sábado, abril 16, 2022

PAIXÃO DO SENHOR






A luz da fidelidade, celebrada e refletida mistagogicamente na Semana Santa, contempla a Cruz de Jesus Cristo como momento glorificador da vida do Senhor ao Pai. É o sacramento, a expressão mais profunda e mais elevada de fidelidade à missão que Jesus recebera do Pai. Na dimensão da fidelidade, a Cruz não se caracteriza como castigo, mas como meio para que oferenda da vida ao Pai aconteça de modo perfeito.

A fidelidade de Jesus Cristo é fidelidade à missão de Deus para este mundo e para com a humanidade. Isto exigiu dele a necessidade de superar tudo, principalmente a terrível provação de ser abandonado por todos, inclusive por Deus (SR e E). Se diante do mundo ele era visto como fracassado, sua fidelidade ao projeto divino o descrevia como "servo bem-sucedido" que receberá o reconhecimento divino (1L): não permanecerá na morte.

A 2ª leitura apresenta o motivo e o resultado da fidelidade de Jesus ao Pai. Pela fidelidade confiante ao Pai, dirigiu súplicas em favor da sua vida, da vida humana, e foi atendido com a graça da salvação divina. A morte de Jesus na Cruz é uma oração corporal, pela qual ele dirige suas preces e súplicas ao Pai, tornando-se assim “causa de salvação eterna para todos que o obedecem” (2L). A Liturgia põe na boca de Jesus toda confiança pela sua fidelidade à missão de Deus a ser realizada por ele na terra (SR).

Na Teologia da Paixão de Jesus, narrada sobriamente por João (E), o evangelista não traça o caminho de Jesus até o Calvário, como fazem os sinóticos, mas o caminho de Jesus para a glória, fruto da fidelidade obediente ao Pai, manifesta de modo pleno no altar da Cruz; momento no qual entrega tudo, até mesmo seu Espírito (E). Por esse comportamento Jesus (e toda a humanidade) recebe a recompensa divina: a libertação da morte (2L) realizada plenamente na Ressurreição.

Refletir a Cruz e a Paixão de Jesus iluminando-as pela fidelidade do Senhor à missão de Deus na terra, oferece a oportunidade de celebrar a Sexta-feira Santa não com dolorismo, mas com a necessidade de um coração agradecido, repleto de gratidão pelo que Senhor fez em favor de toda a humanidade.

 

Atitude de fidelidade do discípulo e discípula

A atitude própria do discípulo e discípula amados, que na Cruz de Jesus eram Maria e João, consiste em ficar de pé junto à Cruz (E). O ficar de pé dos discípulos e discípulas é uma profissão de fé — uma manifestação de fidelidade — diante de um quadro de falência do projeto do Mestre. Ficar de pé é permanecer crendo que a morte de Jesus não é um castigo divino, mas a expressão mais profunda da fidelidade que ele pode demonstrar ao Pai. A confirmação disso encontra-se na Ressurreição.

A atitude do discípulo e discípula amados de Jesus, espelhados em Maria e João, manifesta a fortaleza da fé, da confiança que caracteriza a fidelidade nas promessas divinas. Não se exclui os sentimentos de dor, e até mesmo de raiva, próprios da natureza humana, mas estes favorecem compreender a fortaleza interior de quem sabe onde e em quem deposita sua fidelidade. De modo muito expressivo, a poesia do salmo responsorial, na última estrofe, convida os celebrantes a confiar serenamente na promessa divina para nela fortalecer seus corações com a coragem de quem não abandona a fidelidade nem mesmo debaixo da Cruz.

Do ponto de vista da fidelidade extrema ao Pai, expressa por Jesus na Cruz, a Liturgia propõe no salmo responsorial (Sl 30) a espiritualidade humanizada do Coração de Jesus. Na primeira parte, o salmista revela a fraqueza do seu coração, o temor de ser envergonhado, desprezado, zombado, rejeitado e esquecido até mesmo pelos seus amigos. É o retrato da espiritualidade sem a confiança em Deus, descrita pela Psicologia como trauma ou ansiedade social, sintomas próprios de quem teme ser esquecido por todos, até mesmo por Deus. Em tudo isso se manifesta a humanidade de Jesus.

As duas últimas estrofes cantam a espiritualidade de quem coloca sua confiança em Deus, de quem coloca a vida e o destino nas mãos de Deus. É a espiritualidade da confiança que busca a face serena de Deus, capaz de produzir a paz interior e fortalecer o espírito diante de qualquer ameaça, mesmo que seja contra a vida.