Osso
duro de roer, esse homem de Deus não era nada fácil!
Ele
é conhecido como um dos santos mais irritadiços de toda a história do
cristianismo!
O
próprio São Jerônimo admitia as suas intolerâncias. Falava o que pensava e não
usava meios termos, como numa carta em que escreveu que “aquele que não ama os
mandamentos de Cristo é mais que um inimigo de Cristo: é o anticristo“!
Foram
muitas as vezes em que se viu às voltas com sérios problemas por causa dos seus
modos, digamos, explosivos. Na verdade, ele era grosso mesmo.
Mas
Jerônimo, coitado, era bem consciente das suas limitações e levou uma vida de
penitência. A este propósito, conta-se de certo bispo que, ao ver uma pintura
do santo batendo no peito com uma pedra, declarou:
“Fazes
muito bem em golpear-te com essa pedra. Do contrário, a Igreja nunca te teria
canonizado” (cf. Vidas dos Santos, de Alban Butler).
Mas
quem era essa figuraça arrepiante?
No
ano 382, o padre Jerônimo foi chamado pelo Papa Dâmaso para ser seu secretário
particular. Ele era tremendo, mas também muitíssimo culto e inteligente. Em
Roma, o bombástico padre recebeu a incumbência de traduzir a Bíblia, do grego e
do hebraico, para o latim. A esse trabalho descomunal ele dedicou praticamente
o resto da existência. Ironias da vida: um dos mais nervosos de todos os santos
recebeu uma das missões que mais paciência e delicadeza poderiam exigir!
O
conjunto final da sua tradução da Bíblia foi chamado, em latim, de “Vulgata”, e
se tornou o texto bíblico oficial da Igreja católica no Concílo de Trento.
Em
1947, o Dia da Bíblia passou a ser celebrado em 30 de setembro, a data de
falecimento do santo. Nada mau para um rabugento de dimensões bíblicas!
Atenção,
você que já estava botando as manguinhas de fora!
Se
identificou, não é mesmo? E já estava esfregando as mãos e dizendo para os seus
botões que agora tinha uma bela justificativa para a sua própria fúria! Pois
pode ir tirando o cavalinho da chuva.
São
Jerônimo tinha, sim, um temperamento que ninguém merece, mas espere aí: nada de
usar isso como desculpa esfarrapada para sair gritando com as pessoas que
caminham lerdamente pelas calçadas ou para explodir com a sua família quando algo
não sai do jeito que sua excelência desejava!
Sua
excelência até pode estar em boa companhia nessa fúria nervosa, mas não se
esqueça de que a santidade de São Jerônimo (e de vários outros grandes
ranzinzas dos altares) se deveu justamente ao enorme e sincero esforço que ele
fez para controlar os seus instintos furibundos por amor a Deus e ao próximo.
Ele
e todos os outros santos irados e furiosos lutaram com confiança e fé para
superar os seus impulsos ferozes, sabendo que a alegria da misericórdia de Deus
é muito maior do que os nossos pecados. Ou seja: trate de continuar na luta
para se controlar, ok?
Diz
a Bíblia
A
Bíblia (aquela mesma que o próprio São Jerônimo ajudou a traduzir) nos afirma
claramente:
“Um
homem sábio sabe conter a sua cólera e tem por honra passar por cima de uma
ofensa” (Provérbios 19,11).
“Fazei
todas as coisas sem murmurações nem críticas, a fim de serdes irrepreensíveis e
inocentes, filhos de Deus íntegros no meio de uma sociedade depravada e
maliciosa, onde brilhais como luzeiros no mundo” (Filipenses 2,14-15).
Além
de buscar auxílio na Bíblia para dominar aquela fervura que faz sair fumaça das
suas ventas, aproveite para pedir uma ajudinha de quem já lidou com esse
desafio e venceu: “São Jerônimo, rogai por nós!”
Calma
que tem mais!
Não
é justo dizer apenas que São Jerônimo tinha um gênio do cão e conseguiu lutar
bravamente para se domesticar. Ele era muito mais do que isso. E pasme: embora
tivesse tanta tendência a ser um troglodita, São Jerônimo era um homem à frente
do seu tempo em vários aspectos. E é agora que você vai gostar dele mais ainda
do que já estava gostando!
Instruindo
mulheres
Para
começar, São Jerônimo dava instrução de alto nível para mulheres. Além de ser
diretor espiritual (e dos bem exigentes), ele também lhes dava aulas nada menos
que de grego, hebraico, latim e teologia. Várias das mulheres a quem ele
orientava foram declaradas santas. Que tal?
Sempre
aparece neste momento o mente suja que vai achar que São Jerônimo se
aproveitava dessas mulheres, mas outra coisa que o tornou famoso, inclusive
entre as muitas pessoas que não queriam vê-lo nem pintado de ouro, era a sua
grande honestidade. E, em especial no respeito à dignidade sexual dele mesmo e
das outras pessoas, o santo irado exercia um grande autodomínio. Aliás, ele
chegava a andar por aí com a tal pedra que, lá no alto deste artigo, já
dissemos que um Papa achou coisa boa que ele usasse para bater no próprio peito
quando as coisas queriam sair de controle. Informação adicional: quando a
tentação batia forte, São Jerônimo tinha um truque tiro-e-queda para se
distrair: começava a estudar hebraico (!)
Acolhendo
peregrinos e refugiados
Além
de cavalheiresco e respeitoso com a mulherada, São Jerônimo foi exemplarmente
solidário com os necessitados – inclusive com os refugiados.
Em
dado momento da vida, ele tinha se mudado para Belém, na Terra Santa, onde
abriu uma escola e uma casa para os peregrinos. Segundo um depoimento de Santa
Paula, uma das mulheres a quem ele orientava, aquela casa devia ser sempre
regida com tamanho esmero que “se Maria e José visitassem Belém de novo, teriam
lá um lugar digno para ficar“.
Quando
Roma foi invadida e saqueada por hordas bárbaras, uma grande onda de refugiados
da Europa se dirigiu à Terra Santa (ironia chocante para quem vê os noticiários
de hoje em dia, confesse!). Nesse contexto, São Jerônimo declarou:
“Interrompi
o comentário que estou escrevendo sobre o livro de Ezequiel, bem como quase
todos os meus estudos. Hoje devemos traduzir os mandamentos das Escrituras em
fatos: em vez de dizer palavras sagradas, devemos colocá-las em prática”.
E
se dedicou a ajudar e acolher os refugiados, conforme Cristo nos ordenou quando
instituiu as obras de misericórdia.
É…
Parece que não é só no controle da raiva que temos muita coisa para aprender de
São Jerônimo!