sexta-feira, maio 30, 2025

NO ÚNICO CRISTO













NO ÚNICO CRISTO

30 de maio de 2025

 

Paróquia São Conrado de Constança






            “In Illo uno unum”, “em um só Cristo, apesar de muitos, somos um só”, é o lema escolhido pelo Papa Leão XIV, agostiniano, tirado dos escritos de Santo Agostinho, expressando a ideia de que, embora nós cristãos sejamos muitos, no único Cristo somos um. 

       Jesus Cristo é o centro das Sagradas Escrituras, esperado no Antigo Testamento e realizado no Novo: Cristo, ontem, hoje e por todo o sempre. E Jesus Cristo deve ser o centro de toda a nossa religião e devotamento.

       “O fim último de toda e qualquer devoção deve ser Jesus Cristo, Salvador do mundo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem... Jesus Cristo é o Alfa e o Ômega (Ap 1,8), ‘o princípio e o fim’ (Ap 21,6) de todas as coisas”. São palavras de São Luiz Maria Grignion de Montfort, ao falar da base da devoção a Maria Santíssima.

       Por isso, os últimos Papas, nas suas primeiras palavras como pontífices, ressaltaram sempre a importância do nome de Jesus:

João XXIII: “Jesus, o Redentor divino, Jesus, o Pastor, apascenta o seu rebanho com a celeste doutrina, e com o fogo desta doutrina tudo ilumina” (23/11/1958 – Primeira Missa em São João do Latrão). Paulo VI: “Queremos oferecer à humanidade o remédio para os seus males, a resposta para os seus apelos: a riqueza insondável de Cristo (Ef 3,8)” (30/06/1963 - Missa no início do seu pontificado). João Paulo I: “Proclamemos ao mundo, com alegre firmeza, a nossa profissão de fé: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!” (Mt 16,16) (03/09/1978 – Missa no início do seu pontificado).

João Paulo II: “Não tenhais medo de Cristo e de aceitar o seu poder! Não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo! Não tenhais medo!” (22/10/1978 – Missa no início do seu pontificado). Bento XVI: “Quem faz Cristo entrar em sua vida, nada perde, nada, absolutamente nada daquilo que a torna livre, bela e grande. Só nesta amizade se abrem, de par em par, as portas da vida. Não podemos ter medo de Cristo! Ele não tira nada de nós: ele nos dá tudo.” (24/04/2005 - Missa no início de seu pontificado).

Francisco: “Poderemos caminhar quanto quisermos, poderemos edificar muitas coisas, porém, se não confessarmos Jesus Cristo, alguma coisa não funciona. Acabaremos sendo uma ONG assistencial, porém, não a Igreja, esposa de Cristo” (14/03/2013 – Missa com os Cardeais na Capela Sixtina).

Leão XIV: “Somos discípulos de Cristo. Cristo vai à nossa frente. O mundo precisa da sua luz. A humanidade precisa d’Ele como ponte para poder ser alcançada por Deus e pelo seu amor.” (08/05/2025 – Bênção Urbi et Orbi, ao ser apresentado como o novo sucessor de Pedro). “Queremos dizer ao mundo, com humildade e alegria: Olhai para Cristo! Aproximai-vos d´Ele! Acolhei a sua Palavra que ilumina e consola. Escutai a sua proposta de amor para vos tornardes a sua única família. No único Cristo somos um.

 

Fonte: Dom Fernando Arêas Rifan


segunda-feira, maio 26, 2025

HOMILIA DO VI DOMINGO DA PÁSCOA











Amados irmãos e irmãs, hoje o Senhor nos fala da memória — não da memória fraca da carne, mas da memória viva do Espírito. Ele promete enviar o Paráclito, o Defensor, o Espírito da Verdade, pois . E afirma: “Ele vos recordará tudo o que eu vos tenho dito.”

 

Não se trata de uma lembrança qualquer, pois o Espírito não vem somente para relembrar frases ou registrar doutrinas. O Espírito Santo não é um gravador divino, mas é o Sopro do Amor entre o Pai e o Filho, que se derrama em nossos corações para tornar presente o que, sem Ele, permaneceria no passado.

 

Porque sem o Espírito, até o Evangelho vira letra morta. Sem Ele, ouvimos Jesus… e esquecemos. Lemos as Escrituras… e não entendemos. Repetimos as palavras… mas elas não nos transformam. A função do Espírito é nos introduzir na verdade, não como quem ensina lições, mas como quem acende uma chama no fundo da alma.

 

Por isso Jesus disse “ele vos recordará”. Recordar, do latim re-cordare, é trazer de volta ao coração. O Espírito Santo recorda ao nosso coração aquilo que, humanamente, teríamos esquecido — porque as palavras de Cristo não foram feitas para ficar apenas na cabeça. Foram ditas para enraizar-se no coração, frutificar na vida e moldar o ser.

Na escola de Santo Agostinho aprendemos que a memória, mais do que um depósito de lembranças, é uma morada interior onde Deus deseja habitar. Por isso Cristo diz: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada.” O Espírito é quem prepara essa casa. Ele limpa os quartos escuros da nossa alma, areja as janelas da consciência, expulsa o medo e acende a luz da paz.

 

É Ele quem nos consola quando tudo em volta grita desespero, quem nos corrige, quando o orgulho nos empurra para longe da humildade. Além disso, é Ele quem nos lembra, em meio ao tumulto do mundo, aquilo que Jesus sussurrou no silêncio da cruz: “Pai, perdoa.”

 

E veja, meu irmão, minha irmã… isso muda tudo. Porque mesmo quando não ouvimos mais — devido ao barulho — mesmo quando a dor parece sufocar a esperança, o Espírito continua recordando. Quando o desânimo chega e você pensa: “Será que Ele continua comigo?”, o Espírito sussurra dentro: “Deixo-vos a paz.” Quando a solidão pesa, e você esquece a promessa, Ele murmura: “Eu voltarei a vós.”

Não é coincidência que essa promessa venha antes da paixão. Jesus sabia que o medo nos tornaria esquecidos. Sabia que os discípulos fugiriam. Sabia que a cruz escandalizaria a esperança. Por isso, prometeu: o Espírito vos recordará. Porque quem ama não deixa o outro esquecer daquilo que dá sentido à vida.

