João
começa por pôr em relevo a situação da comunidade. O “anoitecer”, as “portas
fechadas”, o “medo” (vers. 19 a), são o quadro que reproduz a situação de uma
comunidade desamparada no meio de um ambiente hostil e, portanto, desorientada
e insegura. É uma comunidade que perdeu as suas referências e a sua identidade
e que não sabe, agora, a que se agarrar.
Entretanto,
Jesus aparece “no meio deles” (v. João indica desta forma que os discípulos,
fazendo a experiência do encontro com Jesus ressuscitado, redescobriram o seu
centro, o seu ponto de referência, a coordenada fundamental à volta do qual a
comunidade se constrói e toma consciência da sua identidade. A comunidade
cristã só existe de forma consistente se está centrada em Jesus ressuscitado.
Jesus
começa por saudá-los, desejando-lhes “a paz” (“shalom”, em hebraico). A “paz” é
um dom messiânico; mas, neste contexto, significa, sobretudo, a transmissão da
serenidade, da tranquilidade, da confiança que permitirão aos discípulos
superar o medo e a insegurança: a partir de agora, nem o sofrimento, nem a
morte, nem a hostilidade do mundo poderão derrotar os discípulos, porque Jesus
ressuscitado está “no meio deles”.
Em
seguida, Jesus “mostrou-lhes as mãos e o lado”. São os “sinais” que evocam a entrega
de Jesus, o amor total expresso na cruz. É nesses “sinais” (na entrega da vida,
no amor oferecido até à última gota de sangue) que os discípulos reconhecem
Jesus. O fato de esses “sinais” permanecerem no ressuscitado, indica que Jesus
será, de forma permanente, o Messias cujo amor se derramará sobre os discípulos
e cuja entrega alimentará a comunidade.
Vem,
depois, a comunicação do Espírito. O gesto de Jesus de soprar sobre os
discípulos reproduz o gesto de Deus ao comunicar a vida ao homem de argila (João
utiliza, aqui, precisamente o mesmo verbo do texto grego de Gn 2,7). Com o
“sopro” de Deus de Gn 2,7, o homem tornou-se um “ser vivente”; com este
“sopro”, Jesus transmite aos discípulos a vida nova e faz nascer o Homem Novo.
Agora, os discípulos possuem a vida em plenitude e estão capacitados – como
Jesus – para fazerem da sua vida um dom de amor aos homens. Animados pelo
Espírito, eles formam a comunidade da nova aliança e são chamados a testemunhar
– com gestos e com palavras – o amor de Jesus
Finalmente,
Jesus explicita qual a missão dos discípulos (ver. 23): a eliminação do pecado.
As palavras de Jesus não significam que os discípulos possam ou não – conforme
os seus interesses ou a sua disposição – perdoar os pecados. Significam,
apenas, que os discípulos são chamados a testemunhar no mundo essa vida que o
Pai quer oferecer a todos os homens. Quem aceitar essa proposta será integrado
na comunidade de Jesus; quem não a aceitar, continuará a percorrer caminhos de
egoísmo e de morte (isto é, de pecado). A comunidade, animada pelo Espírito,
será a mediadora desta oferta de salvação