A São
Paulo tocou um papel de importância enorme na história do Cristianismo
nascente.
Judeu da Diáspora ou de Tarso (Cilícia), recebeu a cultura
helênica vigente na sua pátria; aos 15 anos de idade foi enviado para
Jerusalém, onde foi iniciado por Gamaliel nas Sagradas Escrituras e nas
tradições rabínicas. Era autêntico fariseu, quando Cristo o chamou a trabalhar
em prol de Evangelho por volta de ano 33 (cf. At 9, 19).
Realizou três grandes viagens missionárias em terras pagãs,
fundando várias comunidades cristãs na Ásia Menor e na Grécia. São Paulo não
impunha aos pagãos nem a circuncisão nem as obrigações da Lei de Moisés, mas
concedia-lhes logo o Batismo depois de evangelizados. Ora isto causou sérias
apreensões a uma facção de judeo-cristãos chamados “judaizantes”; queriam que
os gentios abraçassem a Lei de Moisés e o Evangelho, como se este não bastasse.
Levantaram, pois, certa celeuma contra Paulo.
A
fim de resolver a questão, os Apóstolos que estavam em Jerusalém, se reuniram
com Paulo e alguns discípulos no ano de 49, como refere S. Lucas em At 15: a
assembleia houve por bem não impor aos gentios a Lei de Moisés, mas pediu que
em Antioquia, na Síria e na Cilícia os étnico-cristãos1 observassem quatro
cláusulas destinadas a garantir a paz das respectivas comunidades (que contavam
numerosos judeo-cristãos): abster-se de carnes imoladas aos ídolos
(idolotitos), de sangue, de carnes sufocadas (cujo sangue não tivesse sido
eliminado) e de uniões ilegítimas. Essas cláusulas tinham caráter provisório, e
visavam a não ferir a consciência dos judeo-cristãos2, que tinham horror aos
ídolos, ao consumo de sangue e à fornicação.
Estava
assim teoricamente resolvida a problemática levantada pelos judaizantes; na
prática, porém, estes não se tranquilizaram e procuraram destruir a obra
apostólica de S. Paulo, caluniando-o como impostor e oportunista; Paulo,
diziam, queria facilitar o acesso dos pagãos ao Cristianismo para ganhar a
simpatia dos mesmos, já que não tinha a autoridade dos outros Apóstolos; não
acompanhara o Senhor Jesus, mas era discípulo dos Apóstolos; alegavam também
que, se Paulo queria viver do trabalho de suas mãos e não da obra de
evangelização (cf. 1Cor 9,15-18; 1Ts 2,9), ele o fazia por saber que não era
Apóstolo como os demais e não tinha o direito de ser sustentado pelas
comunidades dos fiéis. São Paulo sofreu horrivelmente por causa dessas falsas
acusações (cf. 2Cor 11,21-32), mas não se abateu, pregando intrepidamente a
liberdade dos cristãos frente à Lei de Moisés. E por que tanto insistiu nisto?
Eis
a resposta paulina: Deus chamou Abraão gratuitamente ou sem méritos de Abraão,
e prometeu-lhe a bênção do Messias; Abraão acreditou nesta Palavra do Senhor, e
tornou-se justo ou amigo de Deus por causa da sua fé; é certo, porém, que esta
fé não foi inerte, mas traduziu-se em obediência incondicional a todas as
ordens do Senhor.
Ora
o modelo de Abraão é válido para todos os homens, anteriores e posteriores a
Cristo; ninguém é justificado ou feito amigo de Deus porque o mereça, mas
porque Deus tem a iniciativa de perdoar os pecados de sua criatura; esta
acredita no perdão de Deus e exprime sua fé em obras boas. – Sobre este pano de
fundo a Lei de Moisés foi dada ao povo de Israel a título provisório e
pedagógico: ela propunha preceitos santos, que o israelita não conseguia
cumprir, vítima da desordem de pecado existente dentro de todo homem; assim a
Lei tinha o papel de mostrar à criatura que ela por si só é incapaz de praticar
o bem e de fazer obras meritórias; ela precisa da graça de Deus,… graça que o
Messias devia trazer; desta maneira (dura e paradoxal) a Lei preparava Israel
para receber o Salvador: aguçava a consciência do pecado, tirava qualquer
ilusão de auto-suficiência e provocava o desejo do dom gratuito de Deus
prometido a Abraão.
A
intuição desta verdade ou do grande desígnio de Deus na história da salvação se
deve ao gênio de São Paulo, que assim evitou que o Cristianismo se tornasse uma
seita judaica, filiada à Lei de Moisés, e preservou a autenticidade cristã: a
Lei de Moisés era um elemento meramente provisório e preparatório para Cristo.
Quanto
ao fato de não querer viver do seu trabalho de evangelização, e de trabalhar
com as mãos para ganhar seu pão, São Paulo o justificava, dizendo que
evangelizar para ele não era meritório (como era meritório para os demais
Apóstolos); Cristo o tinha de tal modo cativado que ele não podia deixar de
pregar a Boa-Nova (“ai de mim, se eu não evangelizar!”, 1Cor 9,16); por isto
devia fazer algo mais para oferecer ao Senhor Deus. – Ademais São Paulo fazia
questão de dizer que não era discípulo dos Apóstolos, mas fora instruído e
instituído diretamente por Deus (cf. Gl 1,1).