sexta-feira, março 02, 2018

OS DEZ MANDAMENTOS E A QUARESMA



O “decálogo” abarca os dois vetores fundamentais da existência humana: a relação do homem com Deus e a relação que cada homem estabelece com o seu próximo.
Os primeiros quatro mandamentos dizem respeito à relação que Israel deve estabelecer com Deus (vers. 3-11). Dois, sobretudo, são de uma tremenda originalidade (o mandamento que obriga Israel a não ter outro Deus, outro Senhor, outra referência; e o mandamento que proíbe construir imagens de Deus), pois não encontram paralelo em nenhuma das religiões antigas que conhecemos.
A questão essencial que sobressai, nestes quatro mandamentos, é esta: Jahwéh deve ser a referência fundamental da vida do Povo, o centro à volta do qual se constrói toda a existência de Israel. Nada nem ninguém deve ocupar, no coração do Povo, o lugar que só a Deus pertence. É preciso que Israel reconheça que só em Jahwéh está a vida e a salvação (vers. 3: “não terás nenhum deus além de mim”); é necessário que Israel reconheça a absoluta transcendência de Jahwéh – que não pode ser reproduzida em qualquer criatura feita pelo homem – e não se prostre perante obras criadas pela mão do homem (vers. 4: não farás para ti qualquer imagem esculpida… não hás-de prostrar-te diante delas, nem prestar-lhes culto”); é preciso que Israel reconheça que não deve manipular Deus e usá-l’O em apoio de projetos e interesses puramente humanos (vers. 7: “não hás-de invocar o nome do Senhor teu Deus em apoio do que não tem fundamento”); é preciso que Israel reconheça que só o Senhor é o dono do tempo e que reserve espaço para o encontro e o louvor do Senhor (vers. 8: “hás-de lembrar-te do dia de sábado, a fim de o santificares”).
Os outros seis mandamentos dizem respeito às relações comunitárias (vers. 12-17). Procuram inculcar o respeito absoluto pelo próximo – a sua vida, os seus direitos na comunidade, os seus bens. São “a magna carta da liberdade, da justiça, do respeito pela pessoa e pela sua dignidade”. Recomendam que cada membro da comunidade reconheça a sua dependência dos outros e aceite a sua vinculação a uma família e a uma cultura (vers. 12: “honra teu pai e tua mãe”); pedem que cada membro do Povo de Deus respeite a vida do irmão (vers. 13: “não matarás”); recomendam que seja defendida a família e respeitadas as relações familiares (vers. 14: “não cometerás adultério”); exigem que se respeite absolutamente quer os bens, quer a própria liberdade dos outros membros da comunidade (vers. 15: “não tomarás para ti” – o que pode referir-se a pessoas ou a coisas. Pode traduzir-se por “não roubarás”, mas também por “não privarás de liberdade o teu irmão, não o reduzirás à escravidão”); pedem o respeito pelo bom nome e pela fama do irmão, nomeadamente dando sempre um testemunho verdadeiro diante do tribunal e garantindo a fiabilidade de uma justiça que é a base da correta ordem social (vers. 16: “não levantarás falso testemunho contra o teu próximo”); exigem o respeito pelos “bens básicos” que asseguram ao irmão a sua subsistência e procuram evitar que o coração dos membros da comunidade do Povo de Deus seja dominado pela cobiça e pelos instintos egoístas (vers. 17: “não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás a mulher dele, nem o criado ou a criada, o boi ou o jumento, nem coisa alguma que lhe pertença”).
Porque é que Deus apresentou estas propostas a Israel e lhe recomendou este caminho? Qual o interesse de Deus em que Israel viva de acordo com as regras aqui apresentadas? O que é que Deus “tem a ganhar” com a fidelidade do Povo a estas normas?
A resposta a esta questão está na primeira afirmação do Decálogo: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fiz sair da terra do Egito, da casa da servidão” (vers. 2). Jahwéh, o Deus libertador, está interessado em que Israel se liberte definitivamente da escravidão e se torne um Povo livre e feliz. Os “mandamentos” são, precisamente, um contributo de Deus para isso. Ao colocar estes “sinais” no percurso do seu Povo, Jahwéh não está a limitar a liberdade de Israel, mas está a propor ao Povo um caminho de liberdade e de vida plena. Os mandamentos pretendem ajudar Israel a deixar a escravidão do egoísmo, da autossuficiência, da injustiça, do comodismo, das paixões, da cobiça, de exploração… Os mandamentos nascem do amor de Jahwéh a Israel e procuram indicar ao Povo o caminho para ser feliz. A resposta do Povo a essa preocupação de Deus será aceitar as indicações e viver de acordo com esses preceitos. Israel responderá, assim, ao amor de Deus e será feliz. É essa Aliança que Jahwéh quer fazer com o seu Povo, é esse o “interesse” de Deus. 

Dehonianos de Portugal