Celebrar a paixão e a morte de
Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou frágil… Por
amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites e fragilidades,
experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das tentações,
experimentou a angústia e o pavor diante da morte; e, estendido no chão,
esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido, continuou a
amar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis repartir conosco “até ao fim
dos tempos”: esta é a mais espantosa história de amor que é possível contar;
ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos crentes.
Contemplar a cruz onde se
manifesta o amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma atitude que Ele
assumiu e solidarizar-Se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que
sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são
privados de direitos e de dignidade… Olhar a cruz de Jesus significa denunciar
tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores,
práticas, ideologias; significa evitar que os homens continuem a crucificar
outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor… Viver
deste jeito pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver
a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e
introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição.
(No início da Semana Santa, neste
Domingo de Ramos — também chamado de “Domingo da Paixão”, por proclamar a
Paixão de Jesus, no Evangelho — consideramos como a sociedade atual acolhe
Jesus em suas cidades. Nem toda sociedade acolhe Jesus com ramos e canções,
como fizemos na procissão antes da Missa. Existe muita rejeição ao Evangelho no
mundo, no nosso país, em nossa cidade. A corrupção, as promessas políticas
irrealizáveis, a falta de transparência, a ganância que impede a partilha...
são violências contra o povo, contra pessoas; são modos de recusar o projeto do
Reino de Deus, proposto por Jesus. Diante desse quadro social, é importante que
continuemos acolhendo Jesus com nossos ramos, com nossas canções e,
principalmente, com nosso testemunho de vida, vivendo aquilo que pede o
Evangelho e como pede o Evangelho.)
Um dos elementos mais
destacados no relato de Marcos é a forma como Jesus Se comporta ao longo de
todo o processo que conduz à sua morte… Ele nunca Se descontrola, nunca recua,
nunca resiste, mas mantém-Se sempre sereno e digno, enfrentando o seu destino
de cruz. Tal não significa que Jesus seja um herói inconsciente a quem o
sofrimento e a morte não assustam, ou que Ele Se coloque na pele de um fraco
que desistiu de lutar e que aceita passivamente aquilo que os outros Lhe
impõem… A atitude de Jesus é a atitude de quem sabe que o Pai Lhe confiou uma
missão e está decidido a cumprir essa missão, custe o que custar. Temos a mesma
disponibilidade de Jesus para escutar os desafios de Deus e a mesma
determinação de Jesus em concretizar esses desafios no mundo?
A “angústia” e o “pavor” de
Jesus diante da morte, o seu lamento pela solidão e pelo abandono, tornam-no
muito “humano”, muito próximo das nossas debilidades e fragilidades. Dessa
forma, é mais fácil identificarmo-nos com Ele, confiar n’Ele, segui-lo no seu
caminho do amor e da entrega. A humanidade de Jesus mostra-nos, também, que o
caminho da obediência ao Pai não é um caminho impossível, reservado a
super-heróis ou a deuses, mas é um caminho de homens frágeis, chamados por Deus
a percorrerem, com esforço, o caminho que conduz à vida definitiva.
A solidão de Jesus diante do
sofrimento e da morte anuncia já a solidão do discípulo que percorre o caminho
da cruz. Quando o discípulo procura cumprir o projeto de Deus, recusa os
valores do mundo, enfrenta as forças da opressão e da morte, recebe a
indiferença e o desprezo do mundo e tem de percorrer o seu caminho na mais
dramática solidão. O discípulo tem de saber, no entanto, que o caminho da cruz,
apesar de difícil, doloroso e solitário, não é um caminho de fracasso e de
morte, mas é um caminho de libertação e de vida plena.