“Alegra-te,
Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de
alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações” (Is 66,10s).
Caríssimos em Cristo, estas palavras de Isaías dão o tom da liturgia deste
Domingo, chamado pela liturgia de Domingo Laetare – Domingo “Alegra-te!” No
meio da Quaresma, na metade do caminho para a a celebração da Ressurreição do
Senhor, a Igreja nos convida à alegria pela aproximação da Santa Páscoa. Daí
hoje a cor rosa e as flores na igreja. “Alegra-te, Jerusalém!” – Jerusalém é a
Igreja,é o Povo santo de Deus, o novo Israel, é cada um de nós… Alegremo-nos,
apesar das tristezas da vida, apesar da consciência dos nossos pecados!
Alegremo-nos, porque a misericórdia do Senhor é maior que nossa miséria humana!
Como
o povo da Antiga Aliança, também nós tantas vezes somos infiéis – já devíamos
ter visto isso claramente a essa altura da Quaresma! É trágico, na primeira
leitura, o resumo que o Livro das Crônicas traçou da história de Israel: “Todos
os chefes dos sacerdotes e o povo multiplicaram suas infidelidades, imitando as
práticas abomináveis das nações pagãs. O Senhor Deus dirigia-lhes a palavra por
meio de seus mensageiros, porque tinha compaixão do seu povo. Mas, eles
zombavam dos enviados de Deus, até que o furor do Senhor se levantou contra o
seu povo e não teve mais jeito”. Com estas palavras dramáticas, o Autor sagrado
nos explica o motivo do terrível e doloroso exílio da Babilônia: Israel fez
pouco de Deus, virou-lhe as costas; por isso mesmo, foi expulso do aconchego do
Senhor na Terra que lhe fora prometida, perdeu a liberdade, o Templo, a Cidade
Santa, e tornou-se escravo no Exílio de Babilônia. Aqui aparece toda a
gravidade do pecado, que provoca a ira de Deus! É sempre essa a conseqüência do
pecado: o exílio do coração, a escravidão da vida! A Escritura nos ensina,
caríssimos, que Deus nunca faz pouco do nosso pecado, nunca passa a mão na
nossa cabeça, jamais faz de conta que não pecamos! Jamais despensa de modo
leviano as nossas infidelidades! E por quê? Porque realmente nos ama, nos leva
a sério, faz conta de nós! Ora, o pecado, afastando-nos de Deus, nos desfigura
e nos faz perder o rumo e o sentido da existência. Por isso mesmo, causa a ira
de Deus! Pois bem, o Senhor levou, então, seu povo para o terrível deserto do
Exílio para corrigi-lo e fazê-lo voltar de todo o coração para Aquele que é seu
único bem, sua verdadeira riqueza – aquele que é o seu Deus! É por misericórdia
que ele corrige Israel, por misericórdia que nos corrige: “Pois o Senhor não
rejeita para sempre: se ele aflige, ele se compadece, segundo sua grande
bondade. Pois não é de bom grado que ele humilha e que aflige os filhos do
homem” (Lm 3,31-33). Deus é amor e misericórdia. A leitura do Livro das
Crônicas nos mostrou que, uma vez Israel convertido, corrigido, o Senhor fá-lo
voltar para a Terra sempre prometida. Sim, efetivamente, “não é de bom grado
que ele humilha e que aflige os filhos do homem”.
Caríssimos,
esta mesma ideia que tantas vezes aparece no Antigo Testamento, cumpre-se de
modo definitivo em Cristo Jesus. Hoje, o Senhor, com palavras comoventes,
explica a Nicodemos a sua missão: “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu
Filho unigênito, para que não morra todo aquele que nele crer, mas tenha a vida
eterna. De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo,
mas para que o mundo seja salvo por ele”. Porque “estávamos mortos por causa de
nossos pecados”, Deus, na sua imensa misericórdia, nos deu a vida no seu Filho
único. Vede, irmãos: há duas realidades que são bem concretas na nossa
existência. Primeiro, a realidade do nosso pecado. Nesta metade de caminho
quaresmal, é preciso que tenhamos a coragem de reconhecer que somos pecadores,
que temos profundas quebraduras interiores, paixões desordenadas, desejos
desencontrados que combatem em nós… Quantas incoerências, quantos fechamentos
para Deus e para os outros, quantas resistências à graça, quantas máscaras! A
humanidade é isso! Não somos bonzinhos! Somos todos feridos, todos doentes,
todos pecadores, todos necessitados da salvação! Mas, ao lado dessa realidade
tão triste, há uma outra: Deus não se cansa de nós; estende-nos a mão para nos
tirar do nosso atoleiro e nos salvar! Essa mão estendida é o seu Filho Jesus!
Deus amou tanto o mundo, levou-nos tão a sério, que entregou o seu Filho, o
Amado, o Único, o Santo! Grande o nosso pecado, imensa a misericórdia de Deus
em Cristo; grande a nossa treva, imensa a Luz de Deus que nela brilhou em
Cristo; grande o nosso egoísmo; imenso o amor de Deus manifestado em Cristo;
grande a nossa morte; imensa a Vida que nos foi dada em Cristo Jesus, nosso
Senhor!
Amados
em Cristo, a grande tentação de nossa época é fazer pouco de Deus e,
cinicamente, mascarar nosso pecado. Quantos cristãos adulteram, roubam,
fornicam, abortam, negligenciam seus deveres para com Deus e com a Igreja,
desobedecem aos mandamentos, e não estão nem aí. É um espírito de descrença, de
falta de atenção e delicadeza para com o Senhor. Vemos isso em tanta gente de
Igreja… Aqueles que nos corrigem são chamados logo de reacionários, fechados,
sem misericórdia, duros, insensíveis para o mundo atual… E no entanto, a
Palavra do Senhor é clara: é necessário que fixemos o olhar em Cristo que se
entregou por nós e reconheçamos a gravidade e a concretude do nosso pecado!
Volta, Israel! Volta, Igreja de Cristo! Volta, povo do Senhor! Voltemos, irmãos
e irmãs! Em Cristo Jesus, nosso Salvador, “Deus quis mostrar a incomparável
riqueza da sua graça!” Não brinquemos com o amor de Deus, não recebamos em vão
a sua correção!
Recordemos
que hoje, no Evangelho, após mostrar o imenso amor de Deus pelo mundo, a ponto
de entregar o Filho amado, Jesus nos previne duramente: Quem nele crê, não é
condenado, mas, quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome
do Filho unigênito”. Ora, caríssimos, acreditar no nome de Jesus não é aderir a
uma teoria, mas levá-lo a sério na vida pelo esforço contínuo de conversão à
sua Pessoa divina e à sua Palavra santa! Crede, irmãos, crede, irmãs! Crede não
com palavras vãs! Crede com o afeto, crede com o coração, crede com os lábios,
mas, sobretudo, crede com as mãos, com os vossos atos, com a prática da vossa
vida! De verdade creremos na medida em que de verdade nos abrirmos para a sua
luz; pois “o julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram
as trevas à luz”.
Que
o Senhor nos dê a graça de ver realisticamente nossos pecados, reconhecê-los
humildemente e confessá-los sinceramente, para celebrarmos verdadeiramente a
Páscoa que se aproxima e dela participar eternamente na glória do céu. Amém.