terça-feira, março 28, 2017

CRISTÃO, ÓTIMO CIDADÃO - POR DOM FERNANDO RIFAN



A carta a Diogneto, joia da literatura cristã primitiva (ano 120 D.C.), descreve como era a vida dos primeiros discípulos: “Os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela terra, nem pela língua, nem pelos costumes... participam de tudo, como cidadãos...”.
Além dos deveres religiosos, nós, cristãos, temos os deveres de cidadãos, deveres civis e humanitários, para nós decorrentes do amor a Deus e à sua obra. O católico deve ser um excelente cidadão, educado e cumpridor dos seus deveres. Assim, católico não joga lixo na rua, católico não prejudica a natureza com um desmatamento desregrado, católico não suja os rios nem desperdiça a água, católico cuida da limpeza da sua cidade, fazendo a sua parte, católico não polui o ar com seu escapamento desregulado, nem com um som que incomoda os vizinhos, católico não atrapalha o trânsito nem causa tumulto e confusão por onde passa etc. 
Na Quaresma, tempo litúrgico no qual estamos, a Igreja nos convida à oração, ao jejum e à esmola, como preparação para a Páscoa. A Igreja no Brasil, incentivando-nos a esses exercícios espirituais, convida-nos também a um gesto concreto na área social, através da Campanha da Fraternidade. É claro que essa ação social não pode ocupar o lugar das obras espirituais e caritativas, nem se suplanta a elas, mas é o seu complemento.
Neste ano, a Campanha tem como lema “Cultivar e guardar a criação” (Gn 2,15), que foi a ordem de Deus dada ao homem ao cria-lo e ao entregar-lhe toda a maravilhosa natureza. Este lema nos alerta para o cuidado da Casa Comum, de modo especial dos biomas brasileiros. Bioma é o conjunto dos seres vivos de uma região: plantas, animais, enfim, todos os seres vivos. 
Deus espera de nós, como cristãos e cidadãos, o cuidado da criação e não sua destruição. Em sua mensagem aos fiéis brasileiros por ocasião da Campanha da Fraternidade deste ano, o Papa Francisco enfatiza alguns pontos da sua Encíclica Laudato Sí, sobre o cuidado da nossa casa comum, a terra e sua natureza: “O criador foi pródigo com o Brasil. Concedeu-lhe uma diversidade de biomas que lhe confere extraordinária beleza. Mas, infelizmente, os sinais da agressão à criação e da degradação da natureza também estão presentes... Já em 1979, a Campanha da Fraternidade que teve por tema “Por um mundo mais humano” assumiu o lema: ‘Preserve o que é de todos’. Então a CNBB apresentava à sociedade brasileira a preocupação com as questões ambientais e com o comportamento humano com relação aos dons da criação. O objetivo da Campanha da Fraternidade deste ano é cuidar da criação, de modo especial dos biomas brasileiros, dons de Deus, e promover relações fraternas com a vida e a cultura dos povos, à luz do Evangelho. Como ‘não podemos deixar de considerar os efeitos da degradação ambiental, do modelo atual de desenvolvimento e da cultura do descarte sobre a vida das pessoas’, a Campanha convida a contemplar, admirar, agradecer e respeitar a diversidade natural que se manifesta nos diversos biomas do Brasil, um verdadeiro dom de Deus, através da promoção de relações respeitosas com a vida e a cultura dos povos que neles vivem”.



*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney



segunda-feira, março 27, 2017

4º DOMINGO DA QUARESMA


Mais do que nunca o mundo anda a procura de luz. Não de uma luz qualquer, mas uma luz especial, capaz de iluminar a vida das pessoas, a ponto de dar-lhes um sentido para viver. Uma luz capaz de transformar as trevas — uma realidade na vida de muitas pessoas — como dizia Paulo, na 2ª leitura, em vida iluminada e iluminadora. Nós apresentamos, através do Evangelho, esta luz: é Jesus Cristo. Os cegos deste mundo podem ver porque Jesus abre-lhes a vista. Aqueles que viviam na cegueira de não querer ver o brilho da vida, podem ver a realidade do mundo e da vida com um olhar diferente, porque Jesus pode tocar suas vidas com a sua luz e transformar as trevas em luz; ter um olhar diferente. Olhar a realidade com olhos diferentes porque iluminados com a luz de Jesus Cristo. O Profeta Samuel, na 1ª leitura, recebeu a missão de encontrar-se com o novo rei de Israel para ungi-lo. Olhou para os filhos de Jessé e avaliou a escolha divina com seus olhos humanos, mas estava enganado. Percebeu que o olhar divino é diferente. Como olhamos a realidade? Como olhamos a vida? 



