A
luz da fidelidade, celebrada e refletida mistagogicamente na Semana Santa,
contempla a Cruz de Jesus Cristo como momento glorificador da vida do Senhor ao
Pai. É o sacramento, a expressão mais profunda e mais elevada de fidelidade à
missão que Jesus recebera do Pai. Na dimensão da fidelidade, a Cruz não se
caracteriza como castigo, mas como meio para que oferenda da vida ao Pai
aconteça de modo perfeito.
A
fidelidade de Jesus Cristo é fidelidade à missão de Deus para este mundo e para
com a humanidade. Isto exigiu dele a necessidade de superar tudo,
principalmente a terrível provação de ser abandonado por todos, inclusive por
Deus (SR e E). Se diante do mundo ele era visto como fracassado, sua fidelidade
ao projeto divino o descrevia como "servo bem-sucedido" que receberá
o reconhecimento divino (1L): não permanecerá na morte.
A
2ª leitura apresenta o motivo e o resultado da fidelidade de Jesus ao Pai. Pela
fidelidade confiante ao Pai, dirigiu súplicas em favor da sua vida, da vida
humana, e foi atendido com a graça da salvação divina. A morte de Jesus na Cruz
é uma oração corporal, pela qual ele dirige suas preces e súplicas ao Pai,
tornando-se assim “causa de salvação eterna para todos que o obedecem” (2L). A
Liturgia põe na boca de Jesus toda confiança pela sua fidelidade à missão de
Deus a ser realizada por ele na terra (SR).
Na
Teologia da Paixão de Jesus, narrada sobriamente por João (E), o evangelista
não traça o caminho de Jesus até o Calvário, como fazem os sinóticos, mas o
caminho de Jesus para a glória, fruto da fidelidade obediente ao Pai, manifesta
de modo pleno no altar da Cruz; momento no qual entrega tudo, até mesmo seu
Espírito (E). Por esse comportamento Jesus (e toda a humanidade) recebe a
recompensa divina: a libertação da morte (2L) realizada plenamente na
Ressurreição.
Refletir
a Cruz e a Paixão de Jesus iluminando-as pela fidelidade do Senhor à missão de
Deus na terra, oferece a oportunidade de celebrar a Sexta-feira Santa não com
dolorismo, mas com a necessidade de um coração agradecido, repleto de gratidão
pelo que Senhor fez em favor de toda a humanidade.
Atitude
de fidelidade do discípulo e discípula
A
atitude própria do discípulo e discípula amados, que na Cruz de Jesus eram
Maria e João, consiste em ficar de pé junto à Cruz (E). O ficar de pé dos
discípulos e discípulas é uma profissão de fé — uma manifestação de fidelidade
— diante de um quadro de falência do projeto do Mestre. Ficar de pé é
permanecer crendo que a morte de Jesus não é um castigo divino, mas a expressão
mais profunda da fidelidade que ele pode demonstrar ao Pai. A confirmação disso
encontra-se na Ressurreição.
A
atitude do discípulo e discípula amados de Jesus, espelhados em Maria e João,
manifesta a fortaleza da fé, da confiança que caracteriza a fidelidade nas
promessas divinas. Não se exclui os sentimentos de dor, e até mesmo de raiva,
próprios da natureza humana, mas estes favorecem compreender a fortaleza
interior de quem sabe onde e em quem deposita sua fidelidade. De modo muito
expressivo, a poesia do salmo responsorial, na última estrofe, convida os
celebrantes a confiar serenamente na promessa divina para nela fortalecer seus
corações com a coragem de quem não abandona a fidelidade nem mesmo debaixo da
Cruz.
Do
ponto de vista da fidelidade extrema ao Pai, expressa por Jesus na Cruz, a
Liturgia propõe no salmo responsorial (Sl 30) a espiritualidade humanizada do
Coração de Jesus. Na primeira parte, o salmista revela a fraqueza do seu
coração, o temor de ser envergonhado, desprezado, zombado, rejeitado e
esquecido até mesmo pelos seus amigos. É o retrato da espiritualidade sem a
confiança em Deus, descrita pela Psicologia como trauma ou ansiedade social,
sintomas próprios de quem teme ser esquecido por todos, até mesmo por Deus. Em
tudo isso se manifesta a humanidade de Jesus.
As
duas últimas estrofes cantam a espiritualidade de quem coloca sua confiança em
Deus, de quem coloca a vida e o destino nas mãos de Deus. É a espiritualidade
da confiança que busca a face serena de Deus, capaz de produzir a paz interior
e fortalecer o espírito diante de qualquer ameaça, mesmo que seja contra a
vida.