quarta-feira, setembro 25, 2019

POR QUE A SANTA IGREJA PRETERIU O TERMO TRANSUBSTANCIAÇÃO PARA DESIGNAR O GRANDE MILAGRE DA PRESENÇA REAL?










A Igreja usa este termo, e não outro, porque este exprime, com exatidão filosófica, a realidade do fato miraculoso da Presença Real. Nenhum outro modo de dizer seria tão exato, dizem os teólogos.

Transubstanciação designa um trânsito ou passagem da totalidade de uma substância (matéria e forma) para outra; e é isto, precisamente, o que se deu no milagre eucarístico.



Não poderia a Igreja empregar a palavra transformação?

A palavra transformação (mudança de forma) (1) não exprimiria a realidade eucarística. Filosoficamente, mudança de forma não é o mesmo que conversão de substância. Numa mudança de forma permanece a matéria prima como termo de trânsito de uma forma para outra; a água transformando-se em vapor e a madeira transformando-se em carvão têm a matéria prima como suporte permanente que perde e adquire formas.

Na completa conversão substancial ou transubstanciação não fica matéria como suporte da mudança. O todo substancial é mudado. Assim, na Eucaristia, pão e vinho, mudados no Corpo e Sangue de Cristo, perdem não só as formas de pão e vinho mas também a própria matéria; forma e matéria que constituem a substância do pão se convertem na matéria e forma do Corpo de Cristo.

Daí se vê que a transubstanciação é um milagre. As mudanças de forma são fenômenos naturais, e não miraculosos. A matéria muda de forma mediante a corrupção de uma forma precedente e o natural e consequente aparecimento de nova forma. Assim a madeira que se queima transforma-se em carvão pela corrupção natural da forma de madeira e aparecimento natural da forma de carvão; o alimento se transforma em sangue pela natural corrupção da forma alimento e aparecimento natural da forma sangue em nosso organismo. As transformações podem, pois, realizar-se e comumente se realizam pelos princípios ativos da natureza. Não assim uma transubstanciação propriamente chamada. Não há, em nossa natureza, mudança ou conversão total de substâncias, propriamente, no sentido filosófico, senão mediante ação miraculosa. E a única (“maravilhosa e singular”, diz o Tridentino) é a transubstanciação eucarística.


A Teologia ensina que, na Eucaristia, permanecem os acidentes de pão e vinho. Os acidentes não são matéria? E como se disse acima que a matéria e a forma do pão foram mudadas na matéria e forma do Corpo de Cristo?

Não se devem confundir os termos filosóficos matéria e acidentes. A matéria tem acidentes, reveste-se de acidentes; mas não é acidente.

Os filósofos ensinam que, em todo ser deste mundo perceptível, há a considerar a substância (resultante de matéria e forma) e os acidentes (que manifestam a substância exteriormente).

A substância é a realidade intrínseca, subsistente por si, inatingível aos sentidos, imutável através das mudanças por que passa constantemente o ser. Os acidentes são realidades externas, insubsistentes em si mesmas e subsistentes na substância e dela dependentes. O pão, por exemplo, apresenta-se com um conjunto de realidades efêmeras, insubsistentes em si; quantidade, tamanho, peso, sabor, cor, princípios nutritivos, etc. Estas realidades não existem e não podem existir senão num “sujeito” que seja delas capaz; este “sujeito” é a “substância“, realidade intrínseca, que faz com que o pão seja pão, e não outro ser.

Nesta realidade intrínseca — substância do pão — os filósofos ainda veem: matéria e forma. A matéria é um “substratum” comum a todo ser material e que se determina pela forma, constitutivo do ser em determinada categoria do mundo material.

A matéria e a forma são realidades intrínsecas de todo ser material. São imperceptíveis, atingíveis tão só através dos acidentes pela abstração de nossa inteligência. A matéria é, pois, filosoficamente, uma realidade completamente distinta dos acidentes. Somos levados a confundir matéria com acidentes porque ela se nos apresenta no universo sempre revestida dos acidentes, principalmente do acidente quantidade.

