A LITURGIA DE HOJE NOS CONVIDA A REVER NOSSA RELAÇÃO COM O PRÓXIMO, AJUDANDO-NOS A PERCEBER
QUE NENHUM SER HUMANO PODE SE CONSIDERAR O CENTRO DO MUNDO, POIS NÓS VIVEMOS
NUM MUNDO DE RELACIONAMENTOS E FRATERNIDADE.
Naquele Tempo, alguns fariseus se aproximaram de Jesus. Para pô-lo à
prova, perguntaram se era permitido ao homem divorciar-se de sua mulher. Jesus
perguntou: “O que Moisés vos ordenou?” Os fariseus responderam: “Moisés
permitiu escrever uma certidão de divórcio e despedi-la.” Jesus então disse:
“Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este
mandamento. No entanto, desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. Por
isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. Assim, já
não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não
separe!” Em casa, os discípulos fizeram, novamente, perguntas sobre o mesmo
assunto. Jesus respondeu: “Quem se divorciar de sua mulher e casar com outra,
cometerá adultério contra a primeira. E se a mulher se divorciar de seu marido
e casar com outro, cometerá adultério.” Depois disso, traziam crianças para que
Jesus as tocasse. Mas os discípulos as repreendiam. Vendo isso, Jesus se
aborreceu e disse: “Deixai vir a mim as crianças. Não as proibais, porque o
Reino de Deus é dos que são como elas. Em verdade vos digo: quem não receber o
Reino de Deus como uma criança, não entrará nele.” Ele abraçava as crianças e
as abençoava, impondo-lhes as mãos. Palavra da Salvação.
Homilia de Padre Marcos Belizário Ferreira
A narrativa da
criação do homem e da mulher (1ª leitura) não tem a finalidade de
contar como as coisas aconteceram, mas, por meio de uma narrativa literária
evidenciar o sentido da existência do homem e da mulher, com as expressões
próprias do tempo, no qual o texto foi escrito.
Diante deste fato, para melhor
compreensão vamos iluminar este texto com os temas da solidão e da comunhão.
Considerar assim que o homem é criado e colocado num paraíso, onde tinha tudo e
podia gozar de todo bem estar. Mas, mesmo no paraíso, onde vivia, deparou-se
com a solidão. Deus, ao perceber este fato, pensou: “não é bom que o homem
esteja só” (1ª leitura).
No pensamento divino, não nascemos para viver
sozinhos, na solidão. Deus entende que o homem e a mulher precisam de um
relacionamento profundo, capaz de partilhar a vida, com quem é semelhante e, ao
mesmo tempo, diferente no gênero, pois assim se é capaz de se relacionar e se
integrar.
O sono de Adão
demonstra que a mulher (Eva) é semelhante a ele, mas não é obra sua; é obra
divina totalmente semelhante ao homem em dignidade de criação, mas não igual a
Adão e é como mulher que ela é dada ao homem. Ao receber a mulher, o homem
entende que o relacionamento com todos os outros seres — animais e aves por ele
nomeados —, que o relacionamento com as coisas — o viver no paraíso — não o
completa e nem o realiza.
Isto só acontece na partilha da vida do homem que foi
criado para a mulher e da mulher que foi criada para o homem. Homem e mulher,
um criado para o outro na complementariedade, como ensina Papa Francisco.
O salmo
responsorial demonstra a compreensão do significado profundo da criação do
homem e da mulher. A felicidade do homem e da mulher consiste em viver no temor
do Senhor, em trabalhar e honestamente ganhar o pão que sustenta a vida, em ter
a fecundidade da vida representada na vida da mulher, em poder sentar-se
à mesa com sua família.
O salmista conclui aludindo à paz, seja para
o coração da família seja para o coração de toda a sociedade. É a descrição da
família construída pelo homem e pela mulher, mais os filhos, como retorno ao
paraíso.
Um terceiro
elemento que precisa fazer parte de nossa reflexão é a questão da “dureza de
coração” que transgrediu o projeto divino de igualdade entre o homem e a
mulher (Evangelho).
No decorrer da história humana, o homem sujeitou a
mulher ao seu domínio devido à “dureza de coração” que, traduzido, tem a ver
com o pecado. Jesus diz que um relacionamento de desigualdade, no qual o homem
subjuga a mulher é pecado; é dureza de coração.
O divórcio, explica Jesus, não é
uma proposta divina, mas se tornou uma necessidade por causa da dureza de
coração, pois o projeto divino previa que homem e mulher deixassem a casa de
seus pais e vivessem um para o outro, no amor.
Por isso, o
comentário de Jesus revela que aqueles que, no Matrimônio, se colocarem no seu
seguimento não deverão mais seguir a Lei de Moisés, que foi uma necessidade
devido à “dureza de coração”; a proposta é seguir a Lei Divina do amor que
criou homem e mulher para se completarem no amor, já que ambos vêm de Deus, a
fonte do amor.
O casamento cristão não se regula pela Lei da “dureza de
coração”, mas pela origem da vida que foi um ato de amor querido por Deus. O
casamento, portanto, não é apenas um ato jurídico, que dura enquanto dá certo,
mas um ato existencial desejado por Deus, uma resposta ao amor divino
vivenciado em família (salmo responsorial) a ponto de Jesus declarar
que "o que Deus uniu o homem não separe" (Evangelho).
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