A
Igreja usa este termo, e não outro, porque este exprime, com exatidão
filosófica, a realidade do fato miraculoso da Presença Real. Nenhum outro modo
de dizer seria tão exato, dizem os teólogos.
Transubstanciação
designa um trânsito ou passagem da totalidade de uma substância (matéria e
forma) para outra; e é isto, precisamente, o que se deu no milagre eucarístico.
Não
poderia a Igreja empregar a palavra transformação?
A
palavra transformação (mudança de forma) (1) não exprimiria a realidade
eucarística. Filosoficamente, mudança de forma não é o mesmo que conversão de
substância. Numa mudança de forma permanece a matéria prima como termo de
trânsito de uma forma para outra; a água transformando-se em vapor e a madeira
transformando-se em carvão têm a matéria prima como suporte permanente que
perde e adquire formas.
Na
completa conversão substancial ou transubstanciação não fica matéria como
suporte da mudança. O todo substancial é mudado. Assim, na Eucaristia, pão e
vinho, mudados no Corpo e Sangue de Cristo, perdem não só as formas de pão e
vinho mas também a própria matéria; forma e matéria que constituem a substância
do pão se convertem na matéria e forma do Corpo de Cristo.
Daí
se vê que a transubstanciação é um milagre. As mudanças de forma são fenômenos
naturais, e não miraculosos. A matéria muda de forma mediante a corrupção de
uma forma precedente e o natural e consequente aparecimento de nova forma.
Assim a madeira que se queima transforma-se em carvão pela corrupção natural da
forma de madeira e aparecimento natural da forma de carvão; o alimento se
transforma em sangue pela natural corrupção da forma alimento e aparecimento
natural da forma sangue em nosso organismo. As transformações podem, pois,
realizar-se e comumente se realizam pelos princípios ativos da natureza. Não
assim uma transubstanciação propriamente chamada. Não há, em nossa natureza,
mudança ou conversão total de substâncias, propriamente, no sentido filosófico,
senão mediante ação miraculosa. E a única (“maravilhosa e singular”, diz o
Tridentino) é a transubstanciação eucarística.
A
Teologia ensina que, na Eucaristia, permanecem os acidentes de pão e vinho. Os
acidentes não são matéria? E como se disse acima que a matéria e a forma do pão
foram mudadas na matéria e forma do Corpo de Cristo?
Não
se devem confundir os termos filosóficos matéria e acidentes. A matéria tem
acidentes, reveste-se de acidentes; mas não é acidente.
Os
filósofos ensinam que, em todo ser deste mundo perceptível, há a considerar a
substância (resultante de matéria e forma) e os acidentes (que manifestam a
substância exteriormente).
A
substância é a realidade intrínseca, subsistente por si, inatingível aos
sentidos, imutável através das mudanças por que passa constantemente o ser. Os
acidentes são realidades externas, insubsistentes em si mesmas e subsistentes
na substância e dela dependentes. O pão, por exemplo, apresenta-se com um
conjunto de realidades efêmeras, insubsistentes em si; quantidade, tamanho,
peso, sabor, cor, princípios nutritivos, etc. Estas realidades não existem e
não podem existir senão num “sujeito” que seja delas capaz; este “sujeito” é a
“substância“, realidade intrínseca, que faz com que o pão seja pão, e não outro
ser.
Nesta
realidade intrínseca — substância do pão — os filósofos ainda veem: matéria e
forma. A matéria é um “substratum” comum a todo ser material e que se determina
pela forma, constitutivo do ser em determinada categoria do mundo material.
A
matéria e a forma são realidades intrínsecas de todo ser material. São
imperceptíveis, atingíveis tão só através dos acidentes pela abstração de nossa
inteligência. A matéria é, pois, filosoficamente, uma realidade completamente
distinta dos acidentes. Somos levados a confundir matéria com acidentes porque
ela se nos apresenta no universo sempre revestida dos acidentes, principalmente
do acidente quantidade.
Concluímos:
os acidentes que na Eucaristia permanecem (cor, cheiro, tamanho, peso,
quantidade, princípios nutritivos do pão ou do vinho) não aderem mais às
substâncias de pão e de vinho; portanto, não aderem à matéria, nem à forma de
pão e de vinho, que não mais existem onde não existe substância de vinho e pão.
