segunda-feira, fevereiro 26, 2024

II DOMINGO DA QUARESMA










Vale a pena seguir alguém que vai morrer na Cruz? Uma pergunta semelhante pôde ter passado pela mente dos discípulos do Senhor como também pôde ter passado alguma vez pela nossa, quiçá formulada de outra maneira.

A transfiguração de Jesus é uma catequese que revela aos discípulos e a nós Quem é Jesus: O Filho Amado de Deus! É um momento antecipado de luz que nos ajuda também a nós, a fitarmos a Paixão de Jesus com o olhar da fé. Sim, ela é um mistério de sofrimento, mas é inclusive a “Paixão bem-aventurada” porque é – no núcleo – um mistério de amor extraordinário de Deus; é o êxodo definitivo que nos abre a porta para a liberdade e a novidade da Ressurreição, da salvação do mal. Temos necessidade disto no nosso caminho quotidiano, muitas vezes marcado também pela escuridão do mal! Agora Jesus leva consigo os três discípulos, para os ajudar a compreender que o caminho para alcançar a glória, a vereda do amor luminoso que vence as trevas, passa através do Dom total de Si, passa pelo escândalo da Cruz. E, sempre de novo, o Senhor deve levar – nos consigo também a nós, pelo menos para começarmos a compreender que este é o caminho necessário.

Os discípulos da transfiguração são os mesmos do Monte das Oliveiras, os da alegria são também os da agonia. Em nossa caminhada para a Páscoa somos também convidados a subir com Jesus a montanha e, na companhia dos três discípulos, viver a alegria da comunhão com Ele. As dificuldades da caminhada não podem nos desanimar. No meio dos conflitos, o Pai nos mostra desde já sinais da Ressurreição e do alto daquele monte Ele continua a nos gritar: “Este é o Meu Filho Amado, escutai-O”. É preciso acompanhar o Senhor em suas alegrias e em suas dores. As alegrias preparam-nos para o sofrimento e o sofrimento por e com Jesus dá-nos alegria. Os discípulos, que estavam desanimados diante do Mistério da Cruz, são consolados por Jesus na transfiguração e preparados para os acontecimentos vindouros, como, por exemplo, o terrível sofrimento que Ele padecerá no Getsêmani. Vale a pena segui-lo? Certamente.

Quero sublinhar que Transfiguração de Jesus foi substancialmente uma experiência de oração (Cf. Lc 9, 28 – 29). Com efeito, a oração atinge o seu ápice, e por isso torna – se fonte de luz interior, quando o espírito do homem adere ao de Deus e as suas vontades se fundem, como que para formar uma só unidade. Jesus viu delinear – se diante de si a Cruz, o sacrifício extremo, necessário para nos libertar do domínio do pecado e da morte. E no seu coração, mais uma vez, repetiu o seu “Amém”. Disse sim, eis – me, seja feita, ó Pai, a tua Vontade de amor. E, como tinha acontecido depois do Batismo no Jordão, vieram do Céu os sinais do agrado de Deus Pai: a luz, que transfigurou Cristo, e a voz que O proclamou “Filho muito amado” (Mc 9,7).

Juntamente com o Jejum e as obras de misericórdia, a oração forma a estrutura principal da nossa vida espiritual.

Não desanimemos diante das dificuldades! Os Planos de Deus não conduzem ao fracasso, mas à Ressurreição, à vida definitiva, à felicidade sem fim! Com efeito, a existência humana é um caminho de fé e, como tal, progride mais na penumbra que na plena luz, não sem momentos de obscuridade e até de total escuridão. Enquanto estamos aqui em baixo, o nosso relacionamento com Deus realiza-se mais na escuta do que na visão; e a própria contemplação tem lugar, por assim dizer, de olhos fechados, graças à luz interior acesa em nós pela Palavra de Deus.

Esta centelha da glória divina inundou os Apóstolos de uma felicidade tão grande que fez Pedro exclamar: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas…” Pedro quer prolongar a situação! O que é bom, o que importa, não é estar aqui ou ali, mas estar sempre com Cristo, em qualquer parte, e vê-Lo por trás das circunstâncias em que nos encontramos. Se estamos com Ele, tanto faz que estejamos rodeados dos maiores consolos do mundo ou prostrados na cama de um hospital, padecendo dores terríveis. O que importa é somente isto: Vê-Lo e viver sempre com Ele! Esta é a única coisa verdadeiramente boa e importante na vida presente e na outra. Desejo ver-Te, Senhor, e procurarei o Teu rosto nas circunstâncias habituais da minha vida!

A vida dos homens é uma caminhada para o Céu, que é a nossa morada (2 Cor 5,2). Uma caminhada que, às vezes, se torna áspera e difícil, porque com frequência devemos remar contra a corrente e lutar com muitos inimigos interiores ou de fora. Mas o Senhor quer confortar-nos com a esperança do Céu, de modo especial nos momentos mais duros ou quando se torna mais patente a fraqueza da nossa condição: “À hora da tentação, pensa no Amor que te espera no Céu. Fomenta a virtude da esperança, que não é falta de generosidade” (São Josemaria Escrivá, Caminho, nº 139).

O pensamento da glória que nos espera deve animar-nos na nossa luta diária. Nada vale tanto como ganhar o Céu.

Não podemos ficar no Monte… de braços cruzados… O seguidor de Cristo deve descer do monte para enfrentar o mundo e os problemas dos homens!

Cada domingo, ao participar da Santa Missa, subimos a Montanha, para contemplar o Cristo transfigurado (ressuscitado) e escutar a sua voz.

Depois, ao descer a Montanha (tendo participado da Missa, ao sair da Igreja) devemos prosseguir a nossa caminhada, sendo sal da Terra e luz do mundo.

Que neste tempo de Quaresma, possamos encontrar momentos de silêncio, possivelmente de Retiro, para rever a própria vida à luz do desígnio de amor do Pai celeste. Deixemo-nos guiar nesta escuta mais intensa de Deus pela Virgem Maria, mestra e modelo de oração. Ela, também na extrema obscuridade da Paixão de Cristo, não perdeu mas conservou na sua alma a luz do Filho divino. É por isso que a invocamos como Mãe da confiança e da esperança! Que Maria, nossa guia no caminho da fé, nos ajude a viver o tempo da Quaresma, encontrando todos os dias alguns momentos para a oração silenciosa e para a Palavra de Deus. Ela, que acompanhou o seu Filho Jesus até à Cruz, nos ajude a ser discípulos fiéis de Cristo, cristãos maduros, para podermos participar juntamente com Ela na plenitude da alegria pascal. Amém!


terça-feira, fevereiro 20, 2024

8 MOTIVOS DO PAPA FRANCISCO PARA REZAR A VIA SACRA - E UM GUIA PARA REZÁ-LA NESTA QUARESMA








8 MOTIVOS DO PAPA FRANCISCO 

PARA REZAR A VIA SACRA

20 de Fevereiro de 2024

 

Paróquia São Conrado de Constança






Também chamada de Via Crúcis, esta antiquíssima e piedosa tradição é uma forma profunda de acompanhar os passos de Jesus

AVia Sacra (“Caminho Sagrado”) ou Via Crúcis (“Caminho da Cruz”), ambas expressões em latim, é uma tradição piedosa católica que remonta ao século IV, quando os cristãos se dirigiam em peregrinação à Terra Santa para refazer a trajetória de Jesus.

