Na Quaresma, tempo de oração e penitência, a Igreja nos propõe como reflexão as tentações de Jesus no deserto. A primeira tentação, repelida por Jesus, é emblemática: disse o tentador: “manda que estas pedras se transformem em pães!” (Mt 4, 3). É a tentação de ganhar o pão, o sustento, sem trabalho! E a terceira tentação – “Tudo isso (os reinos e a riqueza) te darei, se prostrado me adorares” (Mt 4, 8-9) reforça a primeira: conseguir riqueza imoralmente.
A Sagrada Escritura, citada por Jesus para rejeitar essas tentações, nos ensina que o trabalho é obra de Deus. Deus, ao criar o homem, colocou-o no jardim do Éden para nele trabalhar: “O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden, para o cultivar e guardar” (Gn 2, 15). O trabalho existe, portanto, antes do pecado. Depois deste, passou a ter a conotação de penitência, pois adquiriu uma nota de dificuldade e o necessário esforço para desempenhá-lo: “Comerás o pão com o suor do teu rosto” (Gn 3,19). O meio, portanto, para se ganhar o pão, o sustento, é o trabalho. Por isso, São Paulo ensina: “Quem não quer trabalhar também não coma. Ora, temos ouvido falar que, entre vós, há alguns vivendo desordenadamente, sem fazer nada, mas intrometendo-se em tudo. A essas pessoas ordenamos e exortamos no Senhor Jesus Cristo que trabalhem tranquilamente e, assim, comam o seu próprio pão” (2 Ts 3, 10-12). Claro que existem diversas formas de trabalho: manual, braçal, intelectual, o do empresário, gerente, supervisor, o trabalho materno, etc. Até Jesus disse: “Meu Pai trabalha sempre, e eu também trabalho” (Jo 5, 17). “Quanto aos deserdados da fortuna, aprendam da Igreja que, segundo o juízo do próprio Deus, a pobreza não é um opróbrio e que se não deve corar por ter de ganhar o pão com o suor do seu rosto. É o que Jesus Cristo nosso Senhor confirmou com o seu exemplo. Ele que, ‘de muito rico que era, se fez indigente’ (2Cor 8,9) que quis passar aos olhos do mundo como filho dum carpinteiro, que chegou a consumir uma grande parte da sua vida no trabalho manual (Rerum Novarum, 15).
A corrupção, hoje generalizada, o que é senão querer ganhar o sustento, e muito mais, desmedidamente, sem trabalhar. Querer receber sem esforço. E até imoralmente. É a grande tentação do mundo de hoje, o tremendo mau exemplo dado pelos grandes! E não só a corrupção: o jogo, os trambiques, os roubos, os assaltos, a desonestidade nos negócios, a ambição, o desejo de ostentação, veem também do desejo desordenado de querer ganhar sem o devido trabalho. E até aqueles que, à espera de um milagre, não trabalham e esperam que Deus os ajude.
“A raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. Acossados pela cobiça, alguns se desviaram da Fé e se enredaram em muitas aflições” (São Paulo:1Tm 6,10). “Aquele que ama o ouro não estará isento de pecado; aquele que busca a corrupção será por ela cumulado. O ouro abateu a muitos... Bem-aventurado o rico que foi achado sem mácula... Quem é esse homem para que o felicitemos? Àquele que foi tentado pelo ouro e foi encontrado perfeito está reservada uma glória eterna... ele podia fazer o mal e não o fez” (Eclo 31, 5-10).
Bispo da Administração Apostólica São João Maria Vianney