Para enxergarmos a realidade, para que possamos ver a realidade, nós precisamos de luz. Não se pode enxergar no escuro. Por isso, quando Jesus se apresenta como a “luz do mundo”, ele está dizendo que necessitamos da sua luz para enxergar a realidade da vida com um olhar diferente. Isto é perceptível no Evangelho de hoje, que apresenta quatro grupos de pessoas religiosas, cada qual com um olhar diferenciado para a realidade da vida, a partir do milagre de Jesus, curando o cego de nascença. O primeiro grupo é composto pelos vizinhos e conhecidos do cego. Estes fazem perguntas, querem matar a sua curiosidade religiosa, mas são incapazes de crer. Veem, mas não creem. Tem a luz de Jesus diante de si, mas vivem uma fé feita de curiosidades, de buscas de igrejas para ver milagres e coisas extraordinárias. Continuam com uma fé míope. O segundo grupo é formado pelos fariseus. Também eles veem, se interrogam, mas se recusam a crer que Jesus seja o Messias, aquele que traz a luz divina para a humanidade. Os fariseus preferem a luz de seus conhecimentos religiosos, confiando mais em suas Teologias e doutrinas que na experiência de olhar a realidade com a luz do Evangelho.



Depois vem o terceiro grupo de pessoas, formado pelos pais do cego. Eles sabem o que aconteceu, veem seu filho enxergado e sabem que ele era cego desde o seu nascimento. Acreditam, mas sua fé é medrosa. Por isso, escondem-se dos outros por medo de reações contrárias a sua fé. São aqueles religiosos que acreditam, participam das celebrações, mas se escondem por vergonha de professarem a fé, de testemunharem publicamente a fé. Não são pessoas ruins, mas se escondem no seu medo e assim não brilham e vivem aprisionados nas trevas da vergonha. Por fim, o quarto grupo é a pessoa do cego que foi curado. Ele é o exemplo de quem foi batizado, recebeu a luz de Cristo no seu batismo e não tem medo nem vergonha de professar e testemunhar sua fé publicamente nem diante da sociedade e nem diante dos que o agridem. A frase do cego curado é muito expressiva para todos nós: “ele abriu-me os olhos”. Este é o resultado de quem olha a vida com o olhar divino, porque Jesus abriu seus olhos. 
























sexta-feira, março 24, 2017

O ESPÍRITO SANTO E MARIA


O Espírito Santo e Maria

Frei Clarêncio Neotti, OFM

O mistério de Maria é inseparável do mistério do Espírito Santo. Mais: dele depende. O Apocalipse fala de uma mulher vestida de sol (12,1). Esse sol é o Espírito Santo, que a enriqueceu de todas as graças desde quando o Pai a escolheu para ser a mãe de seu Filho. E quando, cheia de graça, chegada a plenitude dos tempos (Gl 4,4), ela deveria conceber Jesus, é o Espírito Santo que a fecunda, como rezamos no Credo: “O Filho unigênito de Deus … por nós e para nossa salvação desceu dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria”.

Revestida de sol, coberta pelo Espírito Santo, Maria tornou-se, no dizer de São Bernardo, “um abismo de luz, gestando o verdadeiro Deus, Deus e homem ao mesmo tempo” e, diante desse fato, observa ainda São Bernardo, “até o olho angélico fica ofuscado com a potência de tal fulgor”.