Durante a Via Sacra com os participantes da Jornada Mundial da Juventude de 2013, no Rio de Janeiro, o Papa Francisco nos apresentou 8 motivos para rezarmos a Via Sacra:

 

1. É um gesto de confiança em Deus:

“Na Cruz de Cristo está todo o amor de Deus, está a sua imensa misericórdia. E este é um amor em que podemos confiar, em que podemos crer. Confiemos em Jesus, abandonemo-nos a Ele, porque Ele nunca desilude ninguém! Só em Cristo morto e ressuscitado encontramos a salvação e a redenção”.

 

2. É uma renovação da nossa adesão à Cruz de Cristo:

“E você, qual deles quer ser? Como Pilatos, como o Cireneu, como Maria? Agora Jesus está olhando para você e lhe diz: Quer me ajudar a carregar a Cruz? Irmãos e irmãs, com toda a sua força jovem, o que vocês lhe respondem?”.

 

3. É uma lembrança de que Jesus sofre conosco:

“Na Cruz de Cristo está o sofrimento, o pecado do homem, o nosso também, e Ele acolhe tudo com seus braços abertos; Ele carrega nas costas as nossas cruzes e nos diz: Coragem! Você não está sozinho a levá-la! Eu a levo com você. Eu venci a morte e vim para lhe dar esperança, para lhe dar vida”.

 

4. É um convite à ação:

“Mas a Cruz de Cristo convida também a nos deixarmos contagiar por este amor; ela nos ensina a olhar sempre para o outro com misericórdia e amor, sobretudo para quem sofre, para quem tem necessidade de ajuda, para quem espera uma palavra, um gesto; a Cruz nos convida a sair de nós mesmos para ir ao encontro dessas pessoas e lhes estender a mão”.

 

5. É uma ajuda para decidir a favor ou contra Jesus:

“[A Cruz] revela um julgamento: Deus, ao nos julgar, nos ama. Lembremo-nos disso: Deus nos julga amando-nos. Se eu aceito o Seu amor, então sou salvo; se o rejeito, então me condeno. Não é Ele que me condena, sou eu mesmo, porque Deus nunca condena, Ele só ama e salva”.

 

6. É a resposta de Deus para o mal no mundo:

“A Cruz é a palavra por meio da qual Deus respondeu ao mal no mundo. Algumas vezes, parece que Deus não reage diante do mal, parece que fica em silêncio. No entanto, Deus falou, respondeu, e a Sua resposta é a Cruz de Cristo: uma palavra que é amor, misericórdia, perdão”.

 

7. É uma renovação da certeza do amor de Deus por nós

“O que a Cruz deu aos que olharam para ela, aos que a tocaram? O que a Cruz deixou em cada um de nós? Ela nos dá um tesouro que ninguém mais pode dar: a certeza do amor fiel que Deus tem por nós”.

 

8. É um guia que nos leva da cruz à Ressurreição

“Ó Jesus, guiai-nos da Cruz à Ressurreição e ensinai-nos que o mal não tem a última palavra, mas sim o amor, a misericórdia e o perdão. Ó Cristo, ajudai-nos a exclamar outra vez: ‘Ontem fui crucificado com Cristo, hoje sou glorificado com Ele. Ontem morri com Ele, hoje vivo com Ele. Ontem fui enterrado com Ele, hoje ressuscito com Ele’”.

 

COMO REZAR A VIA SACRA

 

A Via Sacra tradicional consiste na meditação das assim chamadas “14 estações da Cruz“, ou seja, 14 momentos vividos por Jesus e por Maria desde a injusta condenação do Messias à morte até o Seu sepultamento.

 

A cada estação devem ser feitas orações e meditações pessoais. Existem muitos exemplos dessas orações – a seguir apresentamos um deles.

 

Oração inicial

 

Senhor, concedei-me a graça de compartilhar convosco o caminho da cruz; de penetrar nos vossos pensamentos e sentimentos enquanto carregáveis a cruz pela humanidade – por mim. Ajudai-me a compreender um pouco mais do que esta via dolorosa significou para Vós. Com a minha pequenez, eu me atrevo a caminhar convosco nestas estações, deixando-me impressionar pela contemplação do vosso mistério, buscando o vosso olhar de dor, de agonia, de morte, de paz.

 

Antes de cada estação:

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos, porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

 

Depois cada estação:

Salvador do mundo, salvai-nos, Vós que nos libertastes pela Cruz e Ressurreição.

 

1ª Estação: Jesus é injustamente condenado à morte.

Oração: Guardaste silêncio. Ó Jesus silencioso, ensinai-me a calar e a guardar silêncio, inclusive no sofrimento!

 

2ª Estação: Jesus carrega a cruz.

Oração: Jesus, ensinai-me a compreender as vossas palavras: “Se alguém quiser me seguir, tome sua cruz e siga-me”.

 

3ª Estação: Jesus cai pela primeira vez.

Oração: Jesus, dai-me forças para levantar-me das minhas quedas. Animai-me nos meus desânimos.

 

4ª Estação: Jesus encontra sua Mãe

Oração: Maria, Mãe! Tu, que vencendo todo temor consolaste o teu Filho no caminho do Calvário, ajuda-me a acolher o teu olhar nas minhas dificuldades e aflições.

 

5ª Estação: Simão, o cireneu, ajuda Jesus a carregar a cruz.

Oração: Jesus, assim como Simão vos ajudou a carregar a cruz, dai-me a graça de, nas minhas fraquezas e dificuldades, ser por Vós ajudado e, nas fraquezas e dificuldades dos meus irmãos, poder também eu ajudá-los.

 

6ª Estação: A verônica enxuga o rosto de Jesus.

Oração: Jesus, gravai a vossa imagem no meu coração e que eu sempre me lembre dela.

 

7ª Estação: Jesus, sob o peso da cruz, cai pela segunda vez.

Oração: Jesus, não vos canseis das minhas constantes quedas e dai-me a graça de, seguindo o vosso exemplo, me levantar!

 

8ª Estação: Jesus consola as santas mulheres de Jerusalém.

Oração: Jesus, ajudai-me a aprender que carregar a vossa cruz é muito maior que todas as honras da terra.

 

9ª Estação: Jesus cai pela terceira vez.

Oração: Jesus, que eu não perca a esperança quando experimentar a vossa cruz na minha vida e cair sob seu peso. Dai-me novamente a graça de me levantar.

 

10ª Estação: Jesus é despojado das suas vestimentas.

Oração: Jesus, despojado de tudo por amor a mim, ajudai-me a desprender-me, por amor a Vós, de todas as criaturas, para que Vós sejais o meu único tesouro.

