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segunda-feira, junho 08, 2015

SÃO JOSÉ DE ANCHIETA - CONHEÇA A SUA HISTÓRIA!


Passados os fatos da “canonização”, é de se perguntar, se isso tudo trouxe algo de novo para a vida da Igreja? Anchieta tornou-se mais importante depois que a Igreja, pela decisão do papa Francisco, o proclamou “santo”?
É bom lembrar as intenções da Igreja, quando ela canoniza alguém. Antes de tudo, ela reconhece a obra da graça de Deus, que frutificou de maneira extraordinária nessa pessoa; muitas vezes, o santo teve algum dom especial do Espírito Santo e o desenvolveu de maneira fiel, colocando-o a serviço da glória de Deus e do bem do próximo.
Mas, sobretudo, a Igreja reconhece no santo um discípulo fiel de Jesus Cristo, um cristão exemplar, cuja vida foi fiel ao Evangelho e pode ser inspiradora para outros. Por isso, os santos são propostos como exemplos de vida, para que sirvam de estímulo e encorajamento para os outros. Diante dos santos, vem a pergunta: se eles puderam, por que não podemos também nós? Se eles permaneceram fieis à fé, perseveraram até o fim, mesmo através de provações e até no martírio, por que não podemos também nós?
Por isso, os santos também são propostos como nossos intercessores junto de Deus; na Igreja, “comunhão dos santos”, eles bem se interessam por aqueles que ainda peregrinam nesta vida e lutam para chegar a Deus...
O que dizer de São José de Anchieta? Seria necessário, por certo, promover um conhecimento maior dessa figura extraordinária de missionário, que está na origem da história da Igreja no Brasil. Interpretações distorcidas sobre ele e sua ação, surgidas num clima iluminista de perseguição anti-jesuítica nos tempos do Marquês de Pombal, que culminou com a expulsão dos jesuítas do Brasil; tais versões viciadas passaram aos relatos de história e são ensinadas, sem serem questionadas.
A história colonial e a saga dos bandeirantes, por vezes, apresentada com orgulho épico nos manuais de história pátria, não foi nada amistosa com o trabalho missionário dos jesuítas e também contribuiu para difundir versões comprometidas da história. A imagem de Anchieta não escapou ilesa, a ponto de lhe serem atribuídas atitudes que, de fato, ele combatia, como a escravização de indígenas e a destruição de sua cultura. Nesse sentido, a figura de Anchieta bem mereceria ser reestudada e escrita com novos critérios.

São José de Anchieta tem muito de inspirador para a Igreja e os cristãos do nosso tempo. Jovem universitário de 19 anos de idade, cheio de fé e ardor missionário, ele deixou tudo – família, amigos, estudos, pátria, comodidades -, e partiu missionário para um mundo distante e desconhecido; dedicou a vida inteira a povos que nunca tinha visto e os amou profundamente, desejoso de lhes levar a luz do Evangelho de Cristo, para valorizar suas vidas: isso pode ser muito inspirador ainda hoje!

Anchieta, Santo, missionário incansável, sacerdote zeloso e homem de Deus, doado inteiramente à sua missão; educador inspirado e criativo; promotor da paz, sem medo de arriscar a própria vida nesta obra; pastor atento aos doentes e pobres, aos mais frágeis da comunidade, a quem dedicava maiores esforços; fundador de missões e igrejas, queria ver o benefício da vida cristã permeando a vida das comunidades humanas e, a glória de Deus, reconhecida e proclamada... Exemplos estimulantes!
Temos muito a aprender de São José de Anchieta! Sua vida pode inspirar nossa Igreja, necessitada de ser missionária, de maneira renovada. São José de Anchieta, rogai por nós!

Cardeal Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP) - CNBB
SEU ARDOR APOSTÓLICO LHE VALEU O ELOGIO DE "ZELOSO SALVADOR DAS ALMAS"

São José de Anchieta reúne em sua personalidade inúmeras qualidades próprias à grande missão a que estava destinado. Aliou grandes virtudes a relevantes talentos naturais como mestre, gramático e artista. Ensinou aos índios os ofícios de pedreiro, carpinteiro e ferreiro, além de ajudá-los como enfermeiro. Seu ardor apostólico lhe valeu o elogio de "zeloso salvador das almas", feito pelo Beato Inácio de Azevedo, seu contemporâneo. No entanto, seu mais famoso título é o de "Apóstolo do Brasil", dado pelo Administrador Apostólico Bartolomeu Simões Pereira, Prelado do Rio de Janeiro, em sua homilia durante as cerimônias fúnebres do Santo.

