O
Evangelho de hoje é um verdadeiro manual espiritual de missão. Mas não se trata
de uma estratégia de marketing ou de expansão institucional. Trata-se do envio
de Cristo, não apenas dos Doze, mas agora de setenta e dois. Isso indica a
universalidade da missão da Igreja — não restrita a uma elite espiritual, mas
estendida a todos os batizados. O número evoca os povos da terra (cf. Gn 10),
sinal de que o anúncio do Reino não é exclusividade de um povo, mas dom oferecido
a todas as nações.
Desde
o início, Jesus os envia “dois a dois.” Essa dupla vive mais que a logística:
testemunha a comunhão, pois cumpre a missão dentro das relações, nunca no
isolamento. A comunhão é o primeiro anúncio. A presença mútua fortalece contra
o desânimo e impede que se pregue a si mesmo. O missionário do Reino anuncia
com o outro, e não acima do outro.
A
primeira instrução é clara: “A messe é grande, mas os trabalhadores são
poucos.” Aqui há um lamento e uma convocação, porque Cristo constata a vastidão
da necessidade espiritual do mundo e convida à oração, não à ansiedade. É o
Senhor quem envia, é Ele o dono da messe, porque isso nos livra do ativismo
estéril: a missão é cooperação, não protagonismo. Rezamos ao Senhor da messe,
não para repassar a missão, mas para preparar o coração e nos colocarmos à
disposição para o envio.
E
então Ele envia: “como cordeiros no meio de lobos.” Eis a identidade do
discípulo. Vencemos o mundo hostil não com força, mas com a mansidão de quem
confia. O discípulo não combate o mal com as armas do mundo. Leva apenas o
essencial. Sem bolsa, sem sacola, sem sandálias. Porque a força da missão está
na pobreza que revela confiança total.
Na
casa em que entrarem, devem dizer: “A paz esteja nesta casa.”, mas a paz aqui
não é desejo genérico, antes, é dom messiânico. É a Shalom prometida pelos
profetas, presença ativa de Deus que cura, reconcilia e transforma, uma vez que
essa paz é dinâmica: se for acolhida, permanece; se rejeitada, retorna. Isso
mostra que a missão não se mede pelo sucesso humano. O Reino avança, mesmo
quando é recusado.
Aos
que acolhem, o discípulo deve anunciar: “O Reino de Deus está próximo.” E aos
que rejeitam, deve dizer o mesmo. A proximidade do Reino não depende da
aceitação do ouvinte, mas da fidelidade do enviado. Aqui, a missão se torna
profecia: não adapta a mensagem à resposta, mas permanece firme na verdade. E a
sacudida da poeira dos pés é símbolo da liberdade interior: o missionário não
carrega rejeições, não se contamina com a recusa.
No
retorno, os setenta e dois voltam alegres: “Até os demônios nos obedecem por
causa do teu nome!” É compreensível: sentir o poder da Palavra que liberta é
motivo de júbilo. Mas Jesus os corrige, e aqui está o centro espiritual do
texto:
“Não
vos alegreis porque os espíritos vos obedecem, mas porque vossos nomes estão
escritos no céu.”
A
verdadeira alegria da missão não está nos resultados visíveis, mas na
intimidade com Deus. O nome escrito no céu é o símbolo da comunhão eterna.
Cristo nos ensina que o sucesso não é sinal da eleição, mas que a eleição
sustenta a missão. O discípulo serve porque já foi reconhecido. Evangeliza não
para ser salvo, mas porque a salvação já o alcançou!
Amados
irmãos, este Evangelho nos oferece uma teologia completa da missão:
–
Ela nasce do chamado de Cristo,
–
Se realiza na comunhão fraterna,
–
É sustentada pela pobreza evangélica,
–
Se move na paz que vem de Deus,
–
E encontra sua alegria, não nos frutos, mas no céu.
Hoje,
cada um de nós é convidado a revisar sua vocação missionária. Estamos
anunciando o Reino com a liberdade dos que nada carregam? Com a paz dos que
sabem de onde vêm e para onde vão? Ou ainda buscamos resultados que validem
nosso ego? Que o Senhor nos converta em odres novos, disponíveis, silenciosos e
fiéis, para que a Sua Palavra — e não a nossa — seja tudo o que reste.
E
que nossa alegria seja esta, e nenhuma outra: saber que nossos nomes estão
escritos no céu.