“Sou
Eu!” Quem de nós não exclamou tantas vezes esta expressão? Nem é necessário
dizer o nome… Hoje, diz Jesus: “Eu sou o Bom Pastor..:” Coloca-Se num registo
de uma relação de intimidade para falar da sua ligação com os discípulos. Foi
isso que Ele viveu com eles durante três anos. Tornaram-se seus amigos. Várias
vezes, Jesus só precisou deste grito para Se fazer reconhecer: “Sou Eu!” Os
discípulos não podiam enganar-se: esta voz era a sua, única no mundo. Não serve
de nada dizer a um desconhecido: “Sou Eu!” Para entrar na intimidade de alguém,
é preciso uma relação longa, um conviver”, uma familiaridade, no sentido pleno
da palavra. Isso só se pode viver na duração, na fidelidade, na paciência. Com
Jesus, é exatamente a mesma coisa. Não é o meu nervo auditivo que vibra à sua
voz, mas a “audição do coração” que me torna atento quando a sua Palavra é
proclamada em Igreja, quando leio e medito esta Palavra. É ela que vem fazer
vibrar o meu ser profundo, que me toca o coração. Torno-me então, pouco a pouco,
capaz de integrar na minha vida, na minha maneira de pensar e de agir, a sua
maneira própria de falar e de agir. Pouco a pouco, a minha vida toma uma cor
evangélica, a minha consciência afina-se, torno-me discípulo de Jesus,
reconheço a sua presença na minha vida. Aí está um trabalho de longo alcance,
de toda a vida. Então, pouco a pouco também, é um pouco d’Ele que traspassará
através da minha vida para tocar os outros. Não está aí a vocação própria de
todo o batizado: fazer-se eco da sua voz no coração do mundo?
Nossa
vida se decide no cotidiano. De modo geral não são os momentos extraordinários
e excepcionais que marcam mais a nossa vida. E muito mais essa vida comum de
todos os dias, com as mesmas tarefas e obrigações, em contato com as mesmas
pessoas, que vai configurando nosso perfil. No fundo somos o que somos na vida
cotidiana.
Em
geral, essa vida nada tem de excitante. Está cheia de repetição e rotina. Mas é
nossa vida. Somos "seres cotidianos. A cotidianidade é um traço do ser
humano. Somos, ao mesmo tempo, responsáveis e vítimas dessa vida aparentemente
pequena de cada dia.
Nessa
vida do normal e ordinário, podemos crescer como pessoas ou podemos desperdiçar
nossa vida, não aproveitá-la. Nessa vida cresce nossa responsabilidade ou
aumenta nossa negligência; cuidamos de nossa dignidade ou nos perdemos na
mediocridade; inspira-nos e anima-nos o amor, ou agimos com indiferença;
deixamo-nos arrastar pela superficialidade ou arraigamos nossa vida no
essencial; nossa fé vai se dissolvendo ou vai se reafirmando nossa confiança em
Deus.
A
vida cotidiana não é algo que devemos suportar para depois viver não sei o quê.
E nessa vida de cada dia que se decide nossa qualidade humana e cristã. É aí
que se fortalece a autenticidade de nossas decisões; aí se purifica nosso amor
às pessoas; aí se configura nossa maneira de pensar e de crer. O grande teólogo
Karl Rahner chega 2 dizer que "para o homem interior e espiritual não há
melhor mestre do que a vida cotidiana".
Segundo
a teologia do quarto Evangelho, os seguidores de Jesus não caminham pela vida
sós e desamparados. O Bom Pastor os acompanha e defende dia a dia. Eles são
como "ovelhas que escutam sua voz e o seguem". Ele conhece cada uma
delas e lhes dá vida eterna. É Cristo que ilumina, orienta e anima sua vida dia
a dia até a vida eterna.
No
dia a dia da vida cotidiana devemos buscar o Ressuscitado no amor, não na letra
morta; na autenticidade, não nas aparências; na verdade, não nos tópicos; na
criatividade, não na passividade e inércia; na luz, não na escuridão das
segundas intenções; no silêncio interior, não na agitação superficial.