UM DOS MAIS CONHECIDOS MILAGRES
Os relatos de sua vida são ricos em milagres, alguns dos quais bem conhecidos, como a ressurreição do índio Diogo. Este nativo morreu na vila de Santos, na casa do nobre Domingos Dias, e todos o tinham por católico. Algo surpreendente se passou no velório: o corpo do Diogo se moveu, causando grande espanto entre os presentes. Aproxima-se então Grácia Rodrigues, a senhora da casa e uma das testemunhas que prestaram juramento a respeito da veracidade do fato, e o índio lhe pede para chamar o padre Anchieta, a fim de ser batizado. Segundo ele, o Santo viera-lhe ao encontro, mandando que retornasse à vida.
Todos responderam ser impossível, pois o sacerdote se encontrava em São Vicente. Replicou Diogo dizendo estar o santo a apenas duas léguas de distância, perto de um riacho. Apesar de perplexos, alguns foram rapidamente ao local, encontrando Anchieta já a caminho. Quando chegou, o missionário ordenou ao índio que dissesse em público o motivo de sua ressurreição.
Então ele passou a narrar que os portugueses o haviam instruído na Fé cristã, sem contudo batizá-lo. Ele pensou não ser necessário o Batismo, sendo suficiente levar uma vida correta. Entre as abundantes lágrimas dos presentes, o Santo batiza-o e diz ter sido bem empregado todo o esforço de sua vida apenas para salvar esta alma.

TÍTULO SINGULAR RECEBIDO EM COIMBRA
Além de fatos extraordinários como esse, há aspectos menos conhecidos desta grande personalidade, como o de ser hábil poeta, cujas obras, feitas nas circunstâncias mais difíceis, manifestam o inegável talento dessa alma inocente. Qualidade essa favorecida pela formação recebida em sua juventude.
Nascido a 19 de março de 1534, em San Cristóbal de La Laguna, na ilha de Tenerife, uma das principais do famoso arquipélago das Canárias, José de Anchieta em sua primeira infância recebeu a formação dos padres dominicanos na cidade natal. Com 14 anos, embarcou para Portugal, ingressando no prestigioso e recém-formado Real Colégio das Artes, em Coimbra, orgulho do Rei Dom João III, que não poupou meios financeiros para dotá-lo dos melhores professores da Europa.
O jovem José aí se distinguiu por sua habilidade na língua latina e a facilidade em compor versos. Durante esses anos de estudos, Anchieta foi cognominado pelos amigos e professores de "Canário de Coimbra", em alusão ao melodioso canto desse pássaro e ao arquipélago de sua proveniência. Mal sabia ele o quanto esse dom lhe seria um útil instrumento de evangelização no longínquo Brasil...
Antes mesmo de se tornar religioso, José consagrou sua virgindade a Nossa Senhora na Catedral de Coimbra. Posteriormente, em 1551, entraria para a Companhia de Jesus, que havia recebido a aprovação pontifícia em 1540.
Devido a problemas de saúde e seu ardente desejo apostólico, os médicos consideravam o clima brasileiro propício à sua saúde. Assim, contando apenas 19 anos de idade, chegou ele ao Novo Continente, ao qual consagraria os 44 anos restantes de sua vida.

VERSOS QUE SE TORNAVAM O ENCANTO DOS ÍNDIOS
Os cânticos com rimas improvisadas eram muito do agrado dos indígenas. E ainda hoje, no imenso Brasil, em algumas regiões se observa a herança desse costume em canções populares.
Esta forma de cântico requer destreza de pensamento, a qual nunca faltou ao Canário de Coimbra. Acompanhando os gostos daquelas almas, Anchieta escrevia versos que se tornavam o encanto dos índios. Um bom exemplo desse tipo de literatura encontramos na poesia composta em honra de Santa Inês, em simples quadras rimadas, que mostram a candura de sua alma:
"Cordeirinha linda, / como folga o povo, / porque vossa vinda / lhe dá lume novo. / Cordeirinha santa, / de Iesu querida, / vossa santa vinda / o diabo espanta. / Por isso vos canta, / com prazer, o povo, / porque vossa vinda / lhe dá lume novo".

As encenações teatrais, os poemas, as cantigas, tudo tinha como objetivo a glória de Deus e o bem das almas. São José de Anchieta elevava os índios de sua vida banal para os grandiosos panoramas da fé. Em suas cartas, mais de uma vez declara que essas pobres almas muitas vezes se adiantavam na prática da Fé Católica aos seus colonizadores. Eram as graças dispensadas pela Divina Providência a esta nação nascida sob o signo da Cruz de Cristo estampada nas naus de Cabral.
Eram justamente a vida ilibada do apóstolo e a sabedoria de suas palavras que moviam os índios à conversão. Na imagem (Estácio de Sá em São Vicente, por Benedito Calixto (no centro, padre Nóbrega abençoa  São José de Anchieta) - Palácio de São Joaquim, Rio de Janeiro

O eficaz apostolado realizado por Anchieta defluía de sua santidade. Eram justamente a vida ilibada do apóstolo e a sabedoria de suas palavras que moviam os índios à conversão, como atesta este bonito fato narrado por Pero Rodrigues, contemporâneo do Santo: "Ouvindo-o um dia pregar, uma mulher simples, com muita devoção, usou desta semelhança: ‘o Espírito Santo põe na boca do padre o que há de dizer, assim como a pomba na boca do filhote o que há de comer'.

