CUMPRE-SE
COM UMA SÓ MISSA DOIS PRECEITOS REFERENTES A DOIS DIAS DISTINTOS E
CONSECUTIIVOS?
23 de
dezembro de 2023
Paróquia
São Conrado de Constança
Este
ano teremos 2 solenidades litúrgicas (Natal e Santa Maria) que caem em uma
segunda-feira. Precisamos ir à Missa no domingo e na segunda?
Este
ano, as solenidades de preceito do Natal do Senhor (25 de dezembro) e Santa
Maria Mãe de Deus (1 de janeiro) serão celebradas na segunda-feira. Portanto,
poderão ser celebradas nas vésperas dos dias anteriores, que serão domingos…
Daí, muitos fieis perguntam: com esta única missa, poder-se-iam cumprir os dois
preceitos (o preceito do domingo e o preceito da segunda-feira)?
Antes
de responder a pergunta, cabe lembrar que o preceito dominical e festivo é de
direito eclesiástico. Em outras palavras, a Igreja, como responsável por
determinar os atos de culto necessários para que o fiel cumpra as obrigações
decorrentes da virtude da religião, especifica em quais dias é obrigatória a
assistência da Santa Missa.
De
fato, quando criou a possibilidade do cumprimento do preceito na missa
pré-festiva, a Congregação para os ritos estabeleceu que “onde, por concessão
da Sé Apostólica, permite-se que na tarde do sábado precedente se possa cumprir
o preceito da missa dominical, os pastores instruam os fieis cuidadosamente
sobre o significado dessa concessão e procurem que não se perca, por isso, o
sentido do domingo” (Congregação para os ritos, Instrução Eucharisticum
Mysterium [15.08.1967], n. 28).
Note-se
que se trata tão somente de uma concessão dada pela Igreja, com vistas a
facilitar o cumprimento do preceito, em que se encarece que os fieis sejam
esclarecidos sobre a importância de não se obscurecer o sentido do próprio
domingo ou dos dias festivos. Em outras palavras, a concessão é dada em
benefício de cada domingo ou dia festivo, e não o contrário.
O
Código de Direito Canônico recolhe essa disposição quando afirma que “cumpre o
preceito de participar na Missa quem a ela assiste onde quer que se celebre em
rito católico, quer no próprio dia festivo quer na tarde do dia antecedente”
(c. 1248, § 1).
Em
1974, a Conferência Episcopal dos Estados Unidos apresentou à Congregação para
o Clero uma pergunta (dubium) sobre a possibilidade, em caso de dias de
preceito confinantes, de a missa pré-festiva do segundo dia de preceito servir
para cumprir o preceito do dia anterior simultaneamente. Abaixo, o texto da
resposta.
Cumprimento
das festas e do preceito da Missa Dominical Em resposta às perguntas que
recebeu, a Congregação para o Clero esclareceu a questão do cumprimento
simultâneo das obrigações das festas e do domingo por atendimento à missa da
véspera. A título de exemplo, apresentou-se o seguinte dubium: “Se os fiéis que
comparecerem à missa no sábado, 15 de agosto, cumprirão o duplo preceito de
ouvir a missa no sábado, festa da Assunção, e do domingo, 16 de agosto”? A
Congregação respondeu “Negativo” ao caso acima e a todos os casos análogos. O
indulto pelo qual a faculdade é dada para cumprir a obrigação de comparecer à
missa na noite de um sábado ou de um dia de festa de preceito é geralmente
concedido com vistas a tornar mais fácil o cumprimento de tal preceito, sem
prejuízo de cumprir cada dia santo do Senhor (Congregação para o Clero,
Responso in USCCB, 35 Years of the BCL Newsletter, p. 450).
No
mesmo sentido, a Congregação para o Culto Divino, legislando acerca do
formulário que se deveria escolher para a Santa Missa nesses casos, relevou que
“uma dúvida surgiu quando uma certa solenidade obrigatória ocorre em um sábado
ou uma segunda-feira. Pois na noite do primeiro dia da festa (sábado ou
domingo) há uma sobreposição de dias litúrgicos porque ‘a celebração do domingo
e das solenidades começa já na noite do dia do preceito’, e na mesma celebração
alguns dos fiéis cumprem o preceito referente ao dia atual e outros o que
pertence ao dia seguinte” (Congregação para o culto divino e a disciplina dos
sacramentos, De missa diei dominicæ et festi de præcepto vespere diei
præcedentis anticipata in Notitiæ 10 [1974], p. 222).
