João
está descrevendo um novo começo. Se o livro do Gênesis registra a primeira
criação, este primeiro versículo do Evangelho de João descreve a nova criação.
Em ambas as ocasiões, o agente da obra criadora é o mesmo Verbo (ou Palavra) de
Deus. “Palavra” e “luz” são duas formas de falar da mesma realidade, a saber,
que Deus entrou na história humana para reconduzi-la à plenitude. Na
mentalidade hebraica a palavra é o meio através do qual alguém se revela ou
expressa seus pensamentos e vontade. Conforme o evangelista João, a melhor
forma pela qual Deus se expressou foi através da existência humana de Jesus no
mundo.
O
verbo de Deus, ou seja, a Palavra de Deus, veio como a luz no meio das trevas
(v. 5), isto porque a humanidade estava caminhando no erro e no pecado e, com o
nascimento de Cristo começa uma nova criação, surge um novo tempo. Contudo, esta luz não foi acolhida
pacificamente no mundo. A parte central
do trecho do evangelho deste dia nos fala da luta dura, entre a luz vinda do
céu e as trevas que continuam a envolver o mundo. Trata-se das forças do mal que são os pecados
e os erros que constituem as nossas trevas.
A
luz veio ao mundo (v. 9). O Antigo Testamento se refere a Deus como a fonte da
luz e da vida em várias passagens. O salmista indica que Deus é a fonte da vida
e da luz (Sl 36,9). João, seguindo o conceito do salmista, afirma que o Verbo é
a vida e a luz dos homens. João utiliza o termo “Verbo” em um sentido muito
pessoal, de um Deus que ama, se compadece e se identifica com os seres humanos,
tomando sobre si sua natureza, e sofrendo uma morte vergonhosa com o fim de
prover um meio para a reconciliação do homem com seu Criador.
O
termo “mundo” nesse texto significa o mundo dos homens e seus assuntos, o qual,
concretamente, está submetido ao pecado e às trevas. A função da luz é
basicamente combater ou vencer a obscuridade. Trevas é um termo metafórico que,
no quarto evangelho se refere a tudo o que se opõe à mensagem de Jesus, é a
obscuridade moral e espiritual. Por isso, o tema da primeira parte do quarto
evangelho é a fé e a incredulidade é o resultado da influência das trevas.
A
missão de Jesus no mundo foi uma espécie de conflito entre a luz e as trevas,
culminando no Getsêmani e na cruz. Por isso, o verbo “vencer” cabe bem neste
contexto. A luz brilha nas trevas e as trevas não tinham o poder para vencê-la
(v.5). A luz luta contra as trevas
continuará, até a plena vitória da luz, vitória garantida pela ressurreição de
Cristo (cf. Jo 16,33).
Mas
o evangelista São João afirma: “Deus é luz e nele não há trevas” (1Jo 1,5). No
Livro do Gênesis, lemos que, quando teve início o universo, “a terra era
informe e vazia. As trevas cobriam o abismo…”.
E Deus disse: “Faça-se a luz! E a luz foi feita” (Gn 1,2-3). A Palavra
criadora de Deus é Luz, fonte da vida. Tudo foi feito por meio da Palavra de
Deus e sem esta Palavra nada foi feito de tudo quanto existe (cf. Jo 1,3). Esta
é a razão pela qual tudo o que Deus criou é bom, por traz os vestígios de Deus.
Entretanto,
quando Jesus nasceu da Virgem Maria, a mesma Luz veio ao mundo, como
professamos na oração do Credo: “Deus de Deus, Luz da Luz”. João Batista não era a luz, mas veio para
ajudar o povo a descobrir a presença luminosa e consoladora da Palavra de Deus
na vida de cada um. O testemunho de João Batista foi tão importante que muita
gente pensava que Ele fosse o Cristo de Deus (cf. At 19,3; Jo 1,20). Mas o “mundo” não reconheceu o Cristo e nem
acolheu a sua mensagem.
Desde
os tempos de Abraão e Moisés, Deus continua enviando seus mensageiros, mas o
“mundo” continua rejeitando a Palavra de Deus. O evangelista São João indica
que, na época de Jesus, tanto o império como a religião da época, ficaram
fechados em si e não foram capazes de reconhecer e receber o Evangelho, que é a
presença luminosa da Palavra de Deus.
O
texto evangélico nos diz que a Palavra se fez carne, isto porque Deus não quer
ficar longe de nós. Por isso, a sua Palavra chegou mais perto ainda e se fez
presente no meio de nós na pessoa de Jesus. Literalmente o texto diz: “A
Palavra se fez carne e montou sua tenda no meio de nós!”. No tempo do Êxodo, lá
no deserto, Deus vivia numa tenda, no meio do povo (cf. Ex 25,8). Agora, a
tenda onde Deus mora conosco é Jesus. Jesus veio revelar quem é este nosso Deus
que está presente em tudo, desde o começo da criação.
A
perícope evangélica deste dia evoca ainda a profecia de Isaías, segundo a qual
a Palavra de Deus é como a chuva que vem do céu e para lá não volta sem ter
realizado a sua missão aqui na terra (cf. Is 55,10-11). Assim é a caminhada da
Palavra de Deus. Ela veio de Deus e desceu entre nós na pessoa de Jesus.
Através da obediência de Jesus ela realizou sua missão aqui na terra. Na hora
de morrer, Jesus entregou o Espírito e voltou para o Pai. Cumpriu a missão que
tinha recebido.
Na
noite de Natal, Jesus se fez Luz para iluminar os nossos caminhos. Cristo vem trazer a luz também a nós, para
que possamos sair da escuridão e das trevas.
Que esta luz de Cristo possa iluminar cada ser humano e fazer brilhar a
esperança e a consolação especialmente para os que vivem nas trevas da miséria,
da injustiça, do ódio, da desunião.
Jesus veio ao mundo para resgatar o ser humano do poder das trevas e
reconduzi-lo à luz, mediante uma vida nova.
Peçamos
a Maria, aquela que chamamos de Bem aventurada, porque acreditou nas palavras
do Senhor, que ela interceda sempre por nós e nos faça sempre caminhar na
estrada de Jesus, a única via iluminada pela luz do amor e da paz. Assim seja.