Na
verdade, esta data nada tem de arbitrária. Antes, possui profundas raízes
bíblicas, e é ancorada na tradição da Igreja.
Como
fazemos para estabelecer o dia do nascimento de Jesus? A contagem dos dias
começa pelo anúncio do nascimento de São João Batista. A Bíblia diz:
“Nos
tempos de Herodes, rei da Judéia, houve um sacerdote por nome Zacarias, da
classe de ABIAS; sua mulher, descendente de Aarão, chamava-se Isabel. Ora,
exercendo Zacarias diante de Deus as funções de sacerdote, na ordem da sua
classe, coube-lhe por sorte, segundo o costume em uso entre os sacerdotes,
entrar no santuário do Senhor e aí oferecer o perfume” (Lc 1,5.8-9).
Pois
bem, mas quando era o turno da classe de Abias?
No
Primeiro Livro de Crônicas (1Crônicas 24,1-7.19), está estabelecida a ordem das
24 classes sacerdotais. Cada uma das classes deveria servir duas vezes ao ano,
por uma semana, de sábado a sábado. A ordem sorteada e imutável foi a seguinte:
Joiari;
Jedei;
Harim;
Seorim;
Melquia;
Maimã;
Acos;
ABIAS;
Jesua;
Sequenia;
Eliasib;
Jacim;
Hofa;
Isbaab;
Belga;
Emer;
Hezir;
Afses;
Feteia;
Ezequiel;
Jaquim;
Gamul;
Dalaiau;
Maziau.
Alguns
irmãos se apegam a esta ordem, alegando que não corresponde a uma possibilidade
de que o Natal fosse em dezembro, pois o ano religioso judaico, começando por
volta de março, daria ao 8º Turno, provavelmente, o final do mês de junho,
começo do mês de julho. Daí, fazendo os cálculos, Jesus teria nascido em finais
de setembro, inícios de outubro, pela festa dos Tabernáculos.
Contudo,
ninguém se pergunta se a ordem dos turnos, nos tempos de Cristo, estava
estabelecida exatamente assim. A pergunta é razoável, pois, desde os tempos da
construção do Templo, o culto já havia sido interrompido diversas vezes, e um
descompasso entre os turnos e o calendário poderia ter-se dado. E, por incrível
que pareça, foi isto mesmo que aconteceu!
Uma
especialista francesa, Annie Jaubert, escreveu um artigo intitulado “Le
calendrier des Jubilées et de la secte de Qumran: Ses origines bibliques”, in
Vetus Testamentum, Suppl. 3 (1953) pp. 250-264, em que estudou o calendário do
Livro dos Jubileus, um apócrifo hebraico muito importante, do final do século
II a.C. Como muitos fragmentos desse calendário foram encontrados entre os
escritos de Qumram, vê-se que ele estava em uso nos tempos de Jesus. Este
calendário, também, é solar, e não dava os nomes dos meses, mas apenas seu
número de sucessão. E a mesma estudiosa publicou outros artigos importantes
sobre isso. Veja-se o verbete “Calendario di Qumran”, in Enciclopedia della
Bibbia 2 (1969) pp. 35- 38; e uma célebre monografia, “La date de la Cène,Calendrier
biblique et liturgie chrétienne”, Études Bibliques, Paris 1957.
Por
outro lado, o especialista Shemarjahu Talmon, da Universidade Hebraica de
Jerusalém, trabalhou sobre os escritos de Qumram e sobre o calendário do Livro
dos Jubileus, e conseguiu precisar a ordem semanal dos 24 turnos. Os resultados
desta pesquisa então no artigo “The Calendar Reckoning of the Sect from the
Judean Desert. Aspects of the Dead Sea Scrolls”, in Scripta Hierosolymitana,
vol. IV, Jerusalém 1958, pp. 162-199.
Na
lista que o Prof. Talmon reconstruiu, o turno de ABIAS (Ab-Jah), prescrita duas
vezes por ano, acontecia assim:
a
primeira vez, de 8 a 14 do terceiro mês do calendário; e
a
segunda vez de 24 a 30 do oitavo mês do calendário.
Ora,
segundo o calendário solar (não o lunar, como o atual calendário judeu), esta
segunda vez se data assim [*]: o 2º Turno de Abias correspondia aos dias de 24
a 30 de setembro. Portanto, quando São Lucas recolhe esta indicação, sendo ele
um atencioso narrador da história, nos dá a possibilidade de reconstruir a data
histórica do nascimento de Jesus.
Agora,
resta-nos fazer as contas:
O
anúncio do nascimento de São João Batista seria no dia 24 de setembro (no
calendário ortodoxo, esta festa se celebra no dia 23 de setembro, mesmo dia de
São Pio de Pietrelcina). Note-se que esta Festa é muito antiga na Tradição da
Igreja Oriental.
Portanto,
seis meses depois, seria o anúncio a Nossa Senhora, no dia 25 de março (festa
litúrgica da Anunciação).
Três
meses depois, o nascimento de São João Batista (dia 24 de junho, festa
litúrgica do seu natal).
E
seis meses depois, 25 de dezembro, o nascimento de Jesus (Solenidade do Natal
do Senhor).
Portanto,
essas teorias de que o Natal surgiu para cristianizar a festa pagã do “Sol
Invicto”, do solstício de verão etc., não passam de banais conjecturas.
Pe.
José Eduardo
[*]
Sobre estes estudos, veja-se o artigo de Tommaso Federici, “25 dicembre, una
data storica”, in “30 giorni” [11/2000].
Fonte:
presbiteros.org.br