 

Hoje, abramos espaço para essa memória divina. Peçamos ao Espírito que nos recorde o essencial. Que reacenda a Palavra esquecida, e desperte a alegria prometida, porque transforme a fé em fogo. E que, ao lembrar-nos de Jesus, nos faça mais parecidos com Ele.

 

Vinde, Espírito Santo. Fazei memória viva em nós.












quarta-feira, maio 21, 2025

LEÃO XIII

 





LEÃO XIII

21 de maio de 2025

 

Paróquia São Conrado de Constança



O nosso atual Papa Leão XIV, por quem estamos rezando para que faça um bom governo, disse que adotou o nome de “Leão” em homenagem ao seu antecessor Leão XIII, o Papa da “questão social”, o Papa dos operários, que iniciou e impulsionou a Doutrina Social da Igreja. É uma das linhas do programa de governo do Papa atual.

No século XIX, com a industrialização, aconteceu uma situação social completamente nova, surgindo a classe dos trabalhadores da indústria, o “proletariado industrial”, cujas terríveis condições de vida foram ilustradas de modo impressionante por Frederico Engels, em 1845, apresentando como solução a derrubada da sociedade burguesa. Karl Marx recolheu esse apelo do momento, a revolução proletária, e procurou dar uma solução, rumo à salvação, àquilo que Kant tinha qualificado como “o reino de Deus”, o que deu origem ao partido comunista, nascido do manifesto comunista de 1848. Essa revolução aconteceu, depois, de forma mais radical, na Rússia de Lenin. Mas a análise de Marx, por ser materialista, embora fascinante, estava, no foco, equivocada (cf. Bento XVI, Spe Salvi, n. 20).

A solução cristã à questão operária foi dada magistralmente pelo Papa Leão XIII, com a sua encíclica Rerum Novarum, sobre a Situação dos Operários e o Capital, publicada em 1891, que abordou o problema da condição social dos trabalhadores na era da industrialização. 

Leão XIII defendia, como um direito, o justo salário para os trabalhadores, suficiente para atender às necessidades legítimas do trabalhador e de sua família, permitindo-lhes viver com dignidade e autonomia, além de condições de trabalho seguras e a formação de associações para defender seus direitos. Ele defendia a importância da justiça social.

A encíclica Rerum Novarum é considerada um marco inicial da Doutrina Social da Igreja, que se preocupa com as questões sociais e busca soluções para as desigualdades injustas, defendendo o salário justo.

É sabida a influência dessa encíclica Rerum Novarum de Leão XIII na criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no Brasil, durante o governo de Getúlio Vargas e suas ideias influenciaram na formulação de políticas trabalhistas no Brasil, introduzindo importantes direitos para os trabalhadores, como a jornada de trabalho, o salário mínimo, etc.

Por isso, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) homenageou o Papa Leão XIII com um salão que leva seu nome e abriga um quadro com seu retrato, refletindo a importância da influência da sua encíclica na criação da Justiça do Trabalho no Brasil. E a Fundação Leão XIII, criada em 1947, em sua homenagem, teve como objetivo prestar assistência social às populações carentes das favelas.

“O ensino e a difusão da doutrina social fazem parte da missão evangelizadora da Igreja, destinada a levar as pessoas ao empenho pela justiça, segundo o papel, a vocação e as circunstâncias pessoais” (cf. S. João Paulo II, Soll. Rei Socialis, 41).

 

 

Fonte: Dom Fernando Arêas Rifan

 

 


terça-feira, maio 20, 2025

V DOMINGO DA PÁSCOA

 







“Dou-vos um novo mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado” (v. 34).

Jesus fala em um “novo mandamento”. A novidade deste novo mandamento é que não se trata do antigo e conhecido mandamento que ordenava “amar ao próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18). A própria construção da frase, sugere que o “novo” deste mandamento consiste, exatamente, no “como eu vos amei”. Nem a palavra amar, nem o mandamento do amor são novos. Novo é amar como Jesus, amar em Jesus, por causa de sua palavra impressa em cada página do evangelho.

O verbo “agapaô” – traduzido do grego como amar, aqui utilizado, define, o amor que faz dom de si, o amor até ao extremo, o amor que não guarda nada para si, mas é entrega total e absoluta. O ponto de referência no amor é o próprio Jesus, como prescreve o complemento da frase “como eu vos tenho amado”. Amar consiste em acolher, em pôr-se ao serviço dos outros, em dar-lhes dignidade e liberdade pelo amor, e isso sem limites. Jesus é a norma, agora traduzida em palavras, o que ele mesmo manifestou com seus atos, para que os seus discípulos tenham uma referência.  O amor, igual ao de Jesus, que os discípulos devem manifestar entre si será visível para todos (v. 35).  Trata-se de um amor universal, capaz de transformar todas as circunstâncias negativas e todos os obstáculos em ocasiões para progredir no amor.

O estilo divino desse amor de Cristo tem que ser o modelo do nosso amor.  De tal sorte que nossa presença junto aos irmãos seja uma sombra da presença do próprio Cristo.  Um amor que presta em favor dos irmãos, os mais humildes serviços, como fez Jesus.  Cristo se identifica com o outro, especialmente com os mais necessitados.  É uma verdade que somente os cristãos, mediante a fé, podem ver Cristo na pessoa do outro, pois será a partir deste amor a base do nosso julgamento final, pois ele mesmo disse: “Tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber…”. E completa: “Todas as vezes que o deixastes de fazer a um destes pequeninos, foi a mim eu o deixastes de fazer” (Mt 25,40-45)

Além de proclamar o mandamento do amor, Jesus deixou esta norma como sinal distintivo para os seus seguidores:  “Nisso conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (v. 35).  Por vontade expressa de Cristo é o amor o sinal de identificação de seus discípulos.  O sinal que de agora em diante distinguirá seus discípulos deverá ser o amor mútuo.  Como já nos diz o Evangelista São João: “Se alguém diz: Eu amo a Deus e odeia a seu irmão é mentiroso. Pois, quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?  E dele temos este mandamento:  Quem ama a Deus, ame também a seu irmão” (1Jo 4,20s).  E ainda frisa: “Sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos. Quem não ama permanece na morte” (1Jo 3,14).

