Hoje
Jesus lava os pés, institui o sacerdócio cristão e o sacramento da eucaristia.
Lavar os pés dos apóstolos é, na verdade, ensinar-lhes como devem ser
sacerdotes e sua função principal, servir eucaristicamente. Isto é, o gesto
externo de lavar os pés significa serviço, o qual se dá no sacerdócio, cuja
principal função é celebrar a Eucaristia, na qual o próprio Cristo serve os
seus fiéis o que há de melhor, pois ele mesmo se dá como banquete sacrificial.
Portanto, a centralidade do dia de hoje encontra-se no sacerdócio e na
eucaristia como serviços.
Nas
horas dos sofrimentos de Jesus, cheias de drama, de dor e de amor, ele “tendo
amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Ainda que
seria suficiente uma simples gota do sangue de Cristo para salvar a todos os
seres humanos de todos os tempos, ele quis deixar bem claro que ele nos ama de
uma maneira bastante forte: quis derramar todo o seu sangue, quis morrer na
cruz, quis deixar o seu sangue e a sua cruz para nós no sacramento da
eucaristia. Pois, o que é a eucaristia
senão a atualização do amor doloroso de Cristo na sua paixão, morte e
ressurreição? A Missa é o maior mistério de amor ao qual nós temos acesso nos
dias atuais, porque atualiza o maior mistério do amor que aconteceu no
Universo. Ele nos amou até o fim.
O
amor extremo de Jesus Cristo é oferecer a sua morte a cada um de nós como
passagem rumo à eternidade. É como se a sua carne, o seu corpo, fosse um muro
que se encontra entre o nosso tempo e a eternidade divina. A morte de Jesus
fura esse muro de tal maneira que através desse buraco no muro, que é o corpo
de Jesus, nós temos acesso ao outro mundo, a feliz eternidade.
Consequentemente, sem a generosidade de Jesus na sua paixão e morte, não
teríamos esse muro cavado para nós, esse acesso à eternidade, nem teríamos como
ir à eternidade do Pai. A Missa, a Eucaristia, é o ponto mais alto do amor de
Jesus por nós porque torna presente de maneira sacramental aquele ponto mais
alto do amor de Jesus por cada ser humano: sua morte dolorosíssima.
No
Evangelho desta Quinta-feira Santa, Jesus, com sua original sabedoria, nos
oferece uma outra perspectiva de vida. Sem dúvida alguma, Jesus era um
provocador, no sentido etimológico da palavra, (pro-vocar: chamar para frente,
desinstalar), que motivava as pessoas a verem as coisas a partir de uma
perspectiva diferente da que era habitual.
Mas,
custa-nos muito modificar nossa perspectiva; estamos acostumados a um modo
fechado de viver, com umas viseiras que não nos permitem captar a vida em sua
plenitude e riqueza; com isso nos instalamos no já adquirido e conhecido e
atrofiamos em nós o dinamismo que busca abrir a mente e alargar o coração à
realidade que nos cerca.
Ver
as coisas “por uma outra perspectiva” é muito mais instigante.
Um
ponto de vista novo, limpo e original é uma grande ajuda para uma vida sadia.
O
que Jesus pretende, no gesto do “lava-pés”, é nos oferecer um novo ponto de
vista, um novo ângulo, uma nova perspectiva, fazendo-nos ver a realidade do
outro como se fosse pela primeira vez, com um olhar límpido e uma atitude
compassiva.
Na
noite em que ia ser entregue, Jesus realizou um gesto provocativo: levantou-se
da mesa, distanciando-se do lugar reservado àqueles que a presidem e se situou
no lugar daqueles que pertencem à categoria dos “servidores”. Jesus sabia que o
lugar em que estamos situados condiciona nosso olhar e nossa atitude; por isso,
tomou distância e adotou a perspectiva que lhe permitia perceber outras
dimensões da vida.
A
partir desse lugar tocou de perto o barro, o pó, o mal odor, a sujeira..., tudo
isso que aqueles que estão sentados à mesa acreditam estar a salvo ou
simplesmente ignoram e desprezam. Rente ao chão e em contato com os pés dos
outros, Jesus realizou uma mudança e uma amplitude de visão que lhe fazia
perceber tanto as riquezas e dons de cada um como captar a desnudez, a
fragilidade e as limitações da corporalidade das pessoas. E, olhadas a partir
daí, Ele deixa transparecer que qualquer
pretensão de superioridade ou domínio se revela como ridícula e falsa.
Nesse
deslocamento a um “lugar entre tantos outros”, Jesus viu de perto e por dentro
àqueles que os outros consideravam distante e fora. Porque para Ele, os maiores
e os mais importantes são aqueles que, segundo nossos critérios, não são
contados. O lugar em que Jesus decidiu se situar deu origem a “revolução nas
relações pessoais”, que tanto nos sobressalta e ao qual tanto nos resistimos.
Só o fato da possibilidade desse deslocamento se revela ameaçadora porque nos
tira do terreno do conhecido e nos convida a descobrir novos significados que
não coincidem com os que consideramos evidentes.
Com
o gesto do lava-pés e ao deslocar-se para o lugar do servo, Jesus rompe a
verticalidade e a relação senhor-escravo, os de cima e os de baixo, os de
dentro e os de fora, inaugurando, assim, a nova ordem circular do Reino, onde
ninguém é descartável.
Ali
também Ele nos revela-nos um rosto novo de Deus: o Deus cuidadoso e compassivo,
identificado com os últimos e que a partir do último, serve, sustenta,
universaliza, iguala, inaugurando deste modo a horizontalidade do Reino.