Acolher a misericórdia divina
Depois de refletir, no decorrer de todos os Domingos quaresmais, sobre a misericórdia divina, especialmente a misericórdia concreta, capaz de ser colocada em prática em nossos relacionamentos, chegamos ao início da Semana Santa. Nós iniciamos a Semana santa com um rito de acolhimento: acolhemos Jesus que entra triunfalmente em nossa comunidade, saudado com hosanas e com ramos. Temos muitos modos de considerar o ingresso triunfal de Jesus e gostaria de propor que o mesmo fosse contemplado como o acolhimento de quem vem trazer a paz, a serenidade e a concórdia para nossas vidas. Acolhemos Jesus como aquele que vem em nome do Senhor, vem para trazer um novo modo de nos relacionar na comunidade e, da mesma forma em toda a nossa sociedade: o modo misericordioso de ser, capaz de estender a mão a quem está necessitado, capaz de erguer quem está caído, de cultivar a vida com olhos de alegria e com muita esperança nos corações.
O conceito de Deus
Quando fazemos experiência do ingresso de Jesus em Jerusalém, entrando aqui em nossa comunidade, temos a tentação de parar a celebração na primeira parte: no momento aclamativo, de muita festa e de caminhada sorridente. Mas, a pedagogia litúrgica de nossa celebração nos coloca na realidade da vida e, tão logo concluímos o rito festivo, a celebração nos conduz ao silêncio para refletir sobre a Paixão e Morte do Senhor. A atitude pedagógica e celebrativa como que nos tira de uma festa e nos coloca num espaço de sofrimento. Isto não significa que nossa fé seja masoquista, que gostamos do sofrimento e cultuamos a morte. Trata-se, apenas, de uma chamada de atenção, para que aprendamos a contemplar Jesus como aquele que, por amor misericordioso, entrega a vida pela nossa Salvação. O evangelista Lucas, que acabamos de ouvir na narrativa da Paixão de Jesus, não chama tanto atenção para o sofrimento doloroso de Jesus, mas para o modo como Jesus passa pelo sofrimento: em completa obediência e submissão à vontade do Pai. Uma chamada de atenção em vista do discipulado, para que aprendamos a passar pelos sofrimentos de nossas vidas em total obediência ao projeto divino.
O justo sofredor
São Lucas faz questão de mostrar a debilidade humana diante do sofrimento. Aquilo que aconteceu com Jesus, um sofrimento tão intenso a ponto de suar sangue, tamanha a sua ansiedade pelo suplício que deveria passar até o momento da morte, também é um ensinamento para nós, quando o sofrimento visitar nossas vidas. Aprendemos de Jesus a não maldizer e nem pedir explicações para Deus, mas a acolher de modo sereno, naquilo que nos é possível, o sofrimento como parte da vida humana. Jesus era justo e não tinha nenhum motivo para ser condenado a este tipo radical de sofrimento pelo qual passou. Pilatos e o próprio ladrão que estava sendo crucificado com Jesus reconhecem que ele era inocente. Mesmo assim, Jesus assume o sofrimento de modo sereno e se confiando inteiramente ao Pai. Quantas pessoas que conhecemos, que são justas e honestas, pessoas bondosas que sofrem e nos fazem perguntar: por que ele? É a mesma pergunta que Lucas faz diante da Paixão de Jesus: por que ele, sendo justo e santo, deveria sofrer? Por que Deus permitiu tanto sofrimento na pessoa humana de Jesus?
Deus não se vinga
Deus não escolhe quem vai sofrer e que tipo de sofrimento sofreremos em algum momento da vida. Pode ser um sofrimento físico, um sofrimento espiritual ou psicológico, um sofrimento moral... O sofrimento faz parte da fraqueza humana. Quando sofremos, Deus não está se vingando de nada que fizemos, mas pede que o nosso sofrimento seja transformado em oferta da vida, a exemplo de Jesus, para que o mundo seja melhor. É um pedido difícil, mas foi esse mesmo pedido que Deus Pai fez a seu Filho Jesus, quando sofria em sua Paixão e na sua Morte. Pelo sofrimento de Jesus, e também de tantos nossos irmãos e irmãs, compreendemos que Deus não se manifesta pela onipotência, mas pela impotência; pela impotência do sofrimento. Quando sofremos, nada podemos, mas Deus pode se servir deste sofrimento para regar a terra com mais vida, como fez através do lado aberto do Coração de Jesus. É difícil, sim, refletir deste modo, mas esta é a mensagem que a Paixão segundo Lucas nos faz no dia de hoje. No momento do sofrimento, não assumir a revolta, mas o perdão, como foi a última palavra de Jesus: “Pai, perdoa-lhes”. Amém!