Diante destas exigências apresentadas por Jesus e lançando um olhar para cada um de nós, percebemos que somos fracos e limitados. Existe sempre em nós uma resistência ao amor e na nossa existência há muitas dificuldades que provocam divisões, ressentimentos e rancores. Mas não podemos perder a esperança. O Senhor prometeu estar presente na nossa vida, nos tornando capazes deste amor generoso e total, que sabe superar todos os obstáculos. Se estivermos unidos a Cristo, poderemos amar verdadeiramente deste modo que Ele quer. Amar os outros como Jesus nos amou só é possível com aquela força que nos é comunicada na relação com Ele, especialmente na Eucaristia, na qual se torna presente de maneira real o seu Sacrifício de amor que gera amor.

A prática do amor mútuo é a expressão da fé em Jesus. O verdadeiro discípulo distingue-se pelo amor. A capacidade de amar-se mutuamente indica o quanto Jesus está agindo na vida do cristão. A presença salvadora de Jesus tem o efeito de desatar o nó do egoísmo, que afasta os indivíduos de seus semelhantes e, por consequência, de Deus também.

São Paulo ressalta que o amor é superior a todos os dons extraordinários. O amor é maior do que o dom de língua. O amor é maior do que o dom de profecia e conhecimento. O amor é maior do que o dom de milagres. Sem amor, até as melhores obras de caridade ficam isentas de valor (cf. 1Cor 13,1-3). O amor é melhor por causa da sua excelência intrínseca e também por causa da sua perpetuidade.

São Paulo define que o amor é paciente e benigno, ou seja, o amor tem uma infinita capacidade de suportar. A palavra indica paciência com pessoas, no sentido de reagir com bondade perante aqueles que o maltratam.  São Paulo ainda explica que o amor não é ciumento, ufanoso e ensoberbecido. Não se conduz inconvenientemente, não procura os seus próprios interesses e não se ressente com o mal. O amor não se alegra com a justiça, mas regozija-se com a verdade. E, por fim, diz São Paulo que o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta (cf. 1Cor 13,4-7).  E ainda segundo São Paulo, dentre as maiores virtudes: fé, esperança e caridade, a maior de todas é a caridade, ou seja, o amor (cf. 1Cor 13,13).

Podemos correr o risco de reconhecer o perigo de alegrarmos com o fracasso dos nossos inimigos. Há um mal intrínseco em nós mesmos. Podemos sentir um falso alívio quando vemos os nossos adversários fracassando e caindo, mas isto não é amor. O amor além de perdoar, esquece e não mantém um registro do que foi dito e feito contra nós.  A ausência de amor faz com que o cristão perca o seu significado diante de Deus. Deus não pode usar, para a sua glória, um cristão sem amor.

Possamos hoje questionar a nós mesmos: É este o amor que Jesus pede que estou vivendo e compartilhando?  Estou testemunhando, com gestos concretos, o amor de Deus? Nos nossos comportamentos e atitudes uns para com os outros, todos podem descobrir o amor de Deus no mundo?  Saibamos haurir diariamente da relação de amor com Deus pela oração, a força para transmitir o anúncio profético de salvação a todas as pessoas com as quais convivemos.


Fonte: Dom Anselmo Costa








segunda-feira, maio 19, 2025

MISSA INAUGURAL DO PONTIFICADO DE SS PAPA LEÃO XIV












Queridos irmãos Cardeais, Irmãos no episcopado e no sacerdócio, distintas Autoridades e Membros do Corpo Diplomático, irmãos e irmãs,

no início do ministério que me foi confiado, saúdo-vos a todos com o coração cheio de gratidão. Escreveu Santo Agostinho: «Fizeste-nos para Vós, [Senhor,] e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Vós» (Confissões, 1,1.1).

Nos últimos dias, vivemos tempos particularmente intensos. A morte do Papa Francisco encheu os nossos corações de tristeza e, naquelas horas difíceis, sentimo-nos como as multidões que o Evangelho diz serem «como ovelhas sem pastor» (Mt 9, 36).

No entanto, precisamente no dia de Páscoa, recebemos a sua última bênção e, à luz da ressurreição, enfrentámos este momento na certeza de que o Senhor nunca abandona o seu povo, mas congrega-o quando se dispersa e guarda-o «como o pastor ao seu rebanho» (Jr 31, 10).

Neste espírito de fé, o Colégio Cardinalício reuniu-se para o Conclave. Chegando com histórias diferentes e a partir de caminhos diversos, colocámos nas mãos de Deus o desejo de eleger o novo sucessor de Pedro, o Bispo de Roma, um pastor capaz de guardar o rico património da fé cristã e, ao mesmo tempo, de olhar para longe, para ir ao encontro das interrogações, das inquietações e dos desafios de hoje. Acompanhados pela vossa oração, sentimos a ação do Espírito Santo, que soube harmonizar os diferentes instrumentos musicais e fez vibrar as cordas do nosso coração numa única melodia.

Fui escolhido sem qualquer mérito e, com temor e tremor, venho até vós como um irmão que deseja fazer-se servo da vossa fé e da vossa alegria, percorrendo convosco o caminho do amor de Deus, que nos quer a todos unidos numa única família.

Amor e unidade: estas são as duas dimensões da missão que Jesus confiou a Pedro.

É o que nos narra o trecho do Evangelho, que nos leva ao lago de Tiberíades, o mesmo onde Jesus iniciou a missão recebida do Pai: “pescar” a humanidade para salvá-la das águas do mal e da morte. Passando pela margem daquele lago, chamou Pedro e os outros primeiros discípulos para serem como Ele, “pescadores de homens”, e agora, após a ressurreição, cabe-lhes precisamente a eles levar em frente esta missão, lançar sempre e novamente a rede imergindo nas águas do mundo a esperança do Evangelho, e navegar no mar da vida para que todos se possam reencontrar no abraço de Deus.

