“O
Senhor é o meu pastor: nada me falta”: assim começa esta linda oração, evocando
o ambiente nômade da pastorícia e a experiência de conhecimento recíproco que
se estabelece entre o pastor e as ovelhas que compõem o seu pequeno rebanho. A
imagem evoca uma atmosfera de confiança, intimidade e ternura: o pastor conhece
as suas ovelhas uma por uma, chama-as pelo nome e elas seguem-no porque o
reconhecem e confiam nele (cf. Jo 10, 2-4). Ele cuida delas, conserva-as como
bens preciosos, pronto a defendê-las, a garantir o seu bem-estar e a fazer com
que vivam em tranquilidade. Nada lhes pode faltar, se o pastor estiver com
elas. A esta experiência faz referência o Salmista, chamando Deus seu pastor e
deixando-se orientar por Ele para pastagens seguras:
A
visão que se abre aos nossos olhos é de verdes prados e águas refrescantes,
oásis de paz rumo aos quais o pastor acompanha o rebanho, símbolos dos lugares
de vida para os quais o Senhor conduz o Salmista, que se sente como as ovelhas
deitadas na relva ao lado de uma nascente, numa situação de descanso, não em
tensão nem em estado de alarme, mas confiantes e tranquilas, porque o lugar é
seguro, a água é fresca e o pastor vela sobre elas. E não esqueçamos aqui que a
cena evocada do Salmo é ambientada numa terra em boa parte desértica, atingida
pelo sol ardente, onde o pastor seminômade médio-oriental vive com o seu
rebanho nas estepes que se estendem ao redor dos povoados. Mas o pastor sabe
onde encontrar erva e água fresca, essenciais para a vida, sabe conduzir ao
oásis em que a alma “se restabelece” e é possível retomar as forças e novas
energias para se pôr novamente a caminho.
Como
diz o Salmista, Deus guia-o rumo a “verdes prados” e “águas refrescantes”, onde
tudo é superabundante, tudo é concedido abundantemente. Se o Senhor é o pastor,
também no deserto, lugar de ausência e de morte, não esmorece a certeza de uma
presença de vida radical, a ponto de poder dizer: “Nada me falta”. Com efeito,
o pastor tem a peito o bem do seu rebanho, adapta os próprios ritmos e as suas
exigências aos das suas ovelhas, caminha e vive com elas, guiando-as por
caminhos “retos”, ou seja adequados, com atenção às necessidades delas, e não
às suas. A segurança do seu rebanho é a sua prioridade, e a ela obedece ao
guiá-lo.
Prezados
irmãos e irmãs, também nós, como o Salmista, se caminharmos atrás do “Bom
Pastor”, por mais difíceis, sinuosos ou longos que possam parecer os percursos
da nossa vida, com frequência inclusive em regiões espiritualmente desérticas,
sem água e com um sol de racionalismo ardente, sob a guia do Bom Pastor,
Cristo, temos a certeza de caminhar pelas estradas “retas”, e que o Senhor nos
orienta e está sempre próximo de nós, e nada nos faltará.
Por
isso, o Salmista pode declarar uma tranquilidade e uma segurança, sem
incertezas nem temores:
Quem
atravessa com o Senhor mesmo os vales sombrios do sofrimento, da incerteza e de
todos os problemas humanos, sente-se seguro. Tu estás comigo: esta é a nossa
certeza, aquela que nos sustém. A escuridão da noite causa medo, com as suas
sombras mutáveis, a dificuldade de distinguir os perigos, o seu silêncio cheio
de ruídos indecifráveis. Se o rebanho se move depois do pôr-do-sol, quando a
visibilidade se faz incerta, é normal que as ovelhas se sintam inquietas, pois
há o risco de tropeçar, ou então de se afastar e de se perder, e há ainda o
temor de possíveis agressores que se escondam na obscuridade. Para falar do
vale “sombrio”, o Salmista usa uma expressão hebraica que evoca as trevas da
morte, pelo que o vale a atravessar é um lugar de angústia, de ameaças
terríveis, de perigo de morte. E no entanto, o orante procede seguro, sem medo,
porque sabe que o Senhor está com ele. Aquele “Tu estás comigo” é uma
proclamação de confiança inabalável e resume a experiência de fé radical; a
proximidade de Deus transforma a realidade, o vale sombrio deixa de ser
perigoso, esvaziando-se de qualquer ameaça. Agora, o rebanho pode caminhar
tranquilo, acompanhado pelo barulho familiar do bastão que bate no terreno e
denota a presença tranquilizadora do pastor.
Fonte:
Papa Emérito Bento XVI