 

11ª Estação: Jesus é crucificado.

Oração: Jesus, que carregastes a Cruz sem reclamar, concedei-me jamais queixar-me por coisas vãs, nem de ninguém, nem interiormente.

 

12ª Estação: Jesus morre na cruz.

Oração: Jesus, concedei-me a graça, no momento da minha morte, de unir-me à vossa própria e de oferecê-la como consumação do meu caminho rumo a Vós.

 

13ª Estação: O corpo de Jesus é retirado da cruz e recebido por Maria.

Oração: Jesus, que eu possa estar nos braços de Maria nos momentos mais difíceis da minha vida e experimentar sempre a sua proteção amorosa de Mãe.

 

14ª Estação: O corpo de Jesus é colocado no sepulcro.

Oração: Maria, minha Mãe! Assim como João te acolheu como filho amoroso e fiel após a morte de Jesus, que eu também possa estar sempre contigo como filho amoroso e fiel.

 

Oração final

Senhor, que a meditação das vossas dores e sofrimentos destrua a minha soberba, suavize o meu coração e o prepare para receber o vosso inesgotável amor e perdão. Que, consciente das minhas quedas e defeitos, em meio às minhas penas e trabalhos, eu vos busque sempre e, contemplando o vosso coração aberto e ferido por amor a mim, mergulhe nele como uma gota de água na imensidão da vossa misericórdia. Amém.

 

Fonte: pt.aleteia.org


sábado, fevereiro 17, 2024

QUARTA-FEIRA DE CINZAS









Certa vez João XXIII recebeu no Vaticano uma delegação de paraquedistas franceses, aos quais teceu um grande elogio por causa da sua profissão. Perfilados e briosos, estavam os soldados em continência diante do Papa, de cujo elogio se sentiam orgulhosos. Mas, aos poucos a conversação do Pontífice transformou-se em exortação: “aprendeis com grande entusiasmo como se faz para cair do céu; não quero, porém, que vos esqueçais como se faz para subir aos céus”.

 

Queremos subir aos céus Nós sabemos como subir ao céu A pergunta não é ingênua nem desnecessária, pois muitos querem subir aos céus, mas não sabem o caminho, que é Cristo: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). O caminho que o Senhor percorreu e que, de uma maneira concreta, nos indicou foi o da santa cruz. Efetivamente, nós começamos a quaresma comemorando a cruz em nossas vidas através da abstinência de carne (a partir dos 14 anos de idade) e do jejum (a partir dos 18 anos até os 60 começados). Na raiz da alegria que o cristão sente encontra-se a santa cruz. “Onde a mão sente a picada dos espinhos, os olhos descobrem um ramo de rosas esplêndidas, cheias de aroma” (S. Josemaría Escrivá).

 

“Rasgai vossos corações” – nos diz o profeta Joel (2,13) –, mas rasgai-o através da mortificação, da penitência, de uma entrega generosa ao Senhor e através do trato íntimo com Deus na oração. Rasguem os seus corações no Sacramento da Reconciliação, não esperem que chegue a Semana Santa para confessar-se (pode acontecer que não dê tempo… as filas podem ser enormes!). “Agora é o tempo favorável, agora é o dia da salvação” (2 Cor 6,2). Nesta quaresma é bom fazer o de sempre – oração, jejum e esmola –, porém, com maior fervor.

 

É preciso dedicar um tempo para estar com o Senhor, para conversar com ele. Ele falará aos nossos corações, nos instruirá. É muito aconselhável meditar a Paixão de Cristo, quem sabe ver aquele filme de Mel Gibson que leva esse título. Santo Tomás de Aquino dizia que “a paixão de Cristo é suficiente para informar toda a nossa vida. Quem quiser viver perfeitamente, basta que despreze aquilo que Cristo na Cruz desprezou e deseje aquilo que Ele na Cruz desejou”. Na Paixão do Senhor encontraremos o exemplo de caridade, paciência, humildade, obediência, desprendimento, pobreza, temperança etc. Imitemos a Cristo, nosso único modelo; foi assim que muitos dos nossos irmãos foram santos: eles imitaram a Cristo.

 

Sem esvaziar o significado original do “jejum”, plenamente válido, vamos ampliá-lo a todas aquelas mortificações que nós fazemos no dia-a-dia e que contribuem à felicidade dos outros. Exemplos de mortificação: sorrir também quando não se tem muita vontade, ceder o lugar para uma senhora de idade no ônibus, não pegar sempre o bife maior da frigideira, ficar alguma vez sem um café da manhã, levantar na hora certa e sem demora, deixar de comer alguma coisa gostosa ou pelo menos comer menos da mesma, não ser caprichoso na comida (comer também aquilo que não se gosta), entre outras. Todas as nossas mortificações terão o tamanho do nosso amor para com o nosso Deus e Senhor. Aceitemos – e essa é penitência assaz agradável a Deus – aqueles sacrifícios que nós não buscamos, mas que são-nos oferecidos no dia-a-dia: as contradições, as dores de cabeça, a doença que nós achamos inoportuna etc.

 

A palavra “esmola” pode ser traduzida pelo empenho que nós colocamos em servir aos outros. É uma luta constante, já que o nosso egoísmo muitas vezes não nos permite pensar nos demais. Como se não bastasse o egoísmo, vem também o orgulho – bradando que não quer servir – e a preguiça – que impede a execução do bem apreendido pela inteligência e desejado pela vontade.

 

Quando vamos corresponder a tanto amor de Deus Até quando continuaremos a acender uma vela a São Miguel e outra ao diabo A quaresma é um tempo para deixar que Deus conserte as nossas vidas, para fazer penitência pelos próprios pecados, talvez pelos cometidos no carnaval, por exemplo. Jesus passou no deserto 40 dias em oração e fazendo penitência. Unamo-nos ao Senhor nesses 40 dias em oração e em penitência. Não podemos perder tempo! Pode ser oportuno lembrar que um ano a mais é um ano a menos, estamos cada vez mais próximos da eternidade. Além do mais, nós sabemos como subir ao céu porque Cristo nos ensinou.

 

O caminho não é largo, é estreito. Seria bom que entrássemos em regime para passar pela porta estreita. Falo do regime espiritual que consiste em abandonar o mal que se encontra nas nossas vidas e em apegar-nos ao bem. Para isso, é importante que você tenha um plano concreto de oração e de penitência: qual é o dia do seu jejum O que você vai renunciar nessa quaresma como prova do seu amor a Deus Já pensou em meditar a Via Sacra às sextas-feiras da quaresma Participará da procissão da penitência Deus gosta que sejamos bem objetivos no plano da nossa santificação, que tenhamos propósitos concretos, que coloquemos em prática sem demora aquilo que nós determinamos.

 

Por outro lado, a quaresma não é um tempo triste, é um tempo de preparação para celebrar a grande solenidade da Páscoa do Senhor. A oração, o jejum e a esmola dar-nos-ão a alegria de saber-nos muito pequenos diante do nosso Pai do céu e de abandonar-nos em suas mãos, sabendo que somos pó e ao pó retornaremos.











quinta-feira, fevereiro 15, 2024

POR QUE 40 DIAS DE QUARESMA?






