quarta-feira, outubro 26, 2016

FESTA DA DEDICAÇÃO DA CATEDRAL DE SANTA MARIA MAIOR, LISBOA


Celebramos hoje a dedicação desta Sé como Igreja Mãe de Lisboa. A dedicação significa a consagração de um templo ao serviço do Senhor. Normalmente ela dá sentido sagrado a um edifício construído pela arte e engenho humanos. Mas neste caso tratou-se de consagrar ao culto cristão um templo muçulmano. Diz Veríssimo Serrão na sua História de Portugal: "No dia 1 de Novembro realizou-se a sagração da antiga mesquita, transformada em Sé Catedral, assistindo vários prelados e o Bispo de Coimbra, D. João Anaia".

Certamente por coincidir com a festa de Todos os Santos, a festa da Dedicação da Catedral não foi fixada no dia 1 de Novembro, mas em 25 de Outubro, dia da reconquista cristã da cidade de Lisboa. Este pormenor pode alargar, simbolicamente, o sentido desta festa. Não foi apenas a Catedral, mas toda a Cidade de Lisboa, que foi dedicada ao Senhor. Aliás a Catedral é o símbolo visível da unidade de toda a comunidade cristã, ela sim, o verdadeiro templo do Senhor. Esta Igreja chama-se Catedral porque nela está a Cátedra do Bispo, sucessor dos Apóstolos, garantia visível da vitalidade e da unidade da Igreja. Da sua Cátedra ele ensina, como mestre da fé; aqui ele congrega continuamente a Igreja, pela Palavra, para celebrar a fé e partir para a cidade, com o ardor das testemunhas e a generosidade da caridade. Ele fundamenta e sustenta a Igreja Diocesana. É assim que o Concílio Vaticano II define uma Diocese: "é uma porção do Povo de Deus, confiada a um Bispo para que ele, com a ajuda do seu presbitério, seja o seu pastor. Assim, a Diocese, unida ao seu pastor e por ele reunida no Espírito Santo, graças ao Evangelho e à Eucaristia, constitui uma Igreja particular, na qual está verdadeiramente presente e actuante, a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica" (C.D. n. 11).

Esta festa da Dedicação da nossa Catedral constitui uma interpelação, a mim que sou agora o seu Bispo, e a toda a comunidade para que seja essa Igreja viva, unida na caridade, fortalecida pelo Evangelho e pela Eucaristia, santa no esforço de fidelidade a Jesus Cristo e católica na sua abertura à cidade como um todo e no seu zelo apostólico.

As leituras da sagrada Escritura, agora proclamadas, abrem-nos para duas dimensões, tremendamente actuais, do meu ministério de Bispo e do crescimento da nossa comunidade diocesana: do mesmo modo que Jesus declarou ser Ele o verdadeiro templo, presença definitiva de Deus no meio do seu Povo, também a Igreja alicerçada em Jesus Cristo e a Ele unida, de modo a ser o Seu corpo, é, no meio da cidade, o templo vivo de Deus. Escutámos o Apóstolo Paulo: "Não sabeis que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?" Em nós, Deus habita nesta cidade, encarnado em Jesus Cristo ressuscitado, continuamente presente na Igreja. Os homens e mulheres, nossos concidadãos, têm o direito de descobrir na Igreja sinais da presença do Deus vivo. Na vida das pessoas Deus não é uma conclusão, é uma experiência e ela começa, quase sempre, no convívio de pessoas que procuram Deus com pessoas que O encontraram e O glorificam, no concreto das suas vidas. A missão da Igreja na cidade não é só acção programada, é sobretudo, testemunho de vida. Porque somos o Seu templo, Deus protege a sua Igreja: "Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é santo e vós sois esse templo".
Sendo a Igreja esse templo onde Deus habita no meio da cidade, ela tem de ser uma casa aberta e acolhedora a todos os que procuram a verdade. É a mensagem do Profeta Isaías: todos, mesmo os estrangeiros, desejosos de viver em aliança com Deus, "hei-de conduzi-los à minha casa de oração. Os seus holocaustos e os seus sacrifícios serão aceites no meu altar, porque a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos".

Esta abertura da Igreja à cidade não pode ser, apenas, uma estratégia. Brota dessa intensidade de quem é o templo onde Deus habita. E Deus, no Seu amor, é abertura contínua a todos os que O procuram. A qualidade do nosso acolhimento deve corresponder à nossa capacidade de sermos testemunhas do Deus vivo. Quando nos dispomos ao diálogo sincero com os homens e mulheres de cultura, com os fazedores de opinião, com os políticos, com os organismos da sociedade civil, não temos uma estratégia de conquista ou de poder. Queremos ser apenas esse templo