A
cruz de nosso Senhor Jesus Cristo está no centro da nossa fé, pois, por ela, o
Senhor Jesus venceu a nossa morte e ingressou na vida de ressurreição. Por
isso, São Paulo exclama: “Quanto a mim, não aconteça gloriar-me senão na cruz
de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eu
para o mundo” (Gl 6,14). Mas, o que é a cruz? É uma tragédia, é um sinal de
derrota, é resultado de uma injustiça miserável, é silêncio de Deus, que parece
esquecer a dor do Filho e se cala diante da maldade, do pecado e da morte. A
cruz de Jesus, em si mesma, é um terrível escândalo… em si mesma, seria sinal
que Deus não existe e, se existe, não liga para a dor humana, para a injustiça
que massacra o inocente… Na cruz de Cristo está significada toda a cruz do
mundo e da humanidade: a cruz do inocente que sofre, a cruz dos órfãos, dos que
morrem na guerra, a cruz dos pobres, sem nome, sem vez nem voz… Na cruz do
Senhor estão tantos povos e raças oprimidos, dizimados pela ganância e pelo
ódio… Na cruz de Cristo está simbolizada toda dor, todo fracasso, toda solidão,
todo peso do mundo… Na cruz do Senhor está tudo aquilo que nos deixa com uma
pergunta presa na garganta: “Por que tanta dor, tanto sofrimento, tanta
injustiça? Por que Deus se cala? Por que permite? Onde ele está?” Não pode
compreender o mistério da cruz quem não se deixa atingir e questionar por estas
perguntas, por estas dores, por estes prantos! Não pode proclamar o triunfo do
Senhor quem não suportou o absurdo da cruz do Senhor! A cruz não é um
ornamento, uma brincadeira; a cruz é um ícone, um símbolo, uma parábola
impressionante e dolorosa! Na cruz está significado tudo aquilo que tanto nos
apavora! E, no entanto, Jesus diz, no evangelho de hoje, que era necessário
passar pela cruz: “Do mesmo modo que Moisés levantou a serpente no deserto,
assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado…” (Jo 3,14). Palavra
impressionante, confirmada após a ressurreição: “Não era necessário que o Filho
sofresse tudo isso e assim entrasse na sua glória?” (Lc 24,26). Por que era
necessário? Por que no caminho do Cristo e do cristão tem que estar a cruz,
bendita e maldita? Por quê? E Para quê?
Para
mostrar-nos até onde o pecado nos levou e até onde o amor de Deus está disposto
a ir por nós.
Vivemos
num mundo crucificado, somos uma humanidade crucificada, porque nos afastamos
da vida, que é Deus. Como o povo de Israel no caminho do deserto, que perdeu a
paciência e murmurou contra o Senhor (cf. 1a. leitura), assim a humanidade foi
e vai se fechando para o Deus da vida e foi e vai encontrando a morte. Quantas
serpentes venenosas mordem nossa existência! Mas, Deus não se cansou de nós:
“Amou tanto o mundo que entregou o seu Filho unigênito, para que todo aquele
que nele crer, não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Era necessário!
Era necessário mostrar a gravidade do nosso pecado, da nossa loucura de querer
construir nossa existência sem Deus. Era necessário também mostrar até que
ponto Deus nos leva a sério, até que ponto sofre conosco, até que ponto nos é
solidário: ele não explica o sofrimento; silenciosamente, toma-o sobre os
ombros, sofre conosco até o mais baixo da humilhação, da solidão e da dor: “Ele
esvaziou-se de si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos
homens. Encontrado com aspecto de homem, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se
obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2,7). No seu Filho único e querido,
o Pai se condói com nossa dor, “com-sofre” conosco, como Deus de “com-paixão”.
Ninguém, contemplando a cruz, pode pensar que Deus é indiferente e frio ante o
sofrimento do mundo. Ele não nos explica o sofrimento; toma-o sobre os ombros,
silencioso e cheio de dolorido amor e piedade! Contemplar o mistério da cruz é
levar a sério que existe dor e miséria no mundo; é deixar-se tocar por todo
sofrimento humano… mas é também compreender que Deus assumiu tudo isso em Jesus
crucificado e venceu tudo isso na ressurreição. Contemplar a cruz dá-nos a
graça de nunca perder a esperança, mesmo diante dos maiores percalços. Quem
contempla a cruz, não perde a confiança em Deus, não se desespera, não se
despedaça: “Do mesmo modo que Moisés levantou a serpente no deserto, assim é
necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos aqueles que nele
crerem (que o contemplarem), tenham a vida eterna” (Jo 3,16). A cruz, portanto,
joga-nos na realidade da vida e do mundo – realidade crua…. mas, cheios de
esperança, pois sabemos que Cristo fez dela, da cruz, um sinal de amor e
ressurreição.
Por
isso a cruz era necessária; por isso Paulo não queria gloriar-se a não ser na
cruz de nosso Senhor Jesus Cristo; por isso hoje louvamos o mistério da cruz;
por isso nos dispomos a não só traçar o sinal da cruz sobre nós com devoção,
mas a viver nossa cruz unidos a Cristo, invencíveis na esperança da
ressurreição; por isso cantamos hoje com a Igreja: