Não
é raro, no meio de tantas vicissitudes que marcam este século em que nos tocou
viver, que nos sintamos desorientados e à deriva, como se a história do mundo e
dos homens nos escapasse das mãos e não soubessemos bem para onde devemos
dirigir os nossos passos. Quem nos mostrará o terreno firme onde poderemos
sentir-nos seguros? Quem nos guiará na viagem atribulada da história e da vida?
Na Festa da “Apresentação do Senhor”, Jesus é-nos apresentado como “a salvação
colocada ao alcance de todos os povos”, a “luz para se revelar às nações e a
glória de Israel”, o messias com uma proposta de libertação para todos os
homens. Que eco é que esta “apresentação” de Jesus encontra no nosso coração?
Jesus é, de fato, a luz que ilumina as nossas vidas e que nos conduz nos
caminhos do mundo? Ele é, para nós, o caminho certo e inquestionável para a
salvação, para a vida verdadeira e plena? É nele que colocamos a nossa ânsia de
libertação e de vida nova? Caminhamos atrás dele, certos de que o caminho que
Ele propõe conduz à vida plena? Se tantos homens ignoram a "luz"
libertadora que Jesus veio acender ou não se sentem interpelados pelo projeto
de Jesus, a culpa não será, um pouco, do nosso imobilismo, da nossa instalação,
do nosso "cinzentismo" na vivência da fé, da forma pouco entusiasta
como damos testemunho?
Simeão
e Ana, os dois anciãos que acolhem Jesus no Templo de Jerusalém, são pessoas
atentas ao Deus libertador que vem ao seu encontro e que sabem ler os sinais de
Deus naquele menino que chega. Não vivem centrados em futilidades, não “gastam
o tempo” de vida que ainda têm em atividades inconsequentes, não aceitam viver
instalados numa redoma que os afasta do
mundo e os dispensa de colaborar no projeto de Deus para o mundo e para os
homens. Atentos à voz do Espírito, vivendo em diálogo contínuo com Deus, detectam
a chegada de Deus e testemunham diante dos seus conterrâneos a presença
salvadora e redentora de Deus no meio do seu Povo. São pessoas que cultivam a
intimidade com Deus, que escutam Deus, que se esforçam por perceber as
indicações de Deus e que são sinais vivos de Deus na vida daqueles que se
cruzam com eles. Sabem que, enquanto caminharem na terra, são chamados a dar
testemunho de Deus e do seu projeto salvador. Através deles a luz de Deus
brilha no mundo e ilumina o mundo. É assim que nós vivemos também? Procuramos
entender os sinais de Deus e sermos testemunhas ativas, no meio do mundo, de
Deus e do seu projeto de salvação?
Quer
Simeão, quer a profetiza Ana, são pessoas de bastante idade. Mas não vivem de
recordações, voltados para o passado, chorando mágoas porque se sentem velhos e
fragilizados. Têm memória das antigas promessas de Deus; mas vivem de olhos
postos no presente, preocupados em ver como no “hoje” da história dos homens
Deus concretiza as suas promessas de salvação; e, quando descobrem a presença
de Deus, proclamam-na com alegria e entusiasmo. Os anciãos – quer pela sua
maturidade, sabedoria e equilíbrio, quer pelo tempo de que normalmente dispõem
– podem ser testemunhas privilegiadas dos valores de Deus, intérpretes dos
sinais de Deus, profetas credíveis que obrigam o mundo a confrontar-se com os
desafios de Deus. É preciso que não vivam voltados para o passado, refugiados
numa realidade que aliena, transformados em “estátuas de sal”, mas que vivam de
olhos postos no futuro, de espírito aberto e livre, pondo a sua sabedoria e
experiência ao serviço da comunidade humana e cristã, ensinando os mais jovens
a distinguir entre o que é eterno e importante e o que é passageiro e
acessório. Aqueles de entre nós a quem Deus concede a graça de uma vida longa,
é assim que vivem? Comunicam alegria, otimismo, fé, esperança num futuro onde
Deus está presente?
Lucas
apresenta-nos neste episódio evangélico uma família – a Sagrada Família – em
que Deus é a referência fundamental. Por quatro vezes (vers. 22.23.24.27),
Lucas refere, a propósito da família de Jesus, o cumprimento da Lei de Moisés,
da Lei do Senhor ou da Palavra do Senhor. A família de Jesus, Maria e José é,
portanto, uma família que escuta a Palavra de Deus e que constrói a sua
existência ao ritmo da Palavra de Deus e dos desafios de Deus. Maria e José
sabiam que uma família que escuta a Palavra de Deus e que procura responder aos
desafios postos por essa Palavra é uma família com um projeto de vida com
sentido; e sabiam que uma família que se deixa guiar pela Palavra de Deus é uma
família que se constrói sobre a rocha firme dos valores eternos. Que importância
é que Deus assume na vida das nossas famílias? Procuramos que cada membro das
nossas famílias cresça numa progressiva sensibilidade à Palavra de Deus e aos
desafios de Deus? Encontramos tempo para reunir a família à volta da Palavra de
Deus e para partilhar, em família, a Palavra de Deus?
Quando
numa família Deus “conta”, os valores de Deus passam a ser, para todos os
membros daquela comunidade familiar, as marcas que definem o sentido da
existência. O espaço familiar torna-se, então, a escola onde se aprende o amor,
a solidariedade, a partilha, o serviço, o diálogo, o respeito, o cuidado, o
perdão, a fraternidade universal, o cuidado da criação, a atenção aos mais
frágeis, o sentido do compromisso, do sacrifício, da entrega e da doação… São
esses valores – os valores de Deus – que procuramos cultivar na nossa
comunidade familiar?
Segundo
a Lei judaica, todo o primogênito devia
ser consagrado e dedicado ao Senhor. Também Jesus é apresentado no Templo e
consagrado ao Senhor. Nas nossas famílias cristãs há normalmente uma legítima
preocupação com o proporcionar a cada criança condições ótimas de vida, de
educação, de acesso à instrução e aos cuidados essenciais… Haverá sempre uma
preocupação semelhante no que diz respeito à formação para a fé e em
proporcionar aos filhos uma verdadeira educação para a vida cristã e para os
valores de Jesus Cristo? Os pais cristãos preocupam-se sempre em proporcionar
aos seus filhos um exemplo de coerência com os compromissos assumidos no dia do
Batismo? Preocupam-se em ser os primeiros catequistas dos próprios filhos,
transmitindo-lhes os valores do Evangelho? Preocupam-se em acompanhar e em
potenciar a formação e a caminhada catequética dos próprios filhos, em
inseri-los numa comunidade de fé, em integrá-los na família de Jesus, em
consagrá-los ao serviço de Deus?
Depois
daqueles momentos gloriosos no Templo de Jerusalém, o plano salvador de Deus
“escondeu-se” naquela pobre casa de família, na aldeia de Nazaré, onde viviam
Maria, José e Jesus. O projeto salvador de Deus concretiza-se muitas vezes
longe das luzes da ribalta, na simplicidade das nossas vidas, das nossas
famílias, das nossas casas, das nossas aldeias e cidades. Estamos conscientes
disso? Somos capazes de ler os sinais e perceber o acontecer da salvação de
Deus na nossa vida simples de todos os dias?