Como pode Pedro levar adiante essa tarefa? O Evangelho diz-nos que isso só é possível porque ele experimentou na própria vida o amor infinito e incondicional de Deus, mesmo na hora do fracasso e da negação. Por isso, quando Jesus se dirige a Pedro, o Evangelho usa o verbo grego agapao, que se refere ao amor que Deus tem por nós, à sua entrega sem reservas nem cálculos, diferente do usado na resposta de Pedro, que descreve o amor de amizade que cultivamos entre nós.

Quando Jesus pergunta a Pedro – «Simão, filho de João, tu amas-me?» (Jo 21, 16) – refere-se ao amor do Pai. É como se Jesus lhe dissesse: só se conheceste e experimentaste este amor de Deus, que nunca falha, poderás apascentar as minhas ovelhas; só no amor de Deus Pai poderás amar os teus irmãos com «algo mais», isto é, oferecendo a vida por eles.

A Pedro, portanto, é confiada a tarefa de «amar mais» e dar a sua vida pelo rebanho. O ministério de Pedro é marcado precisamente por este amor oblativo, porque a Igreja de Roma preside na caridade e a sua verdadeira autoridade é a caridade de Cristo. Não se trata nunca de capturar os outros com a prepotência, com a propaganda religiosa ou com os meios do poder, mas trata-se sempre e apenas de amar como fez Jesus.

Ele é – afirma o próprio apóstolo Pedro – «a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que se transformou em pedra angular» (At 4, 11). E se a pedra é Cristo, Pedro deve apascentar o rebanho sem nunca ceder à tentação de ser um líder solitário ou um chefe colocado acima dos outros, tornando-se dominador das pessoas que lhe foram confiadas (cf. 1 Pe 5, 3); pelo contrário, é-lhe pedido que sirva a fé dos irmãos, caminhando com eles: todos nós, com efeito, somos «pedras vivas» (1 Pe 2, 5), chamados pelo nosso Batismo a construir o edifício de Deus na comunhão fraterna, na harmonia do Espírito, na convivência das diversidades. Como afirma Santo Agostinho: «A Igreja é constituída por todos aqueles que mantêm a concórdia com os irmãos e que amam o próximo» (Sermão 359, 9).

Irmãos e irmãs, gostaria que fosse este o nosso primeiro grande desejo: uma Igreja unida, sinal de unidade e comunhão, que se torne fermento para um mundo reconciliado.

No nosso tempo, ainda vemos demasiada discórdia, demasiadas feridas causadas pelo ódio, a violência, os preconceitos, o medo do diferente, por um paradigma económico que explora os recursos da Terra e marginaliza os mais pobres. E nós queremos ser, dentro desta massa, um pequeno fermento de unidade, comunhão e fraternidade. Queremos dizer ao mundo, com humildade e alegria: Olhai para Cristo! Aproximai-vos d’Ele! Acolhei a sua Palavra que ilumina e consola!

Escutai a sua proposta de amor para vos tornardes a sua única família. No único Cristo somos um. E este é o caminho a percorrer juntos – entre nós, mas também com as Igrejas cristãs irmãs, com aqueles que percorrem outros caminhos religiosos, com quem cultiva a inquietação da busca de Deus, com todas as mulheres e todos os homens de boa vontade – para construirmos um mundo novo onde reine a paz.

Este é o espírito missionário que nos deve animar, sem nos fecharmos no nosso pequeno grupo nem nos sentirmos superiores ao mundo; somos chamados a oferecer a todos o amor de Deus, para que se realize aquela unidade que não anula as diferenças, mas valoriza a história pessoal de cada um e a cultura social e religiosa de cada povo. Irmãos, irmãs, esta é a hora do amor! A caridade de Deus, que faz de nós irmãos, é o coração do Evangelho e, com o meu predecessor Leão XIII, podemos hoje perguntar-nos: «Não se veria em breve prazo estabelecer-se a pacificação, se estes ensinamentos pudessem vir a prevalecer nas sociedades?» (Carta enc. Rerum novarum, 14).

Com a luz e a força do Espírito Santo, construamos uma Igreja fundada no amor de Deus e sinal de unidade, uma Igreja missionária, que abre os braços ao mundo, que anuncia a Palavra, que se deixa inquietar pela história e que se torna fermento de concórdia para a humanidade. Juntos, como único povo, todos irmãos, caminhemos ao encontro de Deus e amemo-nos uns aos outros.







sexta-feira, maio 16, 2025

DISCURSO DO PAPA LEÃO XIV







DISCURSO DO PAPA LEÃO XIV

16 de maio de 2025

 

Paróquia São Conrado de Constança






Eminência,

Excelências,

Senhoras e Senhores,

A paz esteja convosco!

Agradeço a S. Ex.cia o Sr. George Poulides, Embaixador da República de Chipre e Decano do Corpo Diplomático, pelas expressões cordiais que, em nome de todos vós, me dirigiu e pelo seu trabalho incansável, realizado com o vigor, a paixão e a simpatia que o distinguem, qualidades que lhe valeram a estima de todos os meus Predecessores durante estes anos de missão junto da Santa Sé, em particular, do saudoso papa Francisco.

Gostaria de agradecer, igualmente, as numerosas mensagens de felicitações que se seguiram à minha eleição, bem como as de condolências pelo falecimento do papa Francisco que as precederam e vieram também de países com os quais a Santa Sé não mantém relações diplomáticas. Trata-se de uma significativa declaração de estima, que favorece o aprofundamento das relações mútuas.

No nosso diálogo, gostaria que prevalecesse sempre o sentido de família – com efeito, a comunidade diplomática representa toda a família dos povos – partilhando as alegrias e as tristezas da vida bem como os valores humanos e espirituais que a animam. A diplomacia pontifícia é realmente expressão da própria catolicidade da Igreja e, na sua ação diplomática, a Santa Sé é animada por uma urgência pastoral que a impele a intensificar a sua missão evangélica ao serviço da humanidade, não a procurar privilégios. Essa ação combate toda a indiferença e interpela continuamente as consciências, como o fez incansavelmente o meu venerado Predecessor, sempre atento ao grito dos pobres, dos necessitados e dos marginalizados, bem como aos desafios que marcam o nosso tempo, desde a salvaguarda da criação à inteligência artificial.