Ou
seja, a Santa Sé, neste caso, não cogita a possibilidade de se cumprir na mesma
Missa os dois preceitos, supondo, portanto, que os fieis devam assistir uma
Missa relativamente a cada dia de preceito.
Sendo
assim, em meu entender, como duas idênticas obrigações requerem duas distintas
satisfações, parece-me que ao fiel é moralmente requerida a assistência a duas
missas de preceito, nas condições habituais que se requer para as situações
análogas (possibilidade de dispensa por parte do pároco, não obrigatoriedade
cum grave incommodo etc.).
Para
mim, a questão é relativamente simples e a complexidade se deve ao fato de se
misturarem duas perspectivas que não se deveriam confundir: a perspectiva moral
e a perspectiva litúrgica.
–
Perspectiva moral
Em
dois dias de preceito confinantes, o fiel tem duas obrigações distintas e,
portanto, precisa participar de duas missas, cada uma no período relativo ao
preceito e independentemente de qual missa se celebre (por exemplo, poderia ser
uma missa de funeral, uma missa de formatura, uma missa do dia ou o formulário
do dia seguinte, tanto faz).
Há
certo perigo de confusão pois existe uma faixa de tempo em que se podem cumprir
os dois preceitos (na tarde do primeiro dia de preceito, que corresponde à
tarde da véspera do preceito seguinte).
Daí,
alguns moralistas são da opinião de que uma missa só seria suficiente para
“matar” os dois preceitos. Eu discordo dessa opinião, a qual reputo pouco
provável, tanto por analogia com outras situações, quanto por falta de uma lei
eclesiástica que positivamente resolva o problema nestes termos, quanto porque
me parece que realmente, tratando-se de dois dias distintos, existem duas
obrigações não redutíveis a uma.
–
Perspectiva litúrgica
Aqui
se trata do critério que o sacerdote utiliza para escolher qual formulário da
Missa ele pretende usar. Em outras palavras, este é um assunto do padre, com
que o fiel não se deveria preocupar tanto.
Em
dia de preceito, a Igreja autoriza o fiel a cumpri-lo na tarde do dia anterior
e, por isso, os padres podem usar o formulário do dia seguinte na tarde da
véspera. Existem algumas solenidades com formulário de vigília e, neste caso,
usa-se este e não o do dia.
Contudo,
em dias de preceito confinante, a tarde do primeiro dia coincide com a tarde da
véspera do posterior e, então, o sacerdote precisa usar algum critério para
escolher qual missa ele irá celebrar.
Existem,
basicamente, dois critérios: o critério litúrgico, em que a Igreja diz qual
festa prevalece sobre a outra; mas também existe o critério pastoral, por
exemplo, para os casos em que a comunidade celebrou apenas uma missa naquele
dia (então, pode fazer sentido não usar o critério estritamente litúrgico e
usar, na noite do dia, a missa do próprio dia e não a do dia seguinte).
De
qualquer modo, a antecipação da missa do dia posterior para o anterior não é
estritamente obrigatória, deve-se seguir um critério de conveniência.
–
Conclusão pastoral
Às
vezes, o liturgicismo moderno cansa, pois os fieis querem pontificar sobre um
assunto para o qual não estão preparados. As leis litúrgicas não são
inflexíveis e, ao mesmo tempo, existem muitas teorias e usos inventados que
circulam pelas sacristias com o peso de leis.
As
normas litúrgicas existem para o celebrante e seus auxiliares. O povo fiel deve
procurar servir a Deus com amor e devoção, sendo o mais assíduo possível aos
sacramentos. Quem puder participar de três, quatro, cinco missas, faço-o com
todo amor; quem puder apenas das duas obrigatórias, faça-o também com amor. O
importante é servirmos a Deus com dedicação, pois o “Senhor pousa os seus olhos
sobre aqueles que o temem”.
Pe.
Dr. José Eduardo de Oliveira e Silva, Doutor em Teologia Moral pela PUSC (Roma)
Fonte:
presbiteros.org.br