Comecemos
pela primeira leitura a nossa meditação da Palavra de Deus para este Domingo.
Que
nos apresenta o Livro do Êxodo? As Dez Palavras, os Mandamentos de Torá. A
palavra “mandamento” tem hoje um significado antipático. Não gostamos de
mandamentos, de normas, de preceitos. No entanto, para um judeu – e também para
um cristão -, os preceitos, os mandamentos do Senhor, são uma bênção, um sinal
de carinho paterno de Deus, que Se volta para nós e nos abre o Seu Coração,
falando-nos da vida, mostrando-nos o caminho, iluminando a direção da nossa
existência. Foi com esse sentido que o Senhor nosso Deus deu a Lei, revelou os
preceitos a Israel. A Lei não deveria ser vista como um feixe pesado e opressor
de proibições, mas como setas que apontam para o caminho da Vida e nos fazem
descansar no Coração de Deus.
O
próprio termo hebraico torá, que traduzimos por lei, significa, na verdade
instrução. Na Lei, na Instrução, Deus nos fala da vida porque deseja conviver
com o Seu povo. Sendo assim, os preceitos são uma bênção! O profeta Baruc
afirma isso com palavras comoventes: Escuta, Israel, os mandamentos da Vida;
presta ouvidos, para conheceres a prudência. Por que Israel, por que te
encontras na terra dos teus inimigos, envelhecendo em terra estrangeira? É
porque abandonaste a fonte da Sabedoria. Ela é o livro dos preceitos de Deus, a
Lei que subsiste para sempre: todos os que a ela se agarram destinam-se à Vida,
e todos os que a abandonam perecerão. Volta-se, Jacó, para recebê-la; caminha
para o esplendor, ao encontro de sua luz! Não cedas a outrem a tua glória, nem
a um povo estrangeiro os teus privilégios. Bem-aventurados somos nós, Israel,
pois aquilo que agrada a Deus a nós foi revelado” (Br 3,9-10.12; 4,1-4).
Eis,
pois, o que são os mandamentos: uma luz, um caminho de liberdade, porque nos
faz conhecer o Coração de Deus e os Seus sonhos para nós. Viver na Palavra de
Deus, mergulhar nos Seus preceitos é viver o Seu sonho para nós, é ser livre,
maduro e feliz. Por isso o Salmista, hoje, canta: “A Lei do Senhor Deus é
perfeita, conforto para a alma! O testemunho do Senhor é fiel, sabedoria dos
humildes. Os preceitos do Senhor são precisos, alegria ao coração. O mandamento
do Senhor é brilhante, para os olhos é uma luz. Suas palavras são mais doces
que o mel, que o mel que sai dos favos!”
E,
no entanto, Israel violou a Lei de Deus, fechou-se para os preceitos do
Senhor... E por quê? Porque não basta seguir um feixe de regras e normas para
agradar a Deus. A Lei somente tem sentido se for vivida como uma relação de
amor. Olhai bem como começa o Decálogo: “Eu sou o Senhor teu Deus que te tirou
do Egito, da casa da escravidão. Não terás outros deuses diante de Mim”. Aqui
está já dito tudo: por lado Deus, apaixonado, fiel, amoroso: tirou o Seu povo
da miséria de suas escravidões. Por outro lado, o povo: de quem Ele espera um
coração totalmente dedicado ao seu Deus: “Não terás outros deuses diante de
Mim!” É esta relação de amor que Israel quebrou, contentando-se muitas vezes
com um legalismo vazio e frio.
A
imagem dessa situação, vemo-la no Evangelho de hoje: o Templo, lugar do
encontro de Deus com o Seu povo, transformado numa espelunca, numa casa de
comércio, um lugar de prostituição do coração, de idolatria... É idolatria a
ganância, é idolatria a impiedade, é idolatria reduzir a religião a um negócio
lucrativo, é idolatria pensar que se pode manipular Deus com um dízimo, com um
rito ou com um volume da Bíblia! O Senhor previne: “Eu sou o Senhor vosso Deus
que não aceita suborno!” (Dt 10,17) Por isso Jesus age de modo tão violento:
Fez um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os
bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas. Disse aos que
vendiam pombas: ‘Tirai isso daqui! Não façais da Casa de Meu Pai uma casa de
comércio!’” que significa este gesto de Jesus? É uma pregação pela ação, uma
ação profética, uma ação, um gesto que vale por uma pregação. Jesus está
revelando a santa ira de Deus contra o seu povo... Hoje em dia, com uma mania
boboca de sermos politicamente corretos (coisa que nunca assentará num
cristão), ficamos escandalizados com um Deus que Se inflama de ira, com um
Jesus que deveria ser mansinho, bonzinho, tolinho,, insossinho, e aparece, no
entanto, firme, forte, radical... e irado! Esse é o Jesus de verdade:
surpreendente, desconcertante! Sua ira nos previne no sentido de que não
podemos brincar com Deus, não podemos fazer pouco Dele! Correremos o risco de
perdê-Lo, de sermos rejeitados do Seu Coração! Em outras palavras: a conversão
é uma exigência fundamental para quem deseja caminhar com Deus, sendo discípulo
do Filho Jesus! Mas, os judeus, ao invés de compreenderem isso, com cinismo
criticam Jesus e pedem-Lhe um sinal: “Que sinal nos mostras para agir assim?”