Sol e luz são figuras para expressar um fato: Maria, senhora de todas as bênçãos, concebe o Filho de Deus, por obra e graça do Espírito Santo, e é associada para sempre à obra redentora do Cristo e à missão do Espírito Santo Paráclito na história da salvação. Afirma o Evangelista Lucas que, à pergunta de Maria como seria possível conceber, se ela não conhecia homem algum, o anjo lhe garantiu: “O Espírito Santo descerá sobre ti” (Lc 1,15). Comenta o Catecismo: “A missão do Espírito Santo está sempre conjugada e ordenada ao Filho. O Espírito Santo é enviado para santificar o seio da Virgem Maria e fecundá-lo divinamente, ele que é ‘o Senhor que dá a Vida’, fazendo com que ela conceba o Filho Eterno do Pai em uma humanidade proveniente da sua” (484-485).

Para expressar essa unidade de mistérios entre Maria e o Espírito Santo, os teólogos não hesitam em chamar Maria de Esposa do Espírito Santo. Assim, São Francisco, na antífona que compôs para o Ofício da Paixão do Senhor, reza: “Santa Virgem Maria, não há mulher nascida no mundo semelhante a vós, serva do Altíssimo Rei e Pai celestial, Mãe do nosso Santíssimo Senhor Jesus Cristo, Esposa do Espírito Santo”.

A festa litúrgica, que celebra a encarnação de Jesus, chamada “Solenidade da Anunciação do Senhor” (25 de março), une estreitamente Jesus, Maria e o Espírito Santo. Jesus é a razão de ser de todos os privilégios e da própria missão de Maria. O Espírito Santo consagra Maria, fecunda-a e, ao mesmo tempo une-se à missão salvadora de Jesus, tornando-o o Cristo, o Ungido de Deus. Vários momentos da vida terrena de Jesus mostram-no cheio do Espírito Santo (Lc 4,1; Jo 1,33), movido pelo Espírito Santo (Lc 4,18) e tendo o Espírito Santo como testemunha de sua messianidade e de sua doutrina (Lc 12,12; Jo 14,26; 16,13).

Ao dobrarmos os joelhos diante do mistério da encarnação, adoramos a Trindade santa: o Pai que envia o Filho, o Filho que, permanecendo Deus, obedece e assume o corpo humano, o Espírito Santo, que possibilita a concepção imaculada de Jesus. Dentro desse mistério e protagonista dele encontra-se Maria, mulher como todas as mulheres, mas associada misteriosamente, através da maternidade divina, à missão redentora e santificadora do mundo. “Por isso mesmo – escreve o Papa Pio IX na Bula de proclamação do dogma da Imaculada Conceição – Deus a cumulou, de maneira tão admirável, da abundância dos bens celestes do tesouro de sua divindade, mais que a todos os espíritos angelicais e todos os santos, de tal forma que ficaria absolutamente isenta de toda e qualquer mancha de pecado, podendo, assim, toda bela e perfeita, ostentar uma inocência e santidade tão abundantes, quais outras não se conhecem abaixo de Deus, e que pessoa alguma, além de Deus, jamais alcançaria, nem em espírito” (n. 2).

Diante de Maria, envolta pela inaudita graça da maternidade divina, São Francisco, apaixonado pelo mistério da encarnação, prorrompe numa saudação em que, faltando palavras, busca com símbolos e comparações dizer o que lhe vai na mente e no coração: “Salve, Senhora santa, Rainha santíssima, Mãe de Deus, ó Maria, que sois Virgem feita igreja, eleita pelo santíssimo Pai celestial, que vos consagrou por seu santíssimo e dileto Filho e o Espírito Santo Paráclito! Em vós residiu e reside toda a plenitude da graça e todo o bem! Salve, ó palácio do Senhor! Salve, ó tabernáculo do Senhor! Salve, ó morada do Senhor! Salve, ó manto do Senhor! Salve, ó serva do Senhor! Salve ó Mãe do Senhor! Salve vós todas, ó santas virtudes derramadas, pela graça e iluminação do Espírito Santo, nos corações dos fiéis, transformando-os em fiéis servos de Deus”.

