sexta-feira, outubro 20, 2017

COMO É SER IGREJA NA MAIOR FAVELA DO BRASIL? PÁROCO RESPONDE.



Rio de Janeiro, 19 Out. 17 / 02:30 pm (ACI).- Nos últimos dias, a Rocinha, maior favela do Brasil, esteve no centro do noticiário nacional devido à disputa pelo comando do tráfico na região, com ocupações militares, tiroteio e, no meio disso tudo, uma grande população. Neste cenário, a Igreja desempenha um importante papel na vida das pessoas, como relatou o pároco local, Frei Sandro Roberto da Costa.

“Ser Igreja na Rocinha é ser presença fraterna e solidária junto às pessoas, é mostrar o rosto de um Deus que as acolhe, que as escuta e ampara em suas dores, em suas tragédias”, explicou o franciscano em entrevista à ACI Digital.

Além disso, indicou, é também “mostrar novos caminhos, novas perspectivas e possibilidades, ajudando as pessoas a se conscientizarem de seus direitos, e a lutar por eles. Isso é ser presença misericordiosa, instrumentos de paz e de bem, como tão bem fez São Francisco de Assis e como quer o Papa Francisco”.

A Rocinha é considerada a maior favela do Brasil. Segundo dados do Censo IBGE de 2010, conta com mais de 69 mil habitantes. Porém, o Censo das Favelas realizado pelo governo do estado do Rio de Janeiro aponta cerca de 100 mil habitantes do local.

Desde 2007, a Paróquia local, dedicada a Nossa Senhora da Boa Viagem, é dirigida por franciscanos da Ordem dos Frades Menores, membros da Província Franciscana da Imaculada do Brasil, e, além da Matriz, conta com oito capelas.

Segundo o atual pároco, Frei Sandro, em “tempos de paz”, o exercício do sacerdócio no local “não difere muito do trabalho que é realizado em tantas outras comunidades empobrecidas no Rio de Janeiro e no Brasil”.

Segundo ele, grande parte da população é originária do Nordeste do Brasil, principalmente Ceará e Paraíba. “A religiosidade popular, com sua rica piedade e devoções, é característica da prática de fé de muitas destas pessoas”, observou, acrescentando que “a Igreja Católica é respeitada e bem quista por todos”.



“Para sacerdotes que seguem o carisma de São Francisco de Assis, de viver em fraternidade, minoridade e pobreza, trabalhar na Rocinha, ou em qualquer outra comunidade empobrecida como as milhares que existem pelo Brasil, é a oportunidade de colocar em prática a vocação que um dia assumimos de, por causa do Evangelho, partilhar a vida das pessoas simples e pobres, animando-as, confortando-as, sendo sinal da presença amorosa e solidária de Deus nos difíceis caminhos da vida”, expressou. 

A pobreza é um dos desafios enfrentados pela comunidade, que esta “encravada entre dois dos mais nobres bairros da zona sul do Rio de Janeiro” e cuja maioria dos moradores está a serviço de tais bairros, como empregadas domésticas, porteiros, ambulantes, entre outros.

“Afirmar que a pobreza é o maior problema da Rocinha é abrir um verdadeiro leque de deficiências e falta de direitos primordiais, que não são atendidos pelo Estado: falta de saneamento básico, falta de segurança, de moradia, descaso com a saúde, com a educação, ausência de políticas públicas que deem dignidade à população, falta de perspectivas de futuro principalmente para os jovens”, citou.

A tudo isso, Frei Sandro indicou que ainda se soma o “preconceito com que são tratadas as pessoas que moram em ‘favelas’”, fazendo por exemplo com que tenham que pagar mais caro por diversos serviços, “por se tratar de uma ‘área de risco’”.

Quanto à violência no local, esta voltou a se tornar latente em setembro, quando a disputa pelo tráfico na Rocinha entre os traficantes Antônio Bonfim Lopes (Nem), que está preso, e Rogério Avelino da Silva (Rogério 157), levou a confrontos, seguidos pela ocupação da favela pelas forças armadas, que deixaram a comunidade em 29 de setembro.

