Neste
Domingo de Ramos, iniciamos a Semana Santa. Um tempo sagrado, em que os passos
de Cristo nos conduzem à cruz — e além dela, à ressurreição. O Evangelho de
hoje é longo, doloroso, intenso. Narra a paixão do Senhor em cada detalhe:
traição, abandono, zombaria, flagelação, injustiça, morte. E, no coração desse
drama, ressoa um grito que rasga os céus e a alma: “Meu Deus, meu Deus, por que
me abandonastes?”
Essas
palavras, tiradas do Salmo 21, são talvez as mais misteriosas da boca de Jesus.
Não são palavras de desespero. São palavras de oração. Palavras que revelam a
profundidade da dor humana, mas também a força da fé que se agarra a Deus mesmo
no silêncio. Jesus, na cruz, experimenta o abismo da solidão. Não apenas a
ausência dos amigos, mas o aparente silêncio do Pai. Ele se faz solidário até
com quem perdeu toda esperança. Ele entra nas trevas do nosso sofrimento mais
íntimo.
“Meu
Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” Não é uma pergunta sem resposta. É um
clamor que expressa a condição humana. Todos nós, em algum momento, já sentimos
o peso do abandono. Quando perdemos alguém. Quando a dor parece sem sentido.
Quando a fé balança. Quando o céu parece fechado. Jesus vive isso por nós — e
conosco. Ele não foge da angústia. Ele a assume. E ao gritar, nos ensina a
rezar até com o pouco de fé que resta.
Mas
o Salmo não termina no abandono. Ele é um lamento que se transforma em louvor.
É uma noite que anuncia o dia. Jesus sabe disso. Ele grita porque confia. Ele
sofre, mas crê. E é por isso que a cruz não é o fim. É passagem. É portal. É
entrega total ao amor do Pai, que transforma a morte em vida.
Neste
domingo, seguramos ramos nas mãos. Ramos de alegria, como a multidão que
aclamava: “Hosana ao Filho de Davi!” Mas já sabemos que esses mesmos lábios
gritarão “Crucifica-o!” dias depois. O coração humano é inconstante. Por isso,
Jesus permanece fiel, mesmo quando todos ao redor vacilam.
Que
neste Domingo de Ramos, ao entrarmos com Cristo em Jerusalém, também entremos
com Ele no mistério da dor redentora. Que possamos, diante da cruz, repetir com
reverência, com fé, com verdade: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”
— não como quem perde a esperança, mas como quem se entrega totalmente nas mãos
de Deus.
Porque
é ali, no ponto mais baixo da nossa história, que a salvação começa. É do
silêncio do Pai que renasce a vida. É da cruz que brota a ressurreição. Amém.