O que é a Quaresma? Desde quando se vive a Quaresma? Qual o sentido da Quaresma?

Chamamos Quaresma ao período de quarenta dias (quadragesima) dedicado à preparação da Páscoa. Desde o século IV manifesta-se a tendência a apresentar este período como tempo de penitência e de renovação para toda a Igreja, com a prática do jejum e da abstinência.

“Todos os anos, pelos quarenta dias da Grande Quaresma, a Igreja une-se ao mistério de Jesus no deserto” (Catecismo da Igreja Católica, 540). Ao propor aos seus fiéis o exemplo de Cristo que se retira para o deserto, prepara-se para a celebração das solenidades pascais, com a purificação do coração, uma prática perfeita da vida cristã e uma atitude penitencial.

 

Contemplar o mistério

Não podemos considerar esta Quaresma como uma época a mais, como uma simples repetição cíclica do tempo litúrgico. Este momento é único; é uma ajuda divina que temos que aproveitar. Jesus passa ao nosso lado e espera de nós – hoje, agora – uma grande mudança.

É Cristo que passa, 59

 

Quando começa e termina o tempo da Quaresma? Quais os dias e os tempos penitenciais? O que se deve viver nas sextas-feiras da Quaresma?

A Quaresma começa na quarta-feira de Cinzas e termina imediatamente antes da Missa Vespertina in Coena Domini (quinta-feira Santa). “Os dias e tempos de penitência na Igreja universal são todas as sextas-feiras do ano e o tempo da Quaresma” (Código de Direito Canônico, 1250).

Estes tempos são particularmente apropriados para os exercícios espirituais, as liturgias penitenciais, as peregrinações em sinal de penitência, as privações voluntárias como o jejum e a esmola, a partilha fraterna (obras caritativas e missionárias). Catecismo da Igreja Católica, 1438

Lembrando o dia em que Jesus Cristo morreu, “Guarde-se (…) a abstinência e o jejum na quarta-feira de Cinzas e na sexta-feira da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Código de Direito Canônico, 1251).

 

Contemplar o mistério

O chamado do Bom Pastor chega até nós: Ego vocavi te nomine tuo, eu te chamei pelo teu nome. É preciso responder – amor com amor se paga – dizendo: Ecce ego quia vocasti me ,chamaste-me e aqui estou. Estou decidido a não permitir que este tempo de Quaresma passe como passa a água sobre as pedras, sem deixar rasto. Deixar-me-ei empapar, transformar; converter-me-ei, dirigir-me-ei de novo ao Senhor, amando-o como Ele deseja ser amado. É Cristo que passa, 59

O que é a quarta-feira de Cinzas? Quando começou a prática da imposição das cinzas? Quando se benzem e se impõem? De onde provêm as cinzas? Que simbolizam as cinzas?

A quarta-feira das Cinzas é o princípio da Quaresma, dia especialmente penitencial, em que os cristãos manifestam o desejo pessoal de conversão a Deus. A imposição das cinzas é um convite a percorrer o tempo da Quaresma como uma imersão mais consciente e mais intensa no mistério pascal de Jesus, na sua morte e ressurreição, mediante a participação na Eucaristia e na vida de caridade. A origem da imposição das cinzas pertence à estrutura da penitência canônica. Começa a ser obrigatória para toda a comunidade cristã a partir do século X. A liturgia atual conserva os elementos tradicionais: imposição das cinzas e jejum rigoroso.

A imposição das cinzas é um convite a percorrer o tempo da Quaresma como uma imersão mais consciente e mais intensa no mistério pascal de Jesus, na sua morte e ressurreição, mediante a participação na Eucaristia e na vida de caridade.

A bênção e imposição das cinzas realiza-se dentro da Missa, depois da homilia, embora em circunstâncias especiais se possa fazer dentro de uma celebração da Palavra. As fórmulas de imposição das cinzas inspiram-se na Sagrada Escritura (Gn 3, 19 e Mc 1, 15). As cinzas procedem dos ramos benzidos no Domingo da Paixão do Senhor, do ano anterior, seguindo um costume que remonta ao século XII. A fórmula da bênção lembra a condição de pecadores de quem as vai receber. Simboliza a condição débil e caduca do homem, que caminha para a morte, a sua situação pecadora, a oração e a prece ardente para que o Senhor venha em seu auxílio, a Ressurreição, já que o homem está destinado a participar do triunfo de Cristo.

 

Contemplar o mistério

Quanto mais fores de Cristo, maior graça terás para a tua eficácia na terra e para a felicidade eterna.

Mas tens de decidir-te a seguir o caminho da entrega: a Cruz às costas, com um sorriso nos lábios, com uma luz na alma. Via Sacra, II Estação, ‘Jesus toma a sua Cruz’.

 

Qual é o convite da Igreja na Quaresma?

A Igreja convida os seus fiéis a fazerem deste tempo como que um retiro espiritual em que o esforço de meditação e de oração deve ser sustentado por um esforço de mortificação pessoal cuja medida é deixada à livre generosidade de cada um.

Bem vivida, a Quaresma conduz a uma conversão pessoal autêntica e profunda, a fim de participar na festa maior do ano: o Domingo da Ressurreição do Senhor.

 

Contemplar o mistério

Há no ambiente uma espécie de medo à Cruz, à Cruz do Senhor. É porque começaram a chamar cruzes a todas as coisas desagradáveis que acontecem na vida, e não sabem levá-las com sentido de filhos de Deus, com visão sobrenatural. Até arrancam as cruzes que os nossos avós plantaram pelos caminhos…

Na Paixão, a Cruz deixou de ser símbolo de castigo para converter-se em sinal de vitória. A Cruz é o emblema do Redentor: in quo est salus, vita et resurrectio nostra: ali está a nossa saúde, a nossa vida e a nossa ressurreição. Via Sacra, II Estação: ‘Jesus toma a sua Cruz’

 

O que é a penitência? De que modo a penitência se revela na vida cristã?

A penitência é a tradução latina da palavra grega metanoia que na Bíblia significa conversão (mudança espiritual) do pecador. Designa todo um conjunto de atos interiores e exteriores dirigidos à reparação do pecado cometido, e o estado das coisas que daí redunda para o pecador. À letra, mudança de vida diz-se do ato do pecador que volta a Deus depois de ter estado afastado d’Ele, o do incrédulo que alcança a Fé.

“A penitência interior do cristão pode ter expressões muito variadas. A Escritura e os Padres insistem sobretudo em três formas: o jejum, a oração e a esmola que exprimem a conversão, em relação a si mesmo, a Deus e aos outros. A par da purificação radical operada pelo Baptismo ou pelo martírio, citam, como meios de obter o perdão dos pecados, os esforços realizados para se reconciliar com o próximo, as lágrimas de penitência, a preocupação com a salvação do próximo, a intercessão dos santos e a prática da caridade ‘que cobre uma multidão de pecados’ (1 Pe 4, 8)” Catecismo da Igreja Católica, n.1434.

