Um ensinamento rabínico diz que a pessoa solteira como que embaça a imagem de Deus, porque somente o homem e a mulher unidos em íntima reciprocidade, pelo casamento, manifestam a imagem e semelhança de Deus, como escrito no Gênesis (1L). Este ensinamento é relativizado no Novo Testamento, com Jesus que preferiu o celibato para se tornar totalmente livre para sua missão de anunciar o Reino de Deus, fazendo a vontade do Pai (Jo 4,34). O ensinamento de Jesus diz que a imagem e semelhança de Deus no homem e na mulher têm a ver com o amor oblativo, ao qual todos são convidados a viver, celibatários e casados.
De outro lado, o ensinamento rabínico evidencia um aspecto da fé válido para casados e celibatários: cada homem e mulher são chamados à nupcialidade, sem a qual homem e mulher tornam-se estéreis; não geradores de vida, incapazes de reproduzir a vida de algum modo, não somente aquela biológica.
Não é bom que o homem viva sozinho
A criação da mulher (1L) é considerada como necessidade humana para o relacionamento amoroso gerador da vida. Depois de estabelecer relação com o mundo, Adão (homem da terra) percebe uma ausência, que nem mesmo os animais, seres vivos, são capazes de preencher. Entende-se que a verdadeira comunhão de vida não acontece pela posse, mas pela possibilidade de pertença recíproca, e esta só é possível quando a comunhão é estabelecida em igual dignidade.
O sono de Adão, provocado por Deus (1L), é um modo literário para dizer que foi no silêncio do mistério divino que Deus criou a mulher. Adão e Eva se reconhecem na mesma dignidade e se acolhem concretamente, como carne da mesma carne, ossos do mesmo osso. Na reciprocidade do "eu" e do "tu" não acontece a dissolvência, mas o acolhimento “no nós” que comporta igual dignidade e relacionamento dialógico. No "mono-logo" (monólogo), o outro é obrigado a entrar no “meu esquema”; no "dia-logo" (diálogo) acontece o acolhimento, o favorecimento da partilha de experiências existenciais. Deus nos criou homem e mulher (1L) para o diálogo, para a convivência de vidas capazes de gerar mais vida.
Em síntese, compreendemos que a vida conjugal, do homem e da mulher, acontece pelo acolhimento, que se realiza no diálogo para gerar mais vida. Isto só é possível pelo e no amor oblativo, o amor que ama sem cobranças e sem esperar nada em troca, como é o modo divino de amar. Amor que se realiza trilhando os caminhos de Deus (SR); motivo pelo qual Jesus recusa a prática do divórcio (E).
O homem e a mulher em relação
O ponto central da recusa do divórcio, da parte de Jesus, encontra-se na "dureza de coração" (E). Jesus explica que as concessões a favor do divórcio aconteceram no tempo da "dureza de coração"; agora é necessário restituir a vontade originária de Deus, que criou o homem e a mulher não como propriedade um do outro, mas como companheiros de vida que se completam um ao outro no amor e pelo amor.
Mas, existe um segundo aspecto, presente na conversa de Jesus com seus discípulos, em casa (E). Este segundo aspecto apresenta algo a mais que o caso do divórcio. Jesus introduz o tema do adultério. Neste caso, não se trata de uma natureza abstrata, mas do homem e da mulher criados em vista de uma relação nupcial que é rompida pelo divórcio; é amor traído. Em tal contexto, homem e mulher se mancham pelo pecado do adultério, porque a nupcialidade é fundamental compreender a natureza do homem e da mulher, criados um para o outro para produzir e gerar vida um para o outro. É com a chave da nupcialidade que se compreende também a Deus, que quis se ligar à humanidade como esposo do povo, como homem e mulher se ligam em casamento. Toda a História da Salvação é lida como relacionamento nupcial. O adultério mancha, denigre este sacramento divino da união de Deus com a humanidade. Ainda mais, o adultério contamina quem se relaciona com adúlteros. A compreensão deste conceito teológico tem a ver com o amor divino: o dom total de si, a entrega recíproca, para que o amor gere vida. O adultério não se realiza no amor, mas no egoísmo de querer possuir sem a oblatividade do amor.