Para além de ser um sinal concreto da atenção dos vossos países para com a Sé Apostólica, a vossa presença hoje é para mim um dom, que permite recordar-vos a aspiração da Igreja – e a minha pessoal – de alcançar e abraçar todos os povos e cada pessoa desta terra, desejosa e necessitada de verdade, de justiça e de paz! De certa forma, a minha própria experiência de vida, desenvolvida entre a América do Norte, a América do Sul e a Europa, é representativa desta aspiração de atravessar fronteiras para encontrar pessoas e culturas diferentes.

Através do trabalho constante e paciente da Secretaria de Estado, pretendo consolidar o conhecimento mútuo e o diálogo convosco e com os vossos países, muitos dos quais já tive a graça de visitar ao longo da minha vida, sobretudo quando era Prior Geral dos Agostinianos. Confio que a Divina Providência me concederá novas oportunidades de encontro com as realidades de onde sois provenientes, permitindo-me acolher as ocasiões que surgirão para confirmar na fé tantos irmãos e irmãs espalhados pelo mundo e para construir novas pontes com todas as pessoas de boa vontade.

No nosso diálogo, gostaria que tivéssemos presentes três palavras-chave, que constituem os pilares da ação missionária da Igreja e do trabalho da diplomacia da Santa Sé.

A primeira palavra é paz. Demasiadas vezes pensamos nela como uma palavra “negativa”, ou seja, como uma mera ausência de guerra e de conflito, visto que o confronto faz parte da natureza humana e acompanha-nos sempre, levando-nos demasiadas vezes a viver num “estado de conflito” constante: em casa, no trabalho, na sociedade. A paz parece então uma simples trégua, uma pausa de repouso entre uma disputa e outra, porque, por mais que nos esforcemos, as tensões estão sempre presentes, um pouco como as brasas a arder sob as cinzas, prontas a reacender-se a qualquer momento.

Na perspectiva cristã – como na de outras experiências religiosas – a paz é, principalmente, um dom: o primeiro dom de Cristo: «Dou-vos a minha paz» (Jo 14, 27). No entanto, essa paz é um dom ativo e envolvente, que diz respeito e compromete a cada um de nós, independentemente da origem cultural e da filiação religiosa, e que exige, sobretudo, um trabalho sobre si mesmo. A paz constrói-se no coração e a partir do coração, erradicando o orgulho e as pretensões, e medindo a linguagem, pois também com as palavras se pode ferir e matar, não só com as armas.

Nesta ótica, considero fundamental o contributo que as religiões e o diálogo inter-religioso podem dar para promover contextos de paz. Isto exige, evidentemente, o pleno respeito pela liberdade religiosa em todos os países, uma vez que a experiência religiosa é uma dimensão fundamental da pessoa humana, sem a qual é difícil, se não impossível, alcançar a purificação do coração necessária para construir relações de paz.

A partir deste trabalho, que todos somos chamados a fazer, é possível erradicar as premissas de qualquer conflito ou vontade destrutiva de conquista. Isto exige também uma abertura sincera ao diálogo, animada pelo desejo de encontro e não de confronto. Nesta perspectiva, faz-se necessário dar um novo fôlego à diplomacia multilateral e às instituições internacionais que foram desejadas e concebidas, em primeiro lugar, para remediar as relações conflituosas que possam surgir no seio da comunidade internacional. Naturalmente, também é necessária a vontade de deixar de produzir instrumentos de destruição e morte, porque, como recordou o  papa Francisco na sua última Mensagem Urbi et Orbi: «Não é possível haver paz sem um verdadeiro desarmamento! A necessidade que cada povo sente de garantir a sua própria defesa não pode transformar-se numa corrida generalizada ao armamento»

A segunda palavra é justiça. A busca da paz exige a prática da justiça. Como já referi, escolhi o meu nome a pensar principalmente em Leão XIII, o papa da primeira grande encíclica social, a Rerum novarum. Na mudança de época que estamos a viver, a Santa Sé não pode deixar de fazer ouvir a sua voz perante os numerosos desequilíbrios e injustiças que conduzem, entre outras coisas, a condições indignas de trabalho e a sociedades cada vez mais fragmentadas e conflituosas. É necessário também esforçar-se para remediar as desigualdades globais, que veem a opulência e a indigência traçar sulcos profundos entre continentes, países e mesmo no interior de cada sociedade.

Cabe aos responsáveis governamentais esforçarem-se por construir sociedades civis harmoniosas e pacíficas. Isto pode ser feito, principalmente, investindo na família, fundada na união estável entre o homem e a mulher, uma “sociedade muito pequena certamente, mas real e anterior a toda a sociedade civil”. Além disso, ninguém pode deixar de favorecer contextos em que a dignidade de cada pessoa é protegida, especialmente a das mais frágeis e indefesas, do nascituro ao idoso, do doente ao desempregado, seja ele cidadão ou imigrante.

A minha própria história é a de um cidadão, descendente de imigrantes, e também emigrado. Cada um de nós, ao longo da vida, pode encontrar-se saudável ou doente, empregado ou desempregado, na sua terra natal ou numa terra estrangeira: a nossa dignidade, no entanto, permanece sempre a mesma, a de uma criatura querida e amada por Deus.

A terceira palavra é verdade. Não é possível construir relações realmente pacíficas, mesmo no seio da comunidade internacional, sem a verdade. Quando as palavras assumem conotações ambíguas e ambivalentes e o mundo virtual, com a sua percepção alterada da realidade, ganha a dianteira sem medida, é difícil construir relações autênticas, uma vez que se perdem as premissas objetivas e reais da comunicação.