CATIVO NA "COVA DOS LEÕES"
Podemos pensar ter São José de Anchieta escrito seu mais belo poema em um momento de reflexão e de calma. Mas não foi assim.
Os calvinistas de origem francesa estabelecidos no Rio de Janeiro, em 1555, haviam feito acordo com os ferozes tamoios contra os portugueses estabelecidos ao sul. E para evitar ataques que poderiam causar pavorosos estragos tanto entre os portugueses como entre os índios católicos, procurou-se chegar a um armistício com os tamoios. A fim de garantir as negociações de paz, ofereceram-se como reféns o padre Manuel da Nóbrega acompanhado por José de Anchieta, que nessa época ainda não era sacerdote, mas já se tornara modelo de virtude que inspirava respeito e admiração até nos inimigos.
Para tal, a 7 de maio de 1563, desembarcam os dois religiosos em Iperoig, atual Ubatuba. Entre as ameaças que sofreram, conta-se uma ocorrida na véspera da Solenidade de Corpus Christi, no dia 9 de junho. Enquanto passeavam pela praia, o padre Nóbrega e Anchieta avistaram no horizonte uma pequena embarcação suspeita e correram para alertar o cacique Pindobuçu, que atuava como seu protetor, mas não o encontraram.
Quando os malfeitores, liderados pelo índio Paranapuçu, desembarcaram com intenção de matar os religiosos, se depararam com eles rezando de joelhos diante de uma imagem de Nossa Senhora e desistiram de seu intento. Paranapuçu confessaria mais tarde que seu coração se transformou ao ver os missionários e perdeu completamente a força diante deles.
Pouco depois, em 21 de junho, o padre Nóbrega teve que retornar a São Vicente, a fim de adiantar as negociações de paz e Anchieta permaneceu sozinho por mais três meses no cativeiro como um Daniel na cova dos leões, amansando-lhes os corações.

PURO DE CORPO E LIVRE NO ESPÍRITO
Enganar-nos-emos se pensarmos que o cativeiro de São José de Anchieta e a perspectiva de uma morte violenta a qualquer momento fossem para ele causa de temor e angústia. Pelo contrário, ele estava sempre disposto a entregar de bom grado sua vida e regar as terras brasileiras com seu sangue se o sacrifício servisse para obter almas cristãs que servissem Nosso Senhor.
O próprio padre Nóbrega se lamenta por ter deixado Anchieta sozinho, sabendo que a qualquer desentendimento entre as partes do armistício seria o suficiente para que o Santo perdesse a vida. Numa das cartas que o padre Nóbrega dirigiu ao Santo, assim se expressou: "Irmão, se ainda estais vivo...". E estava! Vivo para Deus, pois a cada dia vencia uma batalha mais terrível.

Anchieta havia consagrado sua pureza à Virgem Santíssima e queria preservá-la intacta a todo custo. Consideremos, entretanto, a situação em que ele se encontrava durante o cativeiro e as provocações a que se expunha a cada momento. 
Enquanto seu corpo era cativo dos tamoios,
sua alma voava livre na contemplação
da Rainha dos Céus
Certa noite estava rezando diante de um crucifixo. Aproximou-se, então, uma índia com intenções bem definidas e encontrou Anchieta de joelhos, imóvel. Chamou-lhe pelo nome, mas ele não respondeu. Depois de muito insistir, ela diz: "Estás vivo, ou morto?". E o santo respondeu com voz firme: "Estou morto...". Estava, de fato, morto para o pecado e vivo para Deus. A resposta foi pronunciada com tanta seriedade que a índia fugiu, gritando pela aldeia: "O Deus deste abaré [padre em língua tupi] me persegue e me quer matar".

O MAIS BELO DOS POEMAS DO SANTO
Mas o fator decisivo para manter sua integridade encontra-se na devoção a Nossa Senhora. Foi justamente neste cativeiro, correndo riscos físicos e espirituais, que o Canário de Coimbra escreveu seu mais belo canto: o Poema à Virgem.

O epílogo deste poema é belíssimo e mostra a alma já vitoriosa de Anchieta: 
"Eis os versos que outrora, ó Mãe Santíssima, / Te prometi em voto, / vendo-me cercado de feros inimigos, / pobre refém, tratava as suspiradas pazes, / tua graça me acolheu / em teu materno manto / e teu véu me velou intactos corpo e alma. / A inspiração do Céu, / eu muitas vezes desejei penar / e cruelmente expirar desejei em duros ferros. / Mas sofreram merecida repulsa meus desejos: / só a heróis / compete tanta glória".

A devoção de São José de Anchieta a Nossa Senhora, tão filialmente refletida naqueles versos escritos na praia, mais do que nas areias, ficou gravada no coração do Brasil e de filhos que se tornaram profundamente marianos. Sem dúvida, o mais belo canto do Canário de Coimbra foi ter ensinado a devoção a Maria Santíssima ao povo brasileiro.
 (Revista Arautos do Evangelho, Junho/2014, n. 150, p. 21 a 25)