Vede bem, caríssimos: quando a infidelidade é grande, quando o nosso coração
habituou-se no mal, corremos o risco de sermos tomados de tal cegueira, de tal
dureza de coração, que já não vemos nem com a Luz! Jesus é a luz que brilha
claramente. Sua atitude dura, recorda aos judeus o amor de Deus que foi traído,
a Lei que foi deturpada, e eles ainda pedem por sinais...
Jesus
dá um sinal, terrível, decisivo: “Destruí este Templo, e em três dias Eu o
levantarei”. Que significa isso? “Estais destruindo este Templo? Ele é um
sinal, é um símbolo profético: ele é o lugar no qual o homem pode encontrar
Deus, ele é imagem do Meu corpo. Pois bem! Vós violastes a aliança, destruístes
o sentido da relação com Deus: continuais, pois a destruir este Templo. Mas em
três dias Eu o erguerei para sempre: vai passar a imagem, virá o Templo
indestrutível, o lugar onde um novo povo poderá para sempre encontrar Deus: o
Meu corpo morto e ressuscitado!” Eis o sinal, surpreendente, escandaloso: à
infidelidade do seu povo, Deus responde entregando o Seu Filho e fazendo Dele o
lugar da salvação e da graça, da Vida e da vitória da humanidade! É o que São
Paulo nos diz na segunda leitura deste hoje: “Os judeus pedem sinais, os gregos
procuram sabedoria; nós, porém, pregamos Cristo crucificado, escândalo para os
judeus e insensatez para os pagãos”. O sinal que Deus apresenta para Israel, o
remédio que Deus preparou para curar a violação da Lei é o seu Filho
crucificado, morto e ressuscitado!
Caríssimos,
olhemos para nós, o Novo Povo de Deus, o Povo nascido da morte e ressurreição
de Cristo. Não somos mais obrigados a cumprir os detalhados preceitos da Lei de
Moisés mas, somos convidados a olhar o Crucificado, cujo corpo macerado é o
lugar do perdão e do encontro com Deus, o lugar da nova e eterna Aliança...
Olhando o Crucificado, ouçamos, mais uma vez, como Israel: “Eu sou o Senhor teu
Deus, que te fez sair da casa da escravidão, da miséria do pecado e da morte,
da escuridão de uma vida sem sentido! Eu te dei o Meu Filho amado! Não terás
outros deuses diante de Mim!” Compreendeis, irmãos? Os preceitos do Antigo
Testamento passaram; não, porém, a exigência de um coração todo de Deus, um
coração que o ame, um coração sem divisão! E, para nós, a exigência é ainda
maior, porque Israel não tinha ainda visto até onde iria o amor de Deus; quanto
a nós, sabemos: “Deus amou tanto o mundo que entregou o Seu Filho para que todo
aquele que Nele crê não pereça, mas tenha a Vida eterna” (Jo 3,16).
Caríssimos
em Cristo, convertamo-nos! Ergamos os olhos para o Crucificado, “Poder de Deus
e Sabedoria de Deus”, e mudemos de vida! Que nossa fé não seja fingida,
superficial, descomprometida; que nossa religião não seja simplesmente uma
prática fria e sem desejo de real conversão ao Senhor nosso! Crer de verdade
exige que nos coloquemos debaixo do preceito de amor do Senhor! Estejamos
atentos à advertência final e tremenda do Evangelho de hoje: “Vendo os sinais
que Jesus realizava, muitos creram no Seu Nome. Mas Jesus não lhes dava
crédito, pois conhecia a todos... conhecia o homem por dentro”. - Ah, Senhor
Jesus! Tem piedade de nós! Converte-nos a Ti e, depois, olha o nosso coração
convertido e dá-nos a Tua salvação! Piedade, Senhor! Na Tua misericórdia infinita,
conduze-nos às alegrias da Páscoa! A Ti a glória, Cristo-Deus, pelos séculos
dos séculos! Amém.