Por seu lado, a Igreja nunca se pode furtar a dizer a verdade sobre o homem e sobre o mundo, mesmo recorrendo, quando necessário, a uma linguagem franca, que pode provocar alguma incompreensão inicial. A verdade, porém, nunca está separada da caridade, que tem sempre na sua raiz a preocupação pela vida e pelo bem de cada homem e mulher. Além disso, na perspectiva cristã, a verdade não é a afirmação de princípios abstratos e desencarnados, mas o encontro com a própria pessoa de Cristo, que vive na comunidade dos crentes. Assim, a verdade não nos aliena, mas permite-nos enfrentar com maior vigor os desafios do nosso tempo, como as migrações, o uso ético da inteligência artificial e a preservação da nossa querida Terra. São desafios que exigem o empenho e a cooperação de todos, pois ninguém pode pensar em enfrentá-los sozinho.

Caros Embaixadores,

O meu ministério começa no coração de um ano jubilar, dedicado de modo especial à esperança. É um tempo de conversão e de renovação e, sobretudo, uma oportunidade para deixar para trás os conflitos e iniciar um novo caminho, animado pela esperança de poder construir, trabalhando juntos, cada um segundo as suas sensibilidades e responsabilidades, um mundo em que todos possam realizar a sua humanidade na verdade, na justiça e na paz. Espero que isto possa acontecer em todos os contextos, a começar pelos mais provados, como a Ucrânia e a Terra Santa.

Agradeço-vos por todo o trabalho que fazeis para construir pontes entre os vossos países e a Santa Sé e, de todo o coração, vos abençoo com as vossas famílias e os vossos povos. Obrigado!

 

Fonte: Brasil Paralelo

quarta-feira, maio 14, 2025

VIVA LEÃO XIV!







A Igreja está em festa com a eleição do Cardeal Robert Francis Prevost como o 267º Papa, assumindo o nome de Leão XIV, tornando-se assim o 266º sucessor de São Pedro na Cátedra de Roma. Confirma assim o dogma católico de que Pedro sempre terá perpétuos sucessores até o fim dos tempos. A Igreja não acaba com a morte de um Papa. Nossas orações o acompanham.

“Depois da aceitação, o eleito, que já recebeu a ordenação episcopal, é imediatamente Bispo da Igreja Romana, verdadeiro Papa e Chefe do Colégio Apostólico. Ele adquire, de fato, o poder pleno e supremo sobre a Igreja universal, e pode exercê-lo” (Universi Dominici gregis, n. 88). Por isso, a partir do momento da proclamação do Romano Pontífice eleito, a Igreja, nas celebrações litúrgicas, recordará o Papa da maneira habitual. As nossas comunidades cristãs são convidadas a dar graças ao Senhor pela eleição do novo Romano Pontífice e a rezar pelo novo Papa em todas as celebrações...

“ - Deus nosso Pai, que sempre sustentais a vossa Igreja, nós vos damos graças pela eleição do Papa Leão. Concedei-lhe edificar o povo que lhe foi confiado com a palavra e o exemplo. – Deus eterno, que assistis a Igreja com amor providente, sustentai com a vossa bênção o vosso servo e nosso Papa Leão, para que o seu ministério seja rico de frutos abundantes. – Deus de amor, santificai e protegei a Igreja, para que, sob a direção do nosso Papa Leão, ela se alimente assiduamente do Evangelho e da Eucaristia e cresça na comunhão do vosso Espírito. – Senhor nosso Deus, que escolhestes o vosso servo Leão. para Bispo de Roma, sustentai-o com o vosso amor para que ele seja fundamento visível de unidade na fé e comunhão na caridade”.

Celebramos nesta semana a festa de Nossa Senhora de Fátima, que no dia 13 de maio de 1917 apareceu a três pastorinhos, Lúcia, Francisco e Jacinta. Jacinta, santa, viu o Papa numa visão, sofrendo e sendo perseguido, o que a motivou a rezar muito por ele e a oferecer-se em sacrifício pela sua proteção. Ela tinha uma paixão especial pelo Papa e sentia-se chamada a rezar por ele, reconhecendo a sua necessidade de oração. O Céu tinha-lhe falado do Papa. Pediu orações por ele. A Jacinta, com 7 anos de idade, entendeu bem, na visão que lhe foi dado contemplar, que o Papa sofria muito, que necessitava de orações. Ficou “apaixonada” por ele.

A paixão pelo Papa levava-a a rezar muito pelo Santo Padre, a sacrificar-se por ele, mesmo, ao que parece, sem saber bem quem era e que nome tinha. Dizia com frequência, refere a sua prima Lúcia, “coitadinho do Santo Padre”, e relatava novamente o que vira na célebre visão: o Papa em sofrimento, em oração, insultado, perseguido, caluniado. Ela, com seu coração de santa, sofria muito e o sofrimento fazia brotar-lhe a oração pelo Papa. Tinha necessidade de rezar por ele e de pedir a outros que rezassem. O sofrimento, as perseguições a que o Papa era submetido faziam-na vibrar de amor, de oração, de dor, de paixão.



Fonte: Dom Fernando Arêas Rifan


terça-feira, maio 13, 2025

NOSSA SENHORA DE FÁTIMA








Nossa Senhora de Fátima é uma devoção mariana que se destaca pela mensagem de esperança e conversão, transmitida por meio das aparições aos pastorinhos em 1917. A meditação sobre Nossa Senhora de Fátima convida à reflexão sobre o amor de Deus, a importância da oração e da penitência, e a necessidade de se aproximar de Jesus através de Maria.

Meditação:

A mensagem de esperança:

Nossa Senhora de Fátima, em meio a um contexto de guerra e sofrimento, oferece uma mensagem de esperança e promessa de paz. As aparições são um convite à fé e à confiança em Deus, mesmo diante das dificuldades.

A importância da oração e da penitência:

Nossa Senhora incentiva a rezar o terço, a penitência e a reparação pelos pecados. A oração é apresentada como um meio de comunicação com Deus e de intercessão pelas almas.

A busca pela santidade:

A vida e o exemplo dos pastorinhos de Fátima, Lúcia, Francisco e Jacinta, são lembranças de como a santidade é possível para todos, mesmo em meio à simplicidade da vida rural.

A proteção materna:

Nossa Senhora de Fátima se apresenta como uma mãe amorosa e protetora, que intercede por seus filhos e os guia no caminho da santidade.

