Irmãos
e irmãs, hoje Jesus nos confronta com uma palavra contundente e libertadora:
“Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu
discípulo.” Logo de início, ele não nos pede gestos pontuais nem boas
intenções; ele nos chama a resolver a questão do coração, aquele lugar onde se
faz a escolha definitiva entre o Senhor e as muitas coisas do mundo.
Primeiro,
compreendamos a imagem que o Evangelho dispõe diante de nós. Jesus usa exemplos
duros: o homem que quer construir uma torre e não calcula o custo, o rei que
parte para a guerra sem ponderar as forças, para mostrar que seguir a Cristo
exige lucidez e coragem.
Assim,
a renúncia que ele solicita não é uma aventura temerária nem um apelo ao
improviso: ela nasce do cálculo sério de quem sabe quanto vale a própria alma e
não quer gastar a vida com coisas que se desfazem.
Além
disso, percebam que “renunciar a tudo” funciona como metáfora do desapego: o
Senhor não exige necessariamente que todos vendam bens materiais e vivam na
rua; antes, Ele exige que nenhum bem possua o lugar de senhor no nosso coração.
Por isso, a renúncia tem rosto interior antes de ter rosto exterior, ela
desmonta ídolos íntimos: a segurança do dinheiro, a obsessão pela imagem
social, o conforto que anestesia a caridade. Quando o coração se liberta dessas
prisões, então as posses passam a ser instrumentos e não ditadores da vida.
Por
outro lado, devemos lembrar que o chamado ao desapego assume formas distintas
conforme a vocação. Logo, o matrimônio, o ministério, a vida consagrada e a
vocação laical respondem à mesma exigência de fé de modos diferentes.
Assim,
o casal que casa na Igreja não precisa abandonar tudo material para ser
discípulo; porém, o casal concreto deve praticar a renúncia quotidiana:
preferir o bem comum à ambição egoísta, partilhar o tempo e os bens, perdoar
antes de contabilizar ofensas. Do mesmo modo, o consagrado assume renúncias
explícitas que iluminam toda a comunidade.
Ademais,
não confundamos pobreza evangélica com pauperismo moral. A verdadeira pobreza
que Cristo propõe não humilha a pessoa, antes a eleva: ela esvazia para ser
preenchida pelo Espírito. Neste sentido, a renúncia transforma-se em liberdade
interior. Quando deixamos que o Senhor ocupe o lugar do coração, descobrimos
capacidades de amar maiores do que imaginávamos; descobrimos ainda que aquilo
que perdemos por amor a Deus volta multiplicado em paz e fraternidade.
O
que me prende?
Praticamente,
como viver hoje este chamado tão exigente? Primeiramente, façamos um inventário
honesto. Hoje mesmo, com coragem e oração, perguntemo-nos: “O que me prende?
Qual hábito me impede de ouvir a Deus?” Em seguida, introduzamos gestos
concretos: diminuir um luxo supérfluo para ajudar uma família; reservar uma
hora semanal para o serviço aos pobres; estabelecer limites no uso das redes
sociais para recuperar o tempo da leitura espiritual e do diálogo familiar.
Além
disso, peçamos formação: aconselhamento espiritual e acompanhamento comunitário
ajudam a discernir o que a renúncia deve significar para cada um.
Finalmente,
recordemos a promessa pascal que sustenta este caminho. Jesus não nos pede o
impossível: Ele nos pede o coração. Portanto, enquanto caminhamos no desapego,
confiemos que o Senhor preenche o vazio que criamos com sua presença. Assim,
quando deixarmos redes de segurança humanas, Ele nos dará redes de sentido
maiores, redes que pescam vidas para o Reino. Que, por isso, cada passo de
renúncia apareça como resposta de amor ao convite que transforma: “Segue-me.”
Amém.