Concluímos: os acidentes que na Eucaristia permanecem (cor, cheiro, tamanho, peso, quantidade, princípios nutritivos do pão ou do vinho) não aderem mais às substâncias de pão e de vinho; portanto, não aderem à matéria, nem à forma de pão e de vinho, que não mais existem onde não existe substância de vinho e pão.



Se um acidente não pode existir sem a substância a que deve aderir, como existem na Eucaristia acidentes de pão e de vinho, se ali não existem substâncias de pão e de vinho?

Os acidentes de pão e de vinho subsistem misteriosamente na Eucaristia sem o sujeito ou substância de que são próprios — ensina Santo Tomás. — É o mesmo poder de Deus que sustenta estes acidentes.



Por que não transmudou Deus também os acidentes de pão e vinho e os deixou na Eucaristia?

Por dois motivos:

1. Por exercitar a nossa fé.
2. Por destinar-se a Eucaristia a ser alimento.

Se fossem mudados os acidentes de pão e vinho, ou Cristo os converteria nos acidentes próprios de sua Humanidade ou em acidentes diversos, talvez os de Sua imagem. Na primeira hipótese, nenhum mérito teria a nossa fé; na segunda como na primeira, não poderia Nosso Senhor vir a ser o nosso alimento, como prometera e desejava.

Precisamente porque Cristo queria ser alimento das almas — “Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós” (João, 6, 53) — foi que se ocultou sob espécies de pão e vinho.



Para estar presente na hóstia, podia Cristo recorrer a outro modo que não o da «transubstanciação»?

Certamente podia, se o quisesse. A verdade, porém, é que suas palavras — “Isto é o meu corpo” — somente se podem compreender recorrendo-se à “transubstanciação”, como vimos.



E se alguém afirmasse a presença de Cristo na Eucaristia por outro modo, cometeria erro doutrinário?

Cometeria gravíssimo erro e seria um herege, pois a Santa Igreja definiu que a presença do Senhor no Santíssimo Sacramento é em virtude da transubstanciação. E ninguém pode negar tal sem heresia (Dez. 884) (2)

Assim erraram, apesar de afirmar que Cristo estava presente na hóstia: Lutero, Wicleff, e numerosos heresiarcas. Admitiam a presença de Cristo na Eucaristia, mas explicavam-na hereticamente. Ensinavam que Cristo ali estava com a substância do pão ou na substância do pão, ou sob a substância do pão.

Alguns, como Osiander, chegaram a dizer que Cristo está na Eucaristia por uma espécie de união hipostática:

“Assim como o Verbo assumiu a natureza humana e a uniu a si, da mesma forma — diziam — Cristo, na Eucaristia, une a si o pão e o vinho”

Houve luteranos que ensinaram estar Cristo na hóstia em virtude da “ubiquidade divina”.

Está claro que, em todas estas hipóteses, Cristo não podia dizer, como disse: — “Isto (substância de pão) é o meu corpo”. Teria que dizer: “Eu estou presente nisto”, ou então: “Eu me uno a isto”, etc.

Só a transubstanciação, portanto, explica o modo pelo qual Cristo está presente na Eucaristia, em congruência com as palavras da Escritura.



Mas, como se disse acima, não existe exemplo de transubstanciação na natureza; como pôde Cristo violar as leis da natureza operando a transubstanciação eucarística?

Cristo, Deus que é, e autor da natureza, portanto autor também de suas leis, podia realizar o que naturalmente não se realiza segundo leis ordinárias.

No Evangelho, vemo-Lo realizando estupendos milagres. Haja vista a ressurreição de Lázaro, a multiplicação dos pães, a cura à distância de um servo do centurião, o haver-Se transfigurado no Tabor, o ter ressuscitado, aparecido e Se ocultado aos Apóstolos; todos fenômenos não sujeitos a leis ordinárias da natureza. Quem fez tudo isto podia também efetuar uma transubstanciação colocando-Se oculto, misteriosamente, na Eucaristia. Por que não?

A palavra de Jesus realiza o que significa. Ele disse: – “Lázaro, sai fora do sepulcro!” e Lázaro saiu. Ele disse ao vendaval da tempestade: — “Cala-te e emudece!” e o temporal cessou. Se Ele disse — “Isto é o meu corpo”, cumprindo a promessa de dar Seu Corpo como alimento, Suas palavras tinham bastante poder para realizar o que significavam, ou seja, uma transubstanciação do pão e do vinho em Seu Corpo e Sangue.