“Desde que iniciou o confronto entre as facções – recordou Frei Sandro –, com a entrada do exército e a presença maciça das forças de segurança, a comunidade, que já vivia sempre em estado de alerta, passou a viver sob tensão. Não é algo comum alguém ir ao trabalho, levar os filhos à escola ou à praia, e ter que passar no meio de tropas armadas até os dentes”, com tantos aparatos, como o que “só vemos em filmes de guerra”.

O sacerdote, porém, lamentou que a sensação que ficou para a comunidade foi a de que a presença das forças armadas por uma semana na Rocinha não era uma preocupação com “a segurança dos moradores”, mas para “garantir a realização” do Rock in Rio, que acontecia naqueles dias.

“A sensação que ficou é que, após uma semana de tiroteio e tensão na comunidade, as autoridades só tomaram uma medida quando a guerra chegou ao asfalto”, quando “bandidos fecharam o túnel Rebouças e atearam fogo num ônibus na orla da praia de São Conrado”, afirmou.

Em meio à violência, indica o pároco, “na Rocinha todos vivem sob tensão”. “Mesmo quando não há os confrontos violentos como os destes dias, andar pelos becos e vielas requer sempre muito cuidado, pois a qualquer hora pode estourar um confronto armado”.

Neste mês, a atividade da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem se viu afetada por esta realidade, tendo que cancelar a procissão e a Missa campal programadas para a festa de Nossa Senhora Aparecida, decisão que, para Frei Sandro, “foi um fato mais marcante, pois celebramos este ano os 300 anos do encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida nas águas do Rio Paraíba”.

“Mas no geral – pontuou –, nestes dias, a participação tem sido muito afetada. A catequese, que conta com quase 600 crianças, tem tido muito pouca frequência. Reuniões de coordenação e organização dos eventos pastorais têm sido canceladas. As missas e celebrações nas comunidades também. Mesmo assim não deixamos de celebrar nenhum dia na matriz”.

Conforme lembrou o sacerdote, “no dia em que estourou o conflito, durante o tiroteio, a Missa das 9h30, que é muito bem participada principalmente pelas crianças da catequese, teve apenas dois fiéis participando. As outras Missas deste dia também foram celebradas para bem poucos fiéis”. 

Mas, a Igreja Católica na Rocinha enfrenta esta realidade oferecendo à população o serviço pastoral, o apoio espiritual e também “oportunidades às pessoas para que exerçam com consciência seu papel de cidadãos”, com cursos profissionalizantes, escola de música, projetos sociais, distribuição de cestas básicas.

De acordo com Frei Sandro, frente à violência é preciso ter a certeza de que “a situação que estamos vivendo vai passar”.

À população, especialmente aos jovens, ele deixa como a mensagem mais importante a de que “não podemos ceder ao medo”, é preciso “ser prudentes, cuidadosos, mas na medida do possível, continuar levando a vida dentro da normalidade”.

Além disso, incentiva a seguir os bons exemplos. “Infelizmente os jornais escancaram a cada dia os piores exemplos de gestão pública, de desonestidade”, afirmou, ressaltando, porém, que “bons exemplos, embora não façam notícia, também existem”. “Procuremos nos espelhar nas pessoas de bem que conhecemos, que trabalham de modo honesto, que são preocupadas com o próximo, com o bem comum, que são solidárias e fraternas, que promovem a concórdia e a paz”.

Por fim, assinalou, “diria também para não deixarmos de ter muita confiança em Deus. A fé é importante em todos os momentos da vida, mas é imprescindível em tempos de medo e tensão”.

“A prática religiosa, a participação ativa a uma comunidade de fé, nos conforta, nos anima, mantém acesa a chama da esperança. E, sobretudo, ajuda a fortalecer nossas motivações e convicções para a prática do bem. Que o bom Deus continue protegendo e abençoando o bom povo da Rocinha”, concluiu.

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