Sempre na tentativa de expressar com palavras humanas aquele momento único da encarnação do Senhor, há teólogos que se demoram em comparar a presença dinâmica do Espírito Santo na pessoa de Maria com o início da criação, quando, segundo o Gênesis (1,2) o Espírito de Deus soprava forte sobre as águas, ou seja, separava os elementos, ordenava-os, permitindo o nascimento da vida na terra. Rezamos no Credo: “Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida”. Dar a vida é uma das atribuições do Espírito Santo. Na primeira criação, o Espírito como que fecundou a Natureza. Na segunda criação, inaugurada na Anunciação, o

Espírito Santo não só fecundou Maria que, como mulher, concebeu e deu início a uma vida, mas também tornou-se autor daquele que mais tarde declarou explicitamente: “Eu sou a vida” (Jo 11,25; 14,6).

Dar vida tornou-se sinônimo da missão de Jesus na terra. Por isso mesmo, toda a missão de Jesus está prenhe do Espírito Santo. Jesus foi preciso: “Eu vim para que todos tenham a vida em plenitude” (Jo 10,10). Esta plenitude da vida nos é dada pelo Espírito Santo, ligada ao mistério da Encarnação do Senhor, liga à própria vida do Filho de Deus na terra, obra e graça do Espírito Santo. Plenitude de vida aqui na terra e plenitude de vida na comunhão eterna com Deus. Aqui na terra, na vivência dos dons do Espírito Santo, que Maria recebeu em superabundância, particularmente a fé, a esperança e a caridade, que explodiram no seu “sim” ao plano de Deus e a mantiveram ao lado do Filho em todas as circunstâncias, inclusive ao pé da Cruz. Dos mesmos dons recebemos a coragem e a graça de acompanhar o Senhor Jesus e, na força do Espírito Santo, testemunhá-lo em nossa vida e em nossas ações e sermos pelo Senhor recebidos na morte e transportados à comunhão eterna com a Trindade.

Há um outro momento na história da salvação, fundamental também ele, no qual a Escritura acentua a presença de Maria, envolta no Espírito Santo. Refiro-me a Pentecostes. Na encíclica Redemptoris Mater – sobre o papel de Maria na história e na vida da Igreja – escreveu o Papa João Paulo II: “Na economia redentora da graça, atuada sob a ação do Espírito Santo, existe uma correspondência singular entre o momento da Encarnação do Verbo e o momento do nascimento da Igreja. A pessoa que une estes dois momentos é Maria: Maria em Nazaré e Maria no Cenáculo de Jerusalém. … Assim, aquela que está presente no mistério de

Cristo como Mãe, torna-se – por vontade do Filho e por obra do Espírito Santo – presente no mistério da Igreja” (n. 24).

Quando a Igreja declara que o Espírito Santo é sua alma (Lumen Gentium, 7), está reconhecendo nele a vida que a sustenta, a dinamiza, a santifica e lhe é garantia de fidelidade. Maria é o ícone da Igreja. Cheia do Espírito Santo, por sua obra e graça, ela deu à luz o Filho de Deus. A Igreja, sempre por obra e graça do Espírito Santo, gera os filhos para Deus. Se Maria foi verdadeiramente Mãe do Jesus histórico, concebido em Nazaré, nascido em Belém, crucificado e morto em Jerusalém, ela é também a verdadeira Mãe da Igreja, corpo místico do Cristo ressuscitado, vivo e presente até os confins do mundo e até o fim dos tempos.

Transcrevo uma oração atribuída a Santo Ildefonso (+667): “Ó Virgem Imaculada, aquele que armou sua tenda em Ti, enriqueceu-Te com os sete dons de seu Santo Espírito, como sete pedras preciosas. Primeiro, ornou-Te com o dom da Sabedoria, em força do qual foste divinamente elevada ao Amor dos amores. Depois, deu-Te o dom do Intelecto, pelo qual subiste às culminâncias do esplendor hierárquico. O terceiro dom com que foste agraciada foi o do Conselho, que Te fez virgem prudente, atenta e perspicaz. O dom da Ciência que recebeste foi confirmado pelo próprio magistério de Teu Filho. O quinto dom, o da Fortaleza, o manifestaste na firme perseverança, na constância e no vigor contra as adversidades. O dom da Piedade fez-Te clemente, piedosa, compreensiva, porque tinhas infusa a caridade. Pelo sétimo dom, o Temor de Deus transpareceu na Tua vida simples e respeitosa diante da imensa majestade. Alcança-nos estes dons, ó Virgem três vezes bendita, Tu, que mereceste ser chamada o Sacrário do Espírito Santo. Amém.




quarta-feira, março 22, 2017

SOLENIDADE DE SÃO JOSÉ



Recitação do terço de Nossa Senhora no jardim da Igreja.