Como pode Cristo, com Seu Corpo, estar presente em milhares de hóstias, em muitos e diversos lugares, e estar, ao mesmo tempo, no Céu? Por Sua Divindade, compreende-se ainda… mas Seu Corpo não pode estar em tantos lugares…

Jesus está presente em todas as hóstias consagradas e também no céu e isto com o Seu Corpo real, vivo e verdadeiro e não só pela Divindade. É o que nos manda crer a fé. O “como” de tal mistério transcende nosso entendimento, mas não é contraditório, antes é filosoficamente explicável à razão humana.

Já dissemos que Cristo está na hóstia a modo de substância, isto é, como as substâncias estão sob os acidentes. Ora, a substância está sob os acidentes não localizada, não circunscrita por partes às partes dos acidentes. A substância, imaterial que é, não tem partes para se circunscrever às partes dos acidentes. Nem tão pouco existe para ela espaço e distância. Espaço e distância são relativos à quantidade, que é acidente da matéria. Por isto, dizem os filósofos que a substância está toda em todo o ser e toda em cada parte mínima do ser e toda em todos os seres da mesma espécie, independente de espaço. A substância de muitos seres da mesma espécie é a mesmíssima em todos os seres desta espécie e está em todos eles completa, por mais distantes e diferençados acidentalmente. Assim, a substância de pão está completa em todos e em cada um dos pães do mundo, por mais diferençados que sejam. O ser pão convém a todos os pães e não se localiza circunscritamente em nenhum pão e não se distancia de um pão para outro.

Ora, dizendo que o Corpo de Cristo se acha na hóstia e no cálice a modo de substância, óbvio que ele não se localiza nem nesta nem naquela hóstia, como não se localiza em partes determinadas da hóstia. Cristo está todo em cada partícula consagrada, e está completamente num fragmento separada da Hóstia, do mesmo modo que a substância de pão estava, antes da consagração, totalmente na obreia de trigo e em qualquer minúsculo fragmento dela. De igual maneira estará na hóstia que se consagra na Ásia e na que se consagra na América, assim como a substância do pão na Ásia e na África é a mesmíssima (3).

Concluindo: no Céu, Jesus está localmente, com sua Humanidade Santa; na Eucaristia, está sacramentalmente (do modo próprio a este Sacramento) com esta mesma Humanidade. E o “modo próprio” deste Sacramento é o modo de substância.


Estando na Eucaristia a modo de substância, está Jesus aí de modo imaterial, portanto sem as dimensões extensivas de Seu Corpo?
Cristo não está no Sacramento sem as dimensões extensivas de Seu Corpo. Está aí com todas elas, com seu tamanho natural, com a integridade de seus membros humanos, com a própria matéria de Seu Corpo. Somente, por um milagre inaudito, estas dimensões extensivas de Cristo, seus membros, etc., estão aí presentes a modo de substância, isto é, pelo mesmo modo que a substância do pão estava nEle antes de consagrado, portanto, sem ocupar lugar, sem relação de distâncias, sem estender partes quantitativas e circunscrevê-las a extensões determinadas — que este é o modo de estar das substâncias.

Como se vê, é modo extraordinário, maravilhoso, de que não há outro exemplo no mundo criado. Mas, quem ousaria negar a Deus Nosso Senhor poder para tanto?



Se Cristo está na hóstia a modo de substância, e a substância em si é incorruptível, que dizer da Presença Real quando a hóstia se deteriora?

A presença de Cristo na hóstia se dá a modo de substância e tal presença se condiciona aos acidentes de pão e vinho cuja substância foi maravilhosamente convertida em Seu Corpo e Sangue. As espécies sagradas são sinal e condição de Sua presença. Por isto, quando as espécies se alteram de maneira que, se não transubstanciadas, haveria de cessar nelas a substância de pão e vinho, então cessa de estar presente sob elas o Corpo e o Sangue de Cristo.

Muito lógica esta doutrina. Pois a substância do pão e do vinho não foi substituída, e sim convertida, transubstanciada; de substância de pão e vinho passou a ser substância do Corpo e do Sangue de Cristo sob os mesmos acidentes. Logo, estes que antes condicionavam externamente a presença da substância do pão e lhe serviam de sinal, condicionam agora e assinalam a presença da substância do Corpo de Nosso Senhor.

Noutras palavras: os acidentes da hóstia exercem para com a substância do Corpo de Cristo a mesma função que exerciam para com a substância do pão antes de consagrado. A substância do pão só existia onde eles existiam incorruptos. Assim também, a substância do Corpo de Cristo só subsistirá sob eles enquanto eles subsistirem.

Acresce ainda que Cristo Se tornou presente sob as espécies de pão e vinho por querer tornar-Se alimento. Portanto, tão logo as aparências de pão e vinho percam as virtualidades alimentícias pela corrupção, cessa a utilidade da presença de Cristo… (4)



Que conclusões tirar do modo pelo qual Cristo está presente na Eucaristia?

Podemos tirar variadas conclusões, úteis ao conhecimento da Eucaristia. Enumeremos três:

1. Este modo de presença está fora de toda lei natural e se efetua pelo poder de Deus. Logo, para entendê-lo, necessitamos do auxílio da fé, da humildade, da oração.

Por isto, conforme o aviso da “Imitação de Cristo”, devemos fugir de querer perscrutar este Sacramento com estudos simplesmente terrenos se não queremos submergir num abismo de confusões e dúvidas.

“Mais pode Deus fazer que o homem entender” (5)

2. A presença a modo de substância é a “chave” de todas as soluções dos problemas eucarísticos. Quer no tocante à Presença Real, quer no tocante ao sacrifício, quer no tocante à comunhão sacramental, numerosos problemas se esclarecem à luz deste enunciado universal: Cristo está aí presente a modo da substância.

3. Não é com o auxílio da imaginação e fantasia que haveremos de entender, quanto é possível ao humano entendimento, este modo de presença de Nosso Senhor. Alguns conhecimentos filosóficos são necessários, amparados sempre pela luz da fé.

Não raro os ataques dos ímpios ao dogma da Presença Real procedem da ignorância do sentido exato em que ele é proposto à nossa crença. Com algumas noções de filosofia sobre substância e seu modo de estar sob os acidentes, os protestantes veriam quão ineptos e infundados os seus ataques.

Referências:

(1) A palavra forma está aqui empregada em sentido filosófico. Não exprime conformação externa do objeto. É antes a realidade interna que atualiza a matéria prima, como dizem os filósofos.

(2) Si quis… negaveritque mirabilem illam et singularem conversionem totius substantiae panis in corpus et totius substantiae vini in sanguinem, manentibus dumtaxat sprcirbus panis rt vini, quam quidem conversionem catholica ecclesia aptissime transubstantiationem appellat: A.S.

(3) Nem se, objete que a substância dês te pão na Ásia é individuada e portanto distinta da substância dos outros pães. A substância de pão, enquanto substância, é a mesma para todos. E se, neste pão, ela se individua, isto se dá não enquanto ela é substância, mas sim enquanto afetada do acidente quantidade. Sabemos que as substâncias se individuam «matéria signata quantitate» como axioma a filosofia.

Igualmente, não se pode deduzir de quanto dissemos que transubstanciada a substância de um pedaço de pão, por isto transubstanciada está toda e qualquer substância de pão existente. O que se transubstancia é precisamente esta substância determinada, sob estes acidentes de pão. Logo, embora Jesus esteja, em virtude da presença a modo de substância, sob muitas e diversas aparências, independentemente de espaço, só estará e só poderá estar sob estas espécies que foram atualmente consagradas e transubstanciadas.

(4) Daqui se infere também a razão por que não seria válida a consagração do pão ou vinho totalmente deteriorados. É que, deteriorados, estes acidentes não aderem mais às substâncias de pão e de vinho, as únicas que por ordenação divina podem ser transubstanciadas no Corpo e Sangue de Jesus Cristo.

(5) Imitação de Cristo, Liv IV, Cap. 18.

Fonte: rumoasantidade.com.br