segunda-feira, janeiro 29, 2024

OUVI HOJE A VOZ DE DEUS










Aquele homem “com um espírito impuro” que interpela Jesus na sinagoga de Cafarnaum representa todos os homens e mulheres, de todas as épocas, que são reféns do egoísmo, do orgulho, da autossuficiência, do medo, da exploração, da exclusão, da injustiça, do ódio, da violência, do pecado; representa essa humanidade que percorre um caminho à margem de Deus e das suas propostas, que aposta em valores efêmeros e escravizantes ou que procura a vida em propostas falíveis ou efêmeras. Para todos nós que, de uma forma ou de outra, vivemos mergulhados nesta realidade desumanizadora, o relato de Marcos deixa uma Boa Notícia: Deus não Se conforma com o fato de os homens trilharem caminhos de morte, e virá sempre ter connosco para nos oferecer a liberdade e a salvação.

Para Marcos, a proposta de Deus chega tornar-se realidade viva e atuante em Jesus. Ele é o Messias libertador que, com a sua vida, com a sua palavra, com os seus gestos, com as suas ações, vem propor aos homens um caminho novo de liberdade e de vida. Ao egoísmo, Ele contrapõe a doação e a partilha; ao orgulho e à autossuficiência, Ele contrapõe o serviço simples e humilde a Deus e aos irmãos; à exclusão, Ele propõe a tolerância e a misericórdia; à injustiça, ao ódio, à violência, Ele contrapõe o amor sem limites; ao medo, Ele contrapõe a liberdade; à morte, Ele contrapõe a vida.

Os discípulos de Jesus são as testemunhas, aqui e agora, da sua proposta libertadora. Eles têm de continuar a missão de Jesus e de assumir a mesma luta de Jesus contra todos os “demônios” que introduzem no mundo dinâmicas criadoras de sofrimento e de morte. Ser discípulo de Jesus é percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu e lutar, se necessário até ao dom total da vida, por um mundo mais humano, mais livre, mais solidário, mais justo, mais fraterno. Os seguidores de Jesus não podem ficar de braços cruzados, a olhar para o céu, enquanto o mundo é construído e dirigido por aqueles que propõem uma lógica de egoísmo e de morte; mas têm a grave responsabilidade de lutar, objetivamente, contra tudo aquilo que desumaniza os filhos e filhas de Deus. Essa é também a minha luta?

O texto refere o incômodo do “homem com um espírito impuro”, diante da presença libertadora de Jesus. O pormenor faz-nos pensar nas reações agressivas e intolerantes – por parte daqueles que pretendem perpetuar situações de injustiça e de escravidão – diante do testemunho e do anúncio dos valores do Evangelho. Apesar da incompreensão e da intolerância de que são, por vezes, vítimas, os discípulos de Jesus não devem deixar-se encerrar nas sacristias, ficando à margem da história por medo ou comodismo; mas devem assumir corajosamente e de forma bem visível o seu empenho na transformação das realidades políticas, económicas, sociais, laborais, familiares.

Aquele homem dominado “por um espírito impuro” não deve ter entrado pela primeira vez na sinagoga de Cafarnaum naquele sábado. Provavelmente participava habitualmente na liturgia sinagogal, escutava a Palavra de Deus que era lida e as explicações dos escribas. Mas só nesse dia se sentiu questionado e incomodado pela Palavra que escutou. Porquê? Porque Jesus proclamou e explicou a Palavra de uma forma nova, “com autoridade”, com aquela autoridade que lhe vinha da sua experiência de Deus? É possível. E a Palavra de Deus que ecoa todos os dias nas nossas celebrações comunitárias? Transmite uma experiência de Deus e faz-nos sentir a presença de Deus? Provoca alguma transformação no coração dos que a escutam? Interroga-nos, desafia-nos, provoca-nos, inquieta-nos ou deixa-nos impávidos, indiferentes e sempre adormecidos?

A luta contra os “demônios” que desferiam o mundo e escravizam os homens nossos irmãos é sempre um processo doloroso, que gera conflitos, divisões, sofrimento; mas é, também, uma aventura que vale a pena ser vivida e uma luta que vale a pena travar. Embarcar nessa aventura é tornar-se cúmplice de Deus na construção de um mundo de homens livres.