Entronização e benção da imagem de Nossa Senhora de Medjugorje no jardim da Igreja.






Quando São José Dorme – Homilia de Bento XVI, quando ainda era cardeal, na Solenidade de São José


José dorme, é verdade, mas está simultaneamente disposto a ouvir a voz do anjo (Mt 2,13ss). Parece depreender-se da cena o que o Cântico dos Cânticos tinha proclamado: eu dormia, mas o meu coração estava vigilante (Cânt 5,2). Os sentidos exteriores repousam, mas o fundo da alma pode ser tocado. Nessa tenda aberta temos a representação do homem que, desde o mais profundo do seu ser, pode ouvir o que vibra no seu interior ou lhe é dito desde as alturas, do homem cujo coração está suficientemente aberto para receber aquilo que o Deus vivo e o seu anjo lhe querem comunicar. Nessa profundidade, a alma de qualquer homem pode encontrar-se com Deus. Nessa profundidade, Deus fala a cada um de nós e mostra-nos como está próximo.

Contudo, na maior parte das vezes encontramo-nos invadidos por cuidados, inquietações, expectativas e desejos de toda a espécie, tão repletos de imagens e carências produzidas pela vida de cada dia, que, por muito que vigiemos exteriormente, é-nos pedida a vigilância interior e, com ela, o som das vozes que nos falam desde o mais íntimo da alma. Esta está tão sobrecarregada e são tantas as muralhas erguidas no seu interior, que a voz suave do Deus próximo não consegue fazer-se ouvir. Com a chegada da Idade Moderna, os homens têm vindo a dominar cada vez mais o mundo e a dispor das coisas à medida dos seus desejos; mas estes avanços no nosso domínio sobre as coisas, e no conhecimento do que com elas podemos fazer, limitaram, por outro lado, a nossa sensibilidade, de tal maneira que o nosso universo se tornou unidimensional. Estamos dominados pelas nossas coisas, por todos os objetos que as nossas mãos alcançam, e que servem de instrumentos para produzir outros objetos. No fundo, não vemos outra coisa senão a nossa própria imagem, e estamos incapacitados para ouvir a voz profunda que, desde a Criação, nos fala também hoje da bondade e da beleza de Deus.

O sono de São José
Esse José que dorme, mas que ao mesmo tempo está preparado para ouvir o que ecoe no seu íntimo e desde o alto – porque não é outra coisa o que o Evangelho deste dia acaba de nos dizer -, é o homem em que se unem o recolhimento íntimo e a prontidão. A partir da tenda aberta da sua vida, convida a retirarmo-nos um pouco do bulício dos sentidos; para que recuperemos também nós o recolhimento; para que saibamos dirigir o olhar para o interior e para o alto, para que Deus possa tocar a nossa alma e comunicar-lhe a sua palavra. A Quaresma é um tempo especialmente adequado para nos afastarmos das vicissitudes quotidianas, e dirigirmos novamente os nossos passos pelos caminhos do interior.