Estas e muitas outras formas de penitência podem ser praticadas na vida quotidiana do cristão, especialmente no tempo da Quaresma e no dia penitencial de Sexta-feira. Compêndio do Catecismo, 301.

 

Contemplar o mistério

A conversão é obra de um instante; a santificação é tarefa de toda a vida. A semente divina da caridade, que Deus depositou em nossas almas, aspira a crescer, a manifestar-se em obras, a dar frutos que correspondam em cada momento ao que é agradável ao Senhor. Por isso é indispensável que estejamos dispostos a recomeçar, a reencontrar – nas novas situações da nossa vida – a luz e o impulso da primeira conversão. Esta é a razão pela qual nos devemos preparar com um exame profundo, pedindo ajuda ao Senhor, para que possamos conhecê-lo melhor e conhecer-nos melhor. Não existe outro caminho, se queremos converter-nos de novo. É Cristo que passa, 58.

 

O que é a conversão? Porque têm de se converter os cristãos já batizados?

Converter-se é reconciliar-se com Deus, afastar-se do mal, para restabelecer a amizade com o Criador. Supõe e inclui o arrependimento e a Confissão de todos e de cada um dos nossos pecados. Uma vez em graça (sem consciência de pecado mortal), devemos propor-nos mudar a partir de dentro (em atitudes) tudo aquilo que não agrada a Deus.

Ora, o apelo de Cristo à conversão continua a fazer-se ouvir na vida dos cristãos. Esta segunda conversão é uma tarefa ininterrupta para toda a Igreja, que ‘contém pecadores no seu seio’ e que é, ‘ao mesmo tempo, santa e necessitada de purificação, prosseguindo constantemente no seu esforço de penitência e de renovação’ (Lumen Gentium, 8). Este esforço de conversão não é somente obra humana. É o movimento do ‘coração contrito’ (Sl 51, 18) atraído e movido pela graça (cf. Jn 6,44; 12,32) para responder ao amor misericordioso de Deus, que nos amou primeiro (cf 1 Jo 4,10). Catecismo da Igreja Católica, 1428

 

Contemplar o mistério

Entramos no tempo da Quaresma: tempo de penitência, de purificação, de conversão. Não é tarefa fácil. O cristianismo não é um caminho cômodo: não basta estar na Igreja e deixar que os anos passem. Na nossa vida, na vida dos cristãos, a primeira conversão – esse momento único, que cada um de nós recorda, e em que se percebe claramente tudo o que o Senhor nos pede – é importante; mas ainda mais importantes, e mais difíceis, são as sucessivas conversões. E para facilitar o trabalho da graça divina com estas conversões sucessivas, é preciso conservar a alma jovem, invocar o Senhor, saber escutar, descobrir o que vai mal, pedir perdão. É Cristo que passa, 57

 

Precisamos persuadir-nos de que Deus nos ouve, de que está com os olhos postos em nós; assim se inundará de paz o nosso coração. Mas viver com Deus é indubitavelmente correr um risco, porque o Senhor não se satisfaz compartilhando: quer tudo. E aproximar-se um pouco mais d’Ele significa estarmos dispostos a uma nova conversão, a uma nova retificação, a escutar mais atentamente as suas inspirações, os santos desejos que faz brotar na alma, e a pô-los em prática. É Cristo que passa, 58

 

Como concretizar o meu desejo de conversão?

De diferentes modos, mas sempre realizando obras de conversão, como por exemplo: Recorrer ao Sacramento da Reconciliação (Sacramento da Penitência ou Confissão), superar as divisões, perdoando e crescer em espírito fraterno; praticando as Obras de Misericórdia.

 

Contemplar o mistério

Aconselho-te que tentes alguma vez voltar… ao começo da tua “primeira conversão”, coisa que, se não é fazer-se como criança, é muito parecida: na vida espiritual, é preciso deixar-se guiar com inteira confiança, sem medos nem duplicidades; é preciso falar com absoluta clareza daquilo que se tem na cabeça e na alma. Sulco, 145

Que obrigações tem um católico na Quaresma? Em que consiste o jejum e a abstinência? A quem obrigam? Pode mudar-se a prática do jejum e da penitência?

Os católicos devem cumprir o preceito da Igreja do jejum e da abstinência de carne (Compêndio do Catecismo 432): nos dias estabelecidos pela Igreja, assim como o da confissão e Comunhão anual.

O jejum consiste em tomar uma única refeição no dia, embora se possa comer menos do que é costume de manhã e à noite. Em caso de doença, a pessoa é dispensada de jejuar. São obrigados a viver a lei do jejum todos os maiores de idade, até terem cumprido cinquenta e nove anos de idade (cf. CIC, 1252).

Abstinência significa privar-se de comer carne (vermelha ou branca e seus derivados). A lei da abstinência obriga os que já cumpriram catorze anos de idade (cf. CIC, 1252). “A Conferência episcopal pode determinar mais pormenorizadamente a observância do jejum e da abstinência, e bem assim substituir outras formas de penitência, sobretudo obras de caridade e exercícios de piedade, no todo ou em parte, pela abstinência ou jejum” (Código de Direito Canônico, 1253).

A CNBB esclarece que “No Brasil, toda sexta-feira do ano é dia de penitência, a não ser que coincida com solenidade do calendário litúrgico. Os fiéis nesse dia se abstenham de carne ou outro alimento, ou pratiquem alguma forma de penitência, principalmente obra de caridade ou exercício de piedade. A Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira Santa, memória da Paixão e Morte de Cristo, são dias de jejum e abstinência. A abstinência pode ser substituída pelos próprios fiéis por outra prática de penitência, caridade ou piedade, particularmente pela participação nesses dias na Sagrada Liturgia” (Legislação complementar da CNBB quanto aos cânones 1251 e 1253 do Código de Direito Canônico).

 

 

Contemplar o mistério

É preciso decidir-se. Não é lícito viver mantendo acesas, como diz o povo, uma vela a São Miguel e outra ao diabo. É preciso apagar a vela do diabo. Temos que consumir a nossa vida fazendo-a arder por completo ao serviço do Senhor. Se o nosso propósito de santidade for sincero, se tivermos a docilidade de nos abandonarmos nas mãos de Deus, tudo correrá bem. Porque Ele está sempre disposto a dar-nos a sua graça e, especialmente neste tempo, a graça para uma nova conversão, para uma melhora na nossa vida de cristãos. É Cristo que passa, 59

 

Qual o sentido de praticar o jejum e a abstinência?

Deve cuidar-se o viver o jejum ou a abstinência não como uns mínimos, mas como um modo concreto com que a nossa Mãe a Igreja nos ajuda a crescer no verdadeiro espírito de penitência.