A esperança do Triunfo do Coração Imaculado:

A promessa de que o Coração Imaculado de Maria triunfará é um convite à esperança e à fé na vitória de Deus sobre o mal.










segunda-feira, maio 12, 2025

IV DOMINGO DA PÁSCOA








Queridos irmãos e irmãs, no breve, porém denso Evangelho de hoje, encontramos palavras de Jesus que ecoam como um convite amoroso e, ao mesmo tempo, como uma declaração solene. A imagem do pastor e das ovelhas não é somente uma metáfora poética, mas principalmente uma chave para compreendermos nossa relação com Deus e a profundidade do amor com que somos conduzidos.

Logo no início, Jesus afirma: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem.”. Aqui está revelado o primeiro aspecto essencial da vida cristã: escutar, pois não se trata de ouvir qualquer som, mas de escutar com o coração e de reconhecer, no meio de tantas vozes que nos cercam diariamente — vozes de medo, de desânimo, de confusão — a voz mansa, firme e inconfundível do Bom Pastor. Aquela voz que não manipula, não grita, não oprime. Ao contrário, ela chama pelo nome, consola, orienta e conduz.

Por isso, a fé não começa com grandes gestos. Começa com escuta e silêncio interior e, portanto, quando paramos de viver no ruído da pressa para permitir que a Palavra de Deus penetre na alma. E mais do que escutar, somos chamados a seguir, porque o seguimento é a prova de que ouvimos de verdade. Quem escuta e não se move, mas permanece longe, e quem escuta e responde com a vida, caminha na luz.

 

A salvação é dom.

Em seguida, Jesus nos oferece uma promessa que transcende o tempo: “Eu dou-lhes a vida eterna, e elas jamais se perderão.” Isso significa que o nosso destino não é o caos, a morte ou o esquecimento. É a eternidade. E não por nossos méritos, mas por sua misericórdia. A salvação é dom. É graça concedida àqueles que permanecem unidos ao Pastor. Aqui, Jesus nos assegura: quem está em suas mãos não se perde. Mesmo que caia, será levantado, e caso se afaste, será buscado. E mesmo que se machuque, será curado.

Logo depois, Ele acrescenta uma verdade ainda mais forte: “Ninguém vai arrancá-las de minha mão.” Que frase poderosa! Vivemos num mundo instável, onde tantas coisas nos são tiradas — segurança, paz, saúde, estabilidade — mas Jesus declara que há um lugar de onde ninguém pode nos remover: Suas mãos. O maligno pode tentar. As provações podem sacudir. As dúvidas podem se insinuar. Mas quem permanece em Cristo está guardado no amor do Pai.

Além disso, Jesus nos conduz a uma visão mais alta, mais profunda, mais teológica: “Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai.” Aqui encontramos o mistério da providência divina. Tudo começa no Pai. É Ele quem nos entrega ao Filho. É Ele quem nos gera na fé. E é Nele que repousamos com segurança. A vontade do Pai é que ninguém se perca. E essa vontade é fiel. Não falha. Não se desfaz.

Por fim, Jesus sela esta revelação com uma das declarações mais impactantes de todo o Evangelho: “Eu e o Pai somos um.” Esta frase não é uma figura de linguagem. É uma revelação da Trindade. Aqui Cristo revela sua divindade com clareza. Ele não é apenas um enviado, um profeta ou um mestre. Ele é um com o Pai. Compartilha a mesma essência, a mesma glória, o mesmo poder. Crer nisso é entrar no coração da fé cristã. É reconhecer que, ao ouvir Jesus, ouvimos o próprio Deus. Ao seguir Jesus, seguimos o caminho eterno. Ao confiar em Jesus, confiamos no Pai.

 

E como viver isso, na prática?

Em primeiro lugar, cultivando a escuta da Palavra. Ler o Evangelho diariamente, mesmo que por poucos minutos, nos afina à voz do Pastor. Em segundo lugar, fortalecendo a confiança. Quando vierem as tribulações — e elas virão — lembre-se: ninguém pode te arrancar das mãos de Cristo. E por fim, testemunhando. Se o mundo está confuso, sejamos nós aqueles que seguem a voz certa. Se o mundo está com medo, sejamos nós as ovelhas que vivem com paz, porque sabem em quem confiam.

Portanto, irmãos e irmãs, que esta Palavra se torne carne em nós. Que possamos ouvir, seguir, confiar e viver com a certeza de que estamos nas mãos do Bom Pastor. E que, ao final de tudo, quando cruzarmos o vale da sombra da morte, possamos escutar aquela voz conhecida a nos dizer: “Vem, bendito do meu Pai… entra na alegria do teu Senhor.”












PRIMEIRA HOMILIA DO PAPA LEÃO XIV










Começarei com uma palavra em inglês, e o resto será em italiano. Mas quero repetir as palavras do Salmo Responsorial: “Cantarei ao Senhor um cântico novo, porque Ele fez maravilhas”. E, de fato, não apenas comigo, mas com todos nós.

Irmãos cardeais, enquanto celebramos nesta manhã, convido-vos a refletir sobre as maravilhas que o Senhor realizou, as bênçãos que o Senhor continua derramando sobre todos nós através do ministério de Pedro. Vós me chamastes a carregar essa cruz e a ser abençoado com essa missão, e sei que posso contar com cada um de vós para caminhar comigo, enquanto prosseguimos como Igreja, como comunidade de amigos de Jesus, como crentes que anunciam a Boa Nova, que anunciam o Evangelho.

“Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16, 16). Com essas palavras, Pedro, interrogado pelo Mestre, junto com os outros discípulos, sobre sua fé n’Ele, resume a herança que a Igreja, por meio da sucessão apostólica, conserva, aprofunda e transmite ao longo de dois mil anos: Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo, ou seja, o único Salvador e aquele que nos revela o rosto do Pai.

Nele, Deus, para se fazer próximo e acessível aos homens, revelou-se a nós nos olhos confiantes de uma criança, na mente viva de um jovem, nos traços maduros de um homem, até aparecer aos seus, após a Ressurreição, com seu corpo glorioso. Ele nos mostrou assim um modelo de humanidade santa que todos podemos imitar, juntamente com a promessa de um destino eterno que ultrapassa todos os nossos limites e capacidades.

