Perde a música erudita e as artes um grande crítico.  Perdem  as letras brasileiras um grande escritor.  Perdemos todos nós, seus  amigos, que o amamos e que agora contaremos com seu afeto desde outro lugar: o  de intercessor junto a Deus.  Perde a Igreja militante um membro dos mais  ativos. Ganha a Igreja triunfante outro santo, cuja vida nos inspirará  incessantemente, sobretudo cada vez que no peito apertar essa saudade que dali  não mais sairá. 


Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do  departamento de teologia da PUC-Rio








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