Como já acontecia com os profetas, o apelo de Jesus à conversão e à penitência não visa primariamente as obras exteriores, «o saco e a cinza», os jejuns e as mortificações, mas a conversão do coração, a penitência interior: Sem ela, as obras de penitência são estéreis e enganadoras; pelo contrário, a conversão interior impele à expressão dessa atitude cm sinais visíveis, gestos e obras de penitência (cf. Jl 2,12-13; Is 1,16-17; Mt 6,1-6. 16-18). Catecismo da Igreja Católica, 1430

 

Contemplar o mistério

No Novo Testamento, Jesus refere a razão profunda do jejum, ao estigmatizar a atitude dos fariseus que observavam escrupulosamente as prescrições que a lei impunha, mas o coração deles estava longe de Deus. O verdadeiro jejum, repete noutra ocasião o divino Mestre, consiste antes em cumprir a vontade do Pai celestial, que “vê no segredo e te recompensará” (Mt 6,18).


Fonte: opusdei.org/pt-br/article/porque-40-dias-de-quaresma/

sexta-feira, fevereiro 09, 2024

ENTENDA PORQUE É UM ESCÂNDALO A BÊNÇÃO A CASAIS IRREGULARES E PARES DO MESMO SEXO








Na segunda-feira, 18 de dezembro de 2023, o Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF) publicou uma Declaração assinada no mesmo dia pelo Papa Francisco, autorizando, por motivos de caridade pastoral, a bênção de casais “em situação irregular” – em outras palavras, casais não casados ou divorciados e recasados, bem como casais do mesmo sexo.

Neste texto bastante longo , o DDF justifica esta decisão apoiando-se no ensinamento de Francisco e, em particular, na resposta que ele deu às dubia dos cinco cardeais – estranhamente mencionadas duas vezes no texto – justificando a sua acção como a de “ um instrumento ao serviço do sucessor de Pedro”.

Aliás, o cardeal Víctor Manuel Fernández, “Tucho”, reconheceu na sua prosa um caráter “inovador”, que poderia ser traduzido como “não tradicional”. Pensa até em dar um novo significado “ pastoral ” às bênçãos, “permitindo ampliar e enriquecer a compreensão clássica das bênçãos, que está intimamente ligada a uma perspectiva litúrgica”, o que mostra sobretudo a sua ignorância.

 

Um texto escandaloso

É importante salientar o caráter escandaloso deste texto, que, apesar da contorção semântica , parece contrariar a decisão anterior da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF). Essa decisão, datada de 22 de fevereiro de 2021, negou a possibilidade de tal bênção, com explicação que não deixou brechas . Foi uma decisão que foi aprovada por Francisco, aliás.

O escândalo reside no facto de que, mesmo que a CDF tenha o cuidado de evitar qualquer semelhança com o casamento, o resultado produzido nos fiéis, nos jornais e nos não católicos, é de afirmação: “A Igreja autoriza a bênção de casais do mesmo sexo”, sem quaisquer outras distinções que o dicastério tente estabelecer.

No entanto, é impossível que a Cúria não tenha antecipado este resultado: a CDF é, portanto, inteiramente responsável pelo escândalo, que segundo a sua definição consiste numa ocasião para cair, isto é, para pecar . É absolutamente evidente que, no pensamento de muitas pessoas, fiéis ou não, este anúncio é uma forma de dizer que a Igreja aceita – sem nada a acrescentar – estas situações.

 

Uma distinção ineficaz

O argumento que leva à conclusão é a distinção entre bênção litúrgica e bênção não litúrgica. Excluída a primeira, aceita-se a segunda nas condições enumeradas no n.º 1. 39: “esta bênção nunca deve ser concedida em concomitância com as cerimônias de uma união civil, e nem mesmo em conexão com elas. Nem pode ser realizado com roupas, gestos ou palavras próprias de um casamento.”

Mas o problema não está na distinção em si; está no próprio objeto da bênção que, litúrgica ou não, não deve  ser má ou imoral. Se uma mulher que deseja fazer um aborto pede a um padre que a abençoe para que tudo corra bem, ele deve conceder-lhe uma bênção? De acordo com os termos da Declaração, parece que a resposta poderia ser: “sim”. Toda pessoa sensata entende que a bênção não pode ser concedida a esta mulher, exceto com o objetivo de ajudá-la a evitar cometer este crime.

É verdade que o sacerdote pode abençoar “todos”, mesmo que a pessoa seja homossexual ou viva com outra sem ser casada. Da mesma forma, no confessionário, se, por um motivo válido, o sacerdote recusar a absolvição num ou noutro caso, pode abençoar o penitente para o encorajar e pedir-lhe a graça da iluminação e da força.

Mas na bênção de um “casal”, o próprio objecto da bênção é esta união ilegítima que a doutrina católica condena. E dizer, no parágrafo nº. 40, que nesta bênção “não há intenção de legitimar nada”, é na melhor das hipóteses um desejo vão, na pior das hipóteses um perjúrio. Pois aos olhos daqueles que são abençoados, assim como daqueles que os rodeiam, é uma legitimação.

 

A falsa salvaguarda da bênção não litúrgica

No parágrafo nº. 37, o texto utiliza a resposta às dubia dos cinco cardeais: esta resposta insiste no facto de que “as decisões que podem fazer parte da prudência pastoral em certas circunstâncias não devem necessariamente tornar-se uma norma”. O DDF conclui no parágrafo no. 38: “Por isso não se deve prever nem promover ritual de bênção de casais em situação irregular”.

O perigo para o Papa, conforme parágrafo no. 37 explica, seria “levar a uma casuística intolerável”, conforme parágrafo no. 304 de Amoris laetitia . Mas o Cardeal Joseph Zen já respondeu a tal pretensão no seu comentário sobre a resposta de Francisco às dubia dos cinco cardeais.

Quanto ao facto de Francisco não querer uma regra precisa para estas bênçãos, isto “é pastoralmente insustentável”, afirma o cardeal chinês. “Como pode a Igreja, num assunto tão importante, deixar as pessoas sem uma regra clara e confiar no discernimento individual? Não será assim que irromperá um caos de casuística muito perigoso para as almas?”

Nesse sentido, surge uma questão: irá a DDF pedir aos episcopados ou bispos que já promulgaram tais fórmulas litúrgicas – o episcopado belga de língua holandesa, bem como alguns bispos alemães – que as retirem? O caos casuístico já começou.

Em conclusão, esta Declaração, que conduz o texto revolucionário da Amoris laetitia às suas consequências finais – que alguns já tinham antecipado –, introduz uma semente de divisão profunda e causará danos incalculáveis ​​na Igreja. Só podemos esperar que as reações a ele dêem rapidamente aos autores uma compreensão disso.

 

Fonte: Templário de Maria


quinta-feira, fevereiro 08, 2024

ARTIGO SOBRE O LIVRO DO CARDEAL SARAH





O título é do mais sugestivo: a força do silencio, contra a ditadura do ruido. O autor, um Cardeal Africano que foi Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a disciplina dos sacramentos, também me provocou. Decidi ler o livro sabendo que encontraria, sem dúvida, conselhos de índole espiritual mas também muitos outros aspectos aplicáveis na vida quotidiana, na trincheira. Não me enganei, li, gostei. Tanto que não posso evitar fazer alguns comentários -sem pretensão de resumir um livro que deve ser lido e meditado- a modo de instigação, e como matéria de reflexão: pessoal, em primeiro lugar, e que talvez possa ajudar outros.