Pedro, em sua resposta, assume ambas as dimensões: o dom de Deus e o caminho a ser percorrido para se deixar transformar — dimensões inseparáveis da salvação, confiadas à Igreja para que as anuncie para o bem da humanidade. Ele as confia a nós, escolhidos por Ele antes mesmo de sermos formados no ventre materno, regenerados nas águas do Batismo e, além de nossos limites e sem qualquer mérito próprio, conduzidos até aqui e enviados daqui, para que o Evangelho seja anunciado a toda criatura (cf. Mc 16, 15).

De modo particular, ao me chamar, por meio do vosso voto, a suceder o primeiro dos Apóstolos, Deus me confia este tesouro para que, com a sua ajuda, eu seja seu fiel administrador em favor de todo o Corpo místico da Igreja; para que ela seja cada vez mais a cidade posta sobre o monte, a arca da salvação que navega pelas marés da história, farol que ilumina as noites do mundo. E isso não se deve tanto pela magnificência de suas estruturas ou pela grandeza de suas construções — como os monumentos em que nos encontramos —, mas, sim, pela santidade de seus membros, daquele “povo adquirido para Deus, a fim de anunciar as maravilhas daquele que os chamou das trevas à sua admirável luz” (1Pd 2, 9).

Contudo, na raiz da conversa em que Pedro faz sua profissão de fé, há outra pergunta: “O que dizem os homens — pergunta Jesus — sobre o Filho do Homem? Quem dizem que Ele é?” (Mt 16, 13). Essa não é uma questão banal. Ao contrário, trata-se de um aspecto importante de nosso ministério: a realidade em que vivemos, com seus limites e suas potencialidades, suas interrogações e suas certezas. Que dizem as pessoas que é o Filho do Homem? Pensando na cena sobre a qual estamos refletindo, podemos encontrar duas possíveis respostas para essa pergunta, que delineiam duas atitudes diferentes.

 

Primeiramente, está a resposta do mundo. Mateus enfatiza que a conversa entre Jesus e os seus discípulos sobre sua identidade acontece na bela cidade de Cesareia de Filipe, repleta de palácios luxuosos, situada em um cenário natural encantador, aos pés do Monte Hermon, mas também sede de círculos cruéis de poder e palco de traições e infidelidades. Essa imagem nos fala de um mundo que considera Jesus uma figura sem importância; no máximo, um personagem curioso que desperta admiração com seu modo inusitado de falar e agir. E assim, quando sua presença se torna incômoda pelas exigências de honestidade e moralidade, esse mundo não hesita em rejeitá-lo e eliminá-lo.

Depois, há também outra possível resposta à pergunta de Jesus: a das pessoas simples. Para elas, o Nazareno não é um charlatão, mas um homem justo, valente, que fala com sabedoria e diz coisas corretas, como outros grandes profetas da história de Israel. É por isso que elas o seguem — ao menos enquanto podem fazê-lo sem muitos riscos e inconveniências. Mas elas o consideram apenas um homem, e por isso, no momento do perigo, durante a Paixão, também o abandonam e vão embora, desiludidas.

O que chama a atenção nessas duas atitudes é a sua atualidade. Na verdade, elas incorporam ideias que podemos encontrar facilmente — talvez com outra linguagem, mas idênticas em substância — nos lábios de muitos homens e mulheres de nosso tempo. Hoje também há muitos contextos em que a fé cristã é vista como um absurdo, algo para pessoas fracas ou pouco inteligentes, contextos em que outras certezas são preferidas a ela, como a tecnologia, o dinheiro, o sucesso, o poder ou o prazer.

Trata-se de ambientes onde não é fácil testemunhar e anunciar o Evangelho, e onde os que creem são ridicularizados, confrontados, desprezados ou, no máximo, tolerados ou lastimados. Mas, justamente por isso, são lugares onde a missão é urgente, pois a falta de fé muitas vezes traz consigo dramas, como a perda do sentido da vida, o esquecimento da misericórdia, a violação da dignidade humana em suas formas mais dramáticas, a crise da família e tantas outras feridas com as quais sofre a nossa sociedade.

 

Também não faltam contextos em que Jesus, embora admirado como homem, é reduzido a uma espécie de líder carismático ou a um “super-homem” — e isso não só entre os não crentes, mas até mesmo entre muitos batizados, que assim acabam vivendo, nesse nível, um ateísmo prático. Esse é o mundo que nos foi confiado, e no qual, como tantas vezes nos ensinou o Papa Francisco, somos chamados a testemunhar com alegria a fé em Jesus Salvador. Por isso, também para nós é essencial repetir: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16, 16).

É fundamental fazê-lo antes de tudo em nossa relação pessoal com Ele, no compromisso com um caminho diário de conversão. Mas também, como Igreja, vivendo juntos nossa pertença ao Senhor e levando a todos a Boa Nova. Digo isso, antes de tudo, a mim mesmo, como Sucessor de Pedro, ao iniciar a minha missão como Bispo da Igreja de Roma, chamada a presidir na caridade a Igreja universal, segundo a célebre expressão de Santo Inácio de Antioquia. Ele, conduzido acorrentado até esta cidade, lugar de seu iminente martírio, escrevia aos cristãos que ali se encontravam: “Serei verdadeiramente discípulo de Jesus Cristo quando o mundo já não vir mais meu corpo” (Carta aos Romanos, IV, 1). Ele se referia à possibilidade de ser devorado pelas feras no circo — e assim aconteceu —, mas suas palavras evocam, num sentido mais amplo, um compromisso irrenunciável para qualquer um que exerça um ministério de autoridade na Igreja: desaparecer para que Cristo permaneça, fazer-se pequeno para que Ele seja conhecido e glorificado (cf. Jo 3, 30), gastar-se até o fim para que ninguém perca a oportunidade de conhecê-lo e amá-lo.

Que Deus me conceda esta graça, hoje e sempre, com a ajuda da terna intercessão de Maria, Mãe da Igreja.


Fonte: https://padrepauloricardo.org