O QUE
É PERDOAR?
A
mensagem de Jesus é clara e categórica: “Amai vossos inimigos, fazei o bem aos
que vos odeiam". É possível viver esta atitude? O que se nos está pedindo?
Podemos amar o inimigo? Talvez precisemos começar por conhecer melhor o que significa
"perdoar".
É
importante, em primeiro lugar, entender e aceitar os sentimentos de ira,
revolta ou agressividade que nascem em nós. É normal. Estamos feridos. Para não
causarmos um dano ainda maior precisamos recuperar o quanto possível a paz interior
que nos ajude a reagir de maneira sadia.
A
primeira decisão daquele que perdoa é não vingar-se. Não é fácil. A vingança é
a resposta quase instintiva que nasce dentro de nós quando nos feriram ou
humilharam. Procuramos compensar nosso sofrimento fazendo sofrer quem nos
causou dano. Para perdoar é importante não gastar energias imaginando nossa
revanche.
É
decisivo, sobretudo, não alimentar o ressentimento. Não permitir que o ódio se
instale em nosso coração. Temos direito a que se nos faça justiça: aquele que
perdoa não renuncia a seus direitos. Mas o importante é curar-nos aos poucos do
dano que nos causaram.
Perdoar
pode exigir tempo. O perdão não consiste num ato da vontade, que rapidamente
conserta tudo. Em geral, o perdão é o final de um processo no qual intervêm
também a sensibilidade, a compreensão, a lucidez e, no caso do crente, a fé num
Deus de cujo perdão todos nós vivemos.
Para
perdoar é necessário às vezes compartilhar com alguém nossos sentimentos.
Perdoar não quer dizer esquecer o dano que nos causaram, mas sim recordá-lo da
maneira menos prejudicial para o ofensor e para si mesmo. Aquele que chega a
perdoar volta a sentir-se melhor.
Quem
vai entendendo assim o perdão compreende que a mensagem de Jesus, longe de ser
algo impossível e irritante, é o caminho acertado para ir sanando as relações
humanas, sempre ameaçadas por nossas injustiças e conflitos.
O
PERDÃO CRISTÃO
Pouco
a pouco, nossa linguagem está se secularizando. Palavras e conceitos que, em
sua origem, tinham um conteúdo cristão, hoje são empregados
sem
referência alguma à fé. É o que aconteceu com a linguagem do perdão,que ficou
esvaziada de seu conteúdo evangélico mais genuíno.
O
perdão cristão brota de uma experiência religiosa. O cristão perdoa porque se
sente perdoado por Deus. Toda outra motivação é secundária.Perdoa quem sabe que
vive do perdão de Deus. Esta é a fonte última. "Perdoai-vos mutuamente
como Deus vos perdoou em Cristo" (Ef4,32). Esquecer isto é falar de outra
coisa muito diferente do perdão evangélico.
Por
isso, o perdão cristão não é um ato de justiça. Não se pode exigi-lo de ninguém
como um dever social. Juridicamente o perdão não existe. O código penal ignora
o verbo "perdoar". O gesto surpreendente e muitas vezes heroico do
perdão nasce de um amor gratuito. Não depende de condições prévias. Não exige
nada, não reclama nada. Se se perdoa é por amor. Falar de requisitos para
perdoar é introduzir a concepção de outra coisa.
No
Evangelho convida-se a perdoar "até setenta vezes sete", a perdoar
inclusive a quem não mostra nenhum arrependimento, inspirados no próprio Jesus,
que, no momento em que está sendo crucificado, pede a Deus: "Pai,
perdoa-lhes porque não sabem o que fazem" (Lc 23,34).
Ninguém
se engane. Perdoar não é fácil. É melhor confessá-lo dessa maneira. Tudo menos
manipular o discurso do perdão para exigir de outros responsabilidades ou para
defendermos cada um nossa própria posição. Há alguns anos, João Paulo II
convidava a "guardar a autenticidade do perdão, algo que só é possível
"guardando a sua fonte, isto é, o mistério da misericórdia do próprio
Deus, revelado em Jesus Cristo" (Dives in misericordia 99).
É
difícil ouvir o chamado de Jesus: "Amai vossos inimigos, fazei o bem aos
que vos odeiam, bendizei os que vos maldizem", se não se conhece a experiência
de ser perdoado por Deus.