terça-feira, julho 22, 2025

XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM








Na cena que o Evangelho de Lucas nos apresenta, Jesus atravessa um povoado e encontra repouso em uma casa comum, mas carregada de significado espiritual. Marta o acolhe com gestos concretos, com serviço diligente, com atenção aos detalhes que toda hospitalidade verdadeira requer. Ela recebe o Senhor com o corpo em movimento e a mente dividida entre múltiplas tarefas. Seu zelo, embora sincero, revela um coração fragmentado entre o desejo de servir e a necessidade de ser vista, compreendida, talvez até validada. Marta faz aquilo que muitos de nós fariam: ocupa-se com o que pode controlar, enquanto o Verbo eterno repousa em sua sala.

Maria

Maria, por outro lado, rompe com a expectativa social e religiosa do seu tempo. Ela não assume o lugar de ajudante ou de anfitriã secundária, mas senta-se aos pés do Mestre, postura reservada aos discípulos, espaço sagrado onde se recebe não somente ensinamentos, mas o próprio Cristo. Ela escuta, não por curiosidade, mas por sede. Sua escuta não é passiva, mas profundamente ativa: ela absorve, contempla, fixa o olhar na Palavra viva. Em vez de fazer algo por Jesus, Maria permite que Jesus faça nela aquilo que ninguém mais pode realizar: abrir-lhe o coração para o essencial.

Marta

Marta, então, rompe o silêncio e interpela o Senhor com uma pergunta carregada de tensão: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha?” Sua queixa não é apenas contra a irmã, mas contra o próprio Cristo, que parece, aos olhos dela, alheio à injustiça de uma casa desbalanceada entre o trabalho e a contemplação. Marta quer justiça, mas em seus termos. Pede a intervenção de Deus, mas com um roteiro já pronto. Ela serve, mas exige reconhecimento. E o que deveria ser dom, torna-se cobrança.

 

Jesus, com ternura e firmeza, responde com a repetição do nome: “Marta, Marta…” Ao dobrar o nome, Ele desarma o conflito com amor. Não a repreende por servir, mas por preocupar-se demais. Não nega o valor do serviço, mas aponta para o excesso de agitação que rouba a paz. A inquietação de Marta é sintoma de um coração dividido, não de uma missão errada. Jesus não cancela sua ação, mas realinha sua motivação. Ele não despreza o trabalho, mas ensina que ele deve nascer da escuta, não substituí-la.

A primazia da Palavra

Ao afirmar que “uma só coisa é necessária”, o Senhor revela o centro oculto de toda vida espiritual: a primazia da Palavra. Maria escolheu o que não passa, o que não se mede em produtividade, o que não pode ser tirado nem pelas circunstâncias, nem pela crítica, nem pela morte. Ela não perdeu tempo — ela se entregou ao tempo do Senhor. E essa entrega, embora silenciosa, transforma profundamente. Na escuta do Verbo, Maria se torna mais ativa do que Marta em seu corre-corre. Pois quem escuta verdadeiramente, se configura à Palavra e, por ela, age com sabedoria.

 

Este Evangelho, portanto, não propõe uma oposição entre oração e ação, mas uma hierarquia do espírito. Primeiro escutar, depois servir. Antes, repousar em Deus, depois mover-se no mundo. Finalmente, deixar-se amar, para depois amar com liberdade. Marta e Maria habitam em cada um de nós — a que corre, e a que contempla; a que exige, e a que recebe; a que se inquieta, e a que se entrega. E a voz de Jesus hoje, como então, nos chama pelo nome duas vezes — não para nos censurar, mas para nos centrar.

 

Se queremos servir verdadeiramente, precisamos antes sentar aos pés do Senhor. Porque só a partir do silêncio diante do Verbo é que nosso trabalho se tornará fecundo, nossa presença será leve, e nossas palavras nascerão da sabedoria, não da ansiedade. Maria não escapou do serviço — ela o preparou com a escuta. Por isso, escolheu a melhor parte, e essa, diz o Senhor, não lhe será tirada.

 

Esse é o convite. Também hoje. Também agora. Sentemo-nos, escutemos, permaneçamos. Pois quem escuta o Senhor, carrega em si aquilo que o mundo não pode roubar. E esse será sempre o melhor lugar.