Logo no início, Sarah situa o tema da necessidade do silêncio perante o tumulto em que vivemos: “ Nosso mundo deixou de ouvir a Deus, porque não para de falar em ritmo letal e velocidade para não dizer nada. A civilização moderna não sabe calar. Vive em monólogo permanente. A sociedade pós-moderna rejeita o passado e considera o presente um vil objeto de consumo: contempla o futuro entre os raios de um progresso quase obsessivo. Seu sonho, transformado em triste realidade, foi trancar o silêncio em um calabouço úmido e escuro. A partir de então, instaurou-se uma ditadura da palavra, uma ditadura da ênfase verbal. Naquele cenário sombrio, resta apenas uma chaga purulenta de palavras mecânicas, sem alívio, sem verdade e sem fundamento. Muitas vezes a verdade não passa de uma criação midiática enganosa e consolidada por imagens e testemunhos inventados”.

Obviamente, o silêncio é condição indispensável para escutar a Deus, de acordo com o cardeal Sarah, que cita oportunamente outro cardeal, Newman: “Quanto mais perto estamos do Espírito Santo, mais silenciosos ficamos; e, quanto mais nos afastamos Dele, mais charlatães”. Mas também é necessário para funcionar na vida, já que “o silêncio da escuta é atenção, é dom de si e sinal de elegância moral”. E acrescenta: “O perigo atual reside no ativismo desenfreado do mundo moderno. Somos constantemente chamados a lutar, a fazer campanha, a derrubar o adversário, a destruí-lo. Na verdade, o homem é encorajado a adicionar mais mal ao mal, quando o joio e o trigo devem crescer. O silêncio nos dará paciência para esperar o momento em que as ervas daninhas morrerão sozinhas. Graças ao silêncio saberemos acompanhar o tempo e esperar com perseverança a hora de Deus para estabelecer uma aliança com Ele e agir sob a sua batuta. Há tempo de lutar e tempo de calar. Se realmente dominássemos a pedagogia do silêncio que vem de Deus, teríamos um pouco da paciência do Céu”.

Silencio e elegância para poder tratar os outros convenientemente: “O silêncio é essa última trincheira que ninguém pode atravessar, a única sala onde encontrar a paz, o estado em que o sofrimento baixa os braços por um instante. O silêncio fortalece nossa fraqueza. O silêncio nos arma de paciência. O silêncio em Deus devolve a coragem (…) Penso também nas guerras da calúnia e da difamação. A palavra pode matar, a linguagem pode matar, mas Deus nos educa no perdão. Nos ensina a orar por nossos inimigos. Cerca nossos corações com uma cerca de ternura para evitar que o ressentimento o manche. E murmura incessantemente: «Os discípulos do meu Filho bem-amado não têm inimigos. Nem seu coração deve ter inimigos.”

O problema do mal e o aparente silêncio de Deus perante a injustiça é tema abordado com particular acerto, invocando um filósofo judeu alemão que colabora nesta resposta: “Hans Jonas, tentou responder a esta dolorosa pergunta em seu livro O Conceito de Deus depois de Auschwitz: ‘O que Auschwitz tem a acrescentar ao que sempre se soube sobre os extremos do horrível e terrível que os seres humanos podem e sempre infligiram aos outros? Naturalmente, Hans Jonas questiona Deus: «Deus permitiu. Que tipo de Deus poderia permitir isso? Deus Todo-Poderoso não interveio para impedir a matança selvagem de seu povo. E por que ele permitiu? Hans Jonas responde: “Para que o mundo exista, Deus renuncia ao seu próprio ser.” O que quer dizer com isso? «Para dar espaço ao mundo, o Infinito teve que se recolher em si mesmo e assim deixar nascer fora Dele o vazio, o nada, no qual e a partir do qual poderia criar o mundo. Sem este recolhimento em si mesmo, nada mais poderia existir ao lado de Deus». A sua conclusão é fácil de adivinhar: «Ao fazer isto, Deus, desde o momento da criação, torna-se um Deus sofredor, porque terá de sofrer por causa do homem e ser decepcionado por ele. Ele também será um Deus preocupado, simplesmente porque confiou o mundo a outros agentes além dele mesmo, a agentes livres. Em suma, ele é um Deus em perigo, um Deus em seu próprio perigo. Portanto, Deus não é um Deus todo-poderoso. Para que a bondade de Deus seja compatível com a existência do mal, é necessário que ele não seja todo-poderoso. Mais exatamente: esse Deus deve ter renunciado ao poder. No simples fato de admitir a liberdade humana reside uma renúncia ao poder”.

Parágrafo emocionante que é complementado por uma lembrança esclarecedora, na mesma sintonia do raciocínio de H. Jonas: “Este problema me faz lembrar a carta de uma mãe movida pela ideia da vulnerabilidade de Deus: ‘Quando meus filhos eram pequenos, quem pensava por eles e decidia por eles era eu. Tudo era fácil: a única coisa em jogo era a minha liberdade. Mas, a certa altura, quando percebi que o meu papel consistia em habituá-los a escolher, senti – assim que aceitei – que a inquietação me invadiu. Ao deixar que meus filhos tomem decisões e, portanto, corram riscos, ao mesmo tempo também arrisquei ver outras liberdades além da minha aparecerem (…)Assim consegui vislumbrar como é possível que Deus “Pai” sofra. Nós somos seus filhos. Ele quer que sejamos livres para nos construirmos e a Infinidade do seu Amor o impede de qualquer coerção. Amor perfeito, sem traço de cálculo, mas que implica a aceitação de um sofrimento inerente àquela liberdade total que Ele quer para nós”

O cardeal, homem estudado, sabe integrar as culturas variadas. E embora não faça concessões (por exemplo, quando diz, eu sou africano mas a liturgia da Igreja não é o local para promover o meu folclore), invoca por exemplo tradições do Islã mítico. É o caso da história de Suturá, uma boa mulher, que foi visitar um sábio porque estava muito irritável e queria uma benção dele para tornar-se doce, amável, paciente. O menino de 3 anos acompanhou a mãe e, enquanto ela falava com o sábio, bateu nela com uma tábua. Ela sorriu, deu um tapa carinhoso no menino e comentou com o sábio que era um menino mau tratando assim a própria mãe. O sábio a fez notar que, embora estivesse irritada e sem paciência, não o tinha demonstrado com o episódio do menino. ‘Mas é somente uma criança, e meu filho’ -disse ela. E o sábio: ‘ Você não precisa de benção, mas apenas dessa atitude maternal com tudo o que você diz que a irrita’. A mulher seguiu o conselho e morreu com fama de santidade e de imensa paciência.