Levanta-se e acolhe os planos de Deus
Passamos ao segundo ponto. Esse José que vemos pronto para se levantar e, como diz o Evangelho, cumprir a vontade de Deus (Mt 1,24; 2,14). Assim toma contato com o núcleo da vida de Maria, a resposta que ela ia dar no momento decisivo da sua existência: Eis aqui a serva do Senhor (Lc 1,38). São José reage assim: Aqui tens o teu servo! Dispõe de mim! A sua resposta coincide com a de Isaías no momento de receber o chamamento: Eis-me aqui, Senhor. Envia-me (Is 6,8, juntamente com 1 Sam 3,8ss). Esse chamamento preencherá toda a sua vida daqui em diante. Mas também há outro texto da Escritura que vem a propósito: o anúncio que Jesus faz a Pedro quando lhe diz: Levar-te-ão onde tu não queiras ir (Jo 21,10). José, com a sua celeridade, tomou-o como regra da sua vida: porque está preparado para se deixar conduzir, embora a direção não seja a que ele quer. Toda a sua vida é uma história desta correspondência.














Texto base do Cardeal Joseph Ratzinger, Roma, 19-03-1992



terça-feira, março 21, 2017

3º DOMINGO DA QUARESMA



Quando a samaritana ouve Jesus falar de uma “água” que acalma a sede para sempre, de um “manancial” interior, que “jorra” com força dando fecundidade e vida eterna., desperta na mulher o anseio de vida plena que habita em todos nós: “Senhor, dá-me dessa água”. Ela não conhece nada gratuito. A água tem que ser extraída do poço com esforço. O amor de seus maridos foi se apagando um depois do outro. 

Não são poucas as pessoas que, ao abandonar a prática religiosa e sua pertença à Igreja, eliminaram também de sua vida toda experiência religiosa. Já não se comunicam com Deus. Toda relação com Ele ficou rompida. 

Essa ruptura com Deus não é boa. Não faz a pessoa mais humana nem dá mais força para viver. Não ajuda a caminhar pela vida de maneira mais saudável. Por outro lado, é bom lembrar que há muitos caminhos para comunicar-se com Deus. Cada vida pode ser um caminho para encontrar-se com esse Deus bom que está no fundo de todo ser humano. 

DEUS É INVISÍVEL. “Ninguém jamais o viu”, diz a Bíblia. É um Deus escondido. Segundo Jesus, esse Deus oculto se revela, não aos grandes e inteligentes, mas aos pequenos e simples, estejam eles dentro ou fora da Igreja. 

DEUS É INEFÁVEL. Não é possível defini-lo nem explicá-lo com conceitos. Não podemos falar dele com palavras adequadas. Mas podemos dar-lhe, o que é mais importante, Ele nos fala, inclusive se nunca abrimos as páginas da Bíblia . 

DEUS É TRANSCENDENTE e GRATUITO. Não é obrigado a nada. Ninguém pode condicioná-lo. É amor livre e insondável. Nenhum ser humano fica longe de sua ternura, quer viva dentro ou fora de uma comunidade de crentes. 

Às vezes podemos captar sua proximidade em nossa própria solidão. Na realidade, todos estamos profundamente sós diante da existência . Essa solidão última só pode ser visitada por Deus. Se auscultamos até o fundo nosso próprio desamparo, talvez possamos perceber a presença do Amigo fiel que nos acompanha sempre. Por que não abrir-nos a Deus? 

Outras vezes podemos encontrá-lo em nossa mediocridade. Quando nos vemos tomados pelo medo ou ameaçados pela depressão e tristeza, Ele está aí. Sua presença é respeito, amor e compreensão. Por que não invocá-lo? 

Podemos intuí-lo inclusive em nossas dúvidas e confusão. Quando tudo nos faz afundar e não conseguimos mais crer em nada nem em ninguém, só nos resta Deus. No meio da escuridão pode brotar a claridade interior. Deus nos entende e nos atrai para o bem. Por que não confiar nele? 

Deus também está nas mil experiências positivas da vida. No filho que nasce, na festa compartilhada, no trabalho bem-feito, no aconchego íntimo do casal. No passeio que relaxa, no encontro amistoso que renova. Por que não elevar o coração a Deus e agradecer-lhe o dom da vida? 

Não podemos esquecer aquela verdade que dizia o velho catecismo: “Deus está em toda parte”. Está sempre, está em tudo. Ninguém é esquecido por seu amor de pai, Deus é um dom para quem o descobre. “Se conhecesses o dom de Deus... Ele te daria água viva”. Assim diz Jesus a uma mulher samaritana.