Se um
acidente não pode existir sem a substância a que deve aderir, como existem na
Eucaristia acidentes de pão e de vinho, se ali não existem substâncias de pão e
de vinho?
Os
acidentes de pão e de vinho subsistem misteriosamente na Eucaristia sem o
sujeito ou substância de que são próprios — ensina Santo Tomás. — É o mesmo
poder de Deus que sustenta estes acidentes.
Por
que não transmudou Deus também os acidentes de pão e vinho e os deixou na
Eucaristia?
Por
dois motivos:
1.
Por exercitar a nossa fé.
2.
Por destinar-se a Eucaristia a ser alimento.
Se
fossem mudados os acidentes de pão e vinho, ou Cristo os converteria nos
acidentes próprios de sua Humanidade ou em acidentes diversos, talvez os de Sua
imagem. Na primeira hipótese, nenhum mérito teria a nossa fé; na segunda como
na primeira, não poderia Nosso Senhor vir a ser o nosso alimento, como
prometera e desejava.
Precisamente
porque Cristo queria ser alimento das almas — “Se não comerdes a carne do Filho
do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós” (João, 6, 53) —
foi que se ocultou sob espécies de pão e vinho.
Para
estar presente na hóstia, podia Cristo recorrer a outro modo que não o da
«transubstanciação»?
Certamente
podia, se o quisesse. A verdade, porém, é que suas palavras — “Isto é o meu
corpo” — somente se podem compreender recorrendo-se à “transubstanciação”, como
vimos.
E se
alguém afirmasse a presença de Cristo na Eucaristia por outro modo, cometeria
erro doutrinário?
Cometeria
gravíssimo erro e seria um herege, pois a Santa Igreja definiu que a presença
do Senhor no Santíssimo Sacramento é em virtude da transubstanciação. E ninguém
pode negar tal sem heresia (Dez. 884) (2)
Assim
erraram, apesar de afirmar que Cristo estava presente na hóstia: Lutero,
Wicleff, e numerosos heresiarcas. Admitiam a presença de Cristo na Eucaristia,
mas explicavam-na hereticamente. Ensinavam que Cristo ali estava com a
substância do pão ou na substância do pão, ou sob a substância do pão.
Alguns,
como Osiander, chegaram a dizer que Cristo está na Eucaristia por uma espécie
de união hipostática:
“Assim
como o Verbo assumiu a natureza humana e a uniu a si, da mesma forma — diziam —
Cristo, na Eucaristia, une a si o pão e o vinho”
Houve
luteranos que ensinaram estar Cristo na hóstia em virtude da “ubiquidade
divina”.
Está
claro que, em todas estas hipóteses, Cristo não podia dizer, como disse: —
“Isto (substância de pão) é o meu corpo”. Teria que dizer: “Eu estou presente
nisto”, ou então: “Eu me uno a isto”, etc.
Só
a transubstanciação, portanto, explica o modo pelo qual Cristo está presente na
Eucaristia, em congruência com as palavras da Escritura.
Mas,
como se disse acima, não existe exemplo de transubstanciação na natureza; como
pôde Cristo violar as leis da natureza operando a transubstanciação
eucarística?
Cristo,
Deus que é, e autor da natureza, portanto autor também de suas leis, podia
realizar o que naturalmente não se realiza segundo leis ordinárias.
No
Evangelho, vemo-Lo realizando estupendos milagres. Haja vista a ressurreição de
Lázaro, a multiplicação dos pães, a cura à distância de um servo do centurião,
o haver-Se transfigurado no Tabor, o ter ressuscitado, aparecido e Se ocultado
aos Apóstolos; todos fenômenos não sujeitos a leis ordinárias da natureza. Quem
fez tudo isto podia também efetuar uma transubstanciação colocando-Se oculto,
misteriosamente, na Eucaristia. Por que não?
A
palavra de Jesus realiza o que significa. Ele disse: – “Lázaro, sai fora do
sepulcro!” e Lázaro saiu. Ele disse ao vendaval da tempestade: — “Cala-te e
emudece!” e o temporal cessou. Se Ele disse — “Isto é o meu corpo”, cumprindo a
promessa de dar Seu Corpo como alimento, Suas palavras tinham bastante poder
para realizar o que significavam, ou seja, uma transubstanciação do pão e do
vinho em Seu Corpo e Sangue.