O silêncio é o que facilita o próprio conhecimento, do qual fugimos sistematicamente, mesmo sem percebermos. “É paradoxal que o silêncio externo e a solidão, cujo objetivo é facilitar o silêncio interno, comecem por trazer à tona todo o barulho que há em nós. Se você carrega um rádio no bolso, é possível que no meio da agitação de uma cidade ou de uma rua você não perceba, pois seu som se mistura com o ambiente. Mas se entrarem em uma igreja, não demorará muito para que percebam uma tagarelice constante saindo de seus bolsos: a primeira coisa que farão é tentar desligá-la. Infelizmente, não há botão para diminuir a tagarelice da nossa imaginação… A primeira fase é estarmos atentos a ela, por menos que gostemos (…)  O narcisismo do excesso de palavras é uma tentação de Satanás. Ela carrega uma forma de exterioridade detestável em que o homem jaz na superfície de si mesmo fazendo barulho para não ouvir Deus (…)O exibicionismo espiritual, que consiste em exteriorizar os tesouros da alma expondo-os desavergonhadamente, indica uma trágica pobreza humana e a manifestação de nossa superficialidade. Muitas vezes falamos porque acreditamos que os outros esperam de nós. Não sabemos ficar calados porque nossa represa interior está tão rachada que não detém mais a maré de nossas palavras. O silêncio de Deus deve nos ensinar que devemos ficar em silêncio com frequência”

Conhecer-se e conhecer a Deus, que Santo Agostinho destacou com a sua magnífica frase: noverim te, noverim me. O que exige paz e sossego, também em palavras do bispo de Hipona: “Para os amigos deste mundo não há nada mais difícil do que não trabalhar”. E o cardeal glossa a seguir: “Eu creio que Deus fala em silêncio. Sua discrição, seus modos delicados, infinitamente respeitosos com nossa liberdade, não param de me surpreender. Somos frágeis como vidro, e Deus modera seu poder e sua palavra para adaptá-los à nossa fraqueza(…) O amor não é imposto: não pode ser imposto. E, como Deus é amor infinito, seu respeito e delicadeza nos desconcertam. Justamente por estar presente em todos os lugares, é escondido com ainda mais cuidado, para não se impõe (…) Deus é uma realidade profundamente interna ao homem e, portanto, o homem só pode encontrá-lo evitando sair de si mesmo, não cedendo ao fascínio da exterioridade e voltando-se para a interioridade. O caminho que conduz a Deus é o da interioridade. Nada que é de Deus faz barulho. Nada é violento: tudo é delicadeza, pureza e silêncio”.

Não poderiam faltar no livro, advertências relacionadas com o culto divino, tarefa que o autor desempenhou com afinco, e pilotou com conceitos claros: “Hoje em dia, muitas vezes tenho a impressão de que o culto católico passou da adoração a Deus para a ostentação do padre, dos ministros e dos fiéis. Eles conseguiram impor aplausos, mesmo nos funerais, substituindo o luto que costuma ser expresso com lágrimas: Cristo não chorou a morte de Lázaro? Quando o aplauso irrompe na liturgia, é um sinal seguro de que a Igreja perdeu a essência do sagrado (…) Às vezes tenho a impressão de que os celebrantes temem tanto a oração interior pessoal e livre dos fiéis que não param de falar desde o início da celebração até o final para não perder o controle (..) A celebração voltada para o Oriente facilita o silêncio. De fato, para o celebrante a tentação de monopolizar a palavra é menor. Voltado para o Senhor, é menos provável que se torne um professor que passa toda a Missa dando aula, reduzindo o altar a uma plataforma cujo eixo não seria a cruz, mas o microfone. Estou convencido de que nós sacerdotes não usamos o mesmo tom de voz quando celebramos voltados para o Oriente. Sentimo-nos muito menos tentados a virar espetáculo, a acreditar que somos atores!, como diz o Papa Francisco (…)A liturgia não é um lugar para celebrações humanas, nem para paixões, nem para cadeias de palavras dissonantes, mas apenas para adoração. Hoje o ruído invade muitas facetas da vida dos homens. A Igreja estaria cometendo um grave erro se acrescentasse mais barulho ao barulho. O amor não precisa de palavras”.

O silêncio configura-se também em resposta para os males do mundo, contra o que um ativismo febril poderia supor. “Quando o homem exerce violência contra o homem, a reconstrução é sempre difícil, longa e incerta. Quando se trata do mal, a humanidade é capaz de refinamento e imaginação inigualáveis. No entanto, o padre Jacques Mourad, um padre católico sírio mantido refém  na Síria por cinco meses, pôde dizer ao sair daquele inferno: ‘Deus me concedeu duas coisas: silêncio e bondade’. (…)Às vezes, os ditadores estão sinceramente convencidos de que estão fazendo a coisa certa. Aleksandr Solzhenitsyn explica esplendidamente como os líderes soviéticos estavam convencidos de que estavam conduzindo o país em direção ao paraíso terrestre”. 

Vale a pena trazer algumas das muitas citações que o cardeal Sarah sublinha no seu livro. Mas, antes, copio um parágrafo que acerta na essência do porque fugimos do silêncio: “Longe de Deus, o silêncio é um duro encontro consigo mesmo e com as realidades obscuras que vivem no fundo da nossa alma. A partir daí, o homem entra numa lógica que se assemelha a uma negação da realidade. Ele fica bêbado com todos os ruídos possíveis para esquecer quem ele é. O homem pós-moderno quer anestesiar seu próprio ateísmo”.

E citando autores variados, acrescenta: “O mais importante não é o que dizemos, mas o que Deus nos diz e o que diz através de nós (…) São João Crisóstomo assim formula esta regra: ‘Fala só quando é mais útil falar do que calar’. Santo Efrem concorda com ele e insiste: ‘Fala muito com Deus e pouco com os homens’. E no final, dois escritores. Um, para nos proteger contra a ditadura do ruído e do barulho : “se existe o direito à informação, também existe o direito de não ser informado” (Solzhenitsyn). E outro para lembrar que a felicidade é caminho para encontrar a Deus: “Para encontrar Deus é preciso ser feliz, porque quem o inventa com angústia vai muito rápido e pouco busca a intimidade de sua ardente ausência” (R.M. Rilke).

Concluindo, um último pensamento que fecha com elegância estes comentários: “Se caminhamos para Deus, chega um momento em que a palavra se torna inútil e perde o interesse, porque a única coisa que importa é a contemplação. O silêncio não é o exílio da palavra. É o amor da Palavra única. A abundância de palavras, ao contrário, é o sintoma da dúvida. A descrença é sempre falante”.  Calar e meditar, é o que se impõe no final da leitura deste livro peculiar. Ao tempo que invocamos a frase do salmo, tão necessária nos dias de hoje: In silentio et in spe, erit fortitudo vestra. Nossa fortaleza está no silêncio que alimenta a esperança!


Fonte: https://pablogonzalezblasco.com.br/2022/11/25/card-robert-sarah-a-forca-do-silencio/