Como
pode Cristo, com Seu Corpo, estar presente em milhares de hóstias, em muitos e
diversos lugares, e estar, ao mesmo tempo, no Céu? Por Sua Divindade,
compreende-se ainda… mas Seu Corpo não pode estar em tantos lugares…
Jesus
está presente em todas as hóstias consagradas e também no céu e isto com o Seu
Corpo real, vivo e verdadeiro e não só pela Divindade. É o que nos manda crer a
fé. O “como” de tal mistério transcende nosso entendimento, mas não é
contraditório, antes é filosoficamente explicável à razão humana.
Já
dissemos que Cristo está na hóstia a modo de substância, isto é, como as
substâncias estão sob os acidentes. Ora, a substância está sob os acidentes não
localizada, não circunscrita por partes às partes dos acidentes. A substância,
imaterial que é, não tem partes para se circunscrever às partes dos acidentes.
Nem tão pouco existe para ela espaço e distância. Espaço e distância são
relativos à quantidade, que é acidente da matéria. Por isto, dizem os filósofos
que a substância está toda em todo o ser e toda em cada parte mínima do ser e
toda em todos os seres da mesma espécie, independente de espaço. A substância
de muitos seres da mesma espécie é a mesmíssima em todos os seres desta espécie
e está em todos eles completa, por mais distantes e diferençados
acidentalmente. Assim, a substância de pão está completa em todos e em cada um
dos pães do mundo, por mais diferençados que sejam. O ser pão convém a todos os
pães e não se localiza circunscritamente em nenhum pão e não se distancia de um
pão para outro.
Ora,
dizendo que o Corpo de Cristo se acha na hóstia e no cálice a modo de
substância, óbvio que ele não se localiza nem nesta nem naquela hóstia, como
não se localiza em partes determinadas da hóstia. Cristo está todo em cada
partícula consagrada, e está completamente num fragmento separada da Hóstia, do
mesmo modo que a substância de pão estava, antes da consagração, totalmente na
obreia de trigo e em qualquer minúsculo fragmento dela. De igual maneira estará
na hóstia que se consagra na Ásia e na que se consagra na América, assim como a
substância do pão na Ásia e na África é a mesmíssima (3).
Concluindo:
no Céu, Jesus está localmente, com sua Humanidade Santa; na Eucaristia, está
sacramentalmente (do modo próprio a este Sacramento) com esta mesma Humanidade.
E o “modo próprio” deste Sacramento é o modo de substância.
Estando
na Eucaristia a modo de substância, está Jesus aí de modo imaterial, portanto
sem as dimensões extensivas de Seu Corpo?
Cristo
não está no Sacramento sem as dimensões extensivas de Seu Corpo. Está aí com
todas elas, com seu tamanho natural, com a integridade de seus membros humanos,
com a própria matéria de Seu Corpo. Somente, por um milagre inaudito, estas
dimensões extensivas de Cristo, seus membros, etc., estão aí presentes a modo
de substância, isto é, pelo mesmo modo que a substância do pão estava nEle
antes de consagrado, portanto, sem ocupar lugar, sem relação de distâncias, sem
estender partes quantitativas e circunscrevê-las a extensões determinadas — que
este é o modo de estar das substâncias.
Como
se vê, é modo extraordinário, maravilhoso, de que não há outro exemplo no mundo
criado. Mas, quem ousaria negar a Deus Nosso Senhor poder para tanto?
Se
Cristo está na hóstia a modo de substância, e a substância em si é
incorruptível, que dizer da Presença Real quando a hóstia se deteriora?
A
presença de Cristo na hóstia se dá a modo de substância e tal presença se
condiciona aos acidentes de pão e vinho cuja substância foi maravilhosamente
convertida em Seu Corpo e Sangue. As espécies sagradas são sinal e condição de
Sua presença. Por isto, quando as espécies se alteram de maneira que, se não
transubstanciadas, haveria de cessar nelas a substância de pão e vinho, então
cessa de estar presente sob elas o Corpo e o Sangue de Cristo.
Muito
lógica esta doutrina. Pois a substância do pão e do vinho não foi substituída,
e sim convertida, transubstanciada; de substância de pão e vinho passou a ser
substância do Corpo e do Sangue de Cristo sob os mesmos acidentes. Logo, estes
que antes condicionavam externamente a presença da substância do pão e lhe
serviam de sinal, condicionam agora e assinalam a presença da substância do
Corpo de Nosso Senhor.
Noutras
palavras: os acidentes da hóstia exercem para com a substância do Corpo de
Cristo a mesma função que exerciam para com a substância do pão antes de
consagrado. A substância do pão só existia onde eles existiam incorruptos.
Assim também, a substância do Corpo de Cristo só subsistirá sob eles enquanto
eles subsistirem.
Acresce
ainda que Cristo Se tornou presente sob as espécies de pão e vinho por querer
tornar-Se alimento. Portanto, tão logo as aparências de pão e vinho percam as
virtualidades alimentícias pela corrupção, cessa a utilidade da presença de
Cristo… (4)
Que
conclusões tirar do modo pelo qual Cristo está presente na Eucaristia?
Podemos
tirar variadas conclusões, úteis ao conhecimento da Eucaristia. Enumeremos
três:
1.
Este modo de presença está fora de toda lei natural e se efetua pelo poder de
Deus. Logo, para entendê-lo, necessitamos do auxílio da fé, da humildade, da
oração.
Por
isto, conforme o aviso da “Imitação de Cristo”, devemos fugir de querer
perscrutar este Sacramento com estudos simplesmente terrenos se não queremos
submergir num abismo de confusões e dúvidas.
“Mais
pode Deus fazer que o homem entender” (5)
2.
A presença a modo de substância é a “chave” de todas as soluções dos problemas
eucarísticos. Quer no tocante à Presença Real, quer no tocante ao sacrifício,
quer no tocante à comunhão sacramental, numerosos problemas se esclarecem à luz
deste enunciado universal: Cristo está aí presente a modo da substância.
3.
Não é com o auxílio da imaginação e fantasia que haveremos de entender, quanto
é possível ao humano entendimento, este modo de presença de Nosso Senhor.
Alguns conhecimentos filosóficos são necessários, amparados sempre pela luz da
fé.
Não
raro os ataques dos ímpios ao dogma da Presença Real procedem da ignorância do
sentido exato em que ele é proposto à nossa crença. Com algumas noções de
filosofia sobre substância e seu modo de estar sob os acidentes, os
protestantes veriam quão ineptos e infundados os seus ataques.
Referências:
(1)
A palavra forma está aqui empregada em sentido filosófico. Não exprime
conformação externa do objeto. É antes a realidade interna que atualiza a
matéria prima, como dizem os filósofos.
(2)
Si quis… negaveritque mirabilem illam et singularem conversionem totius
substantiae panis in corpus et totius substantiae vini in sanguinem, manentibus
dumtaxat sprcirbus panis rt vini, quam quidem conversionem catholica ecclesia
aptissime transubstantiationem appellat: A.S.
(3)
Nem se, objete que a substância dês te pão na Ásia é individuada e portanto
distinta da substância dos outros pães. A substância de pão, enquanto
substância, é a mesma para todos. E se, neste pão, ela se individua, isto se dá
não enquanto ela é substância, mas sim enquanto afetada do acidente quantidade.
Sabemos que as substâncias se individuam «matéria signata quantitate» como
axioma a filosofia.
Igualmente,
não se pode deduzir de quanto dissemos que transubstanciada a substância de um
pedaço de pão, por isto transubstanciada está toda e qualquer substância de pão
existente. O que se transubstancia é precisamente esta substância determinada,
sob estes acidentes de pão. Logo, embora Jesus esteja, em virtude da presença a
modo de substância, sob muitas e diversas aparências, independentemente de
espaço, só estará e só poderá estar sob estas espécies que foram atualmente
consagradas e transubstanciadas.
(4)
Daqui se infere também a razão por que não seria válida a consagração do pão ou
vinho totalmente deteriorados. É que, deteriorados, estes acidentes não aderem
mais às substâncias de pão e de vinho, as únicas que por ordenação divina podem
ser transubstanciadas no Corpo e Sangue de Jesus Cristo.
(5)
Imitação de Cristo, Liv IV, Cap. 18.
Fonte: rumoasantidade.com.br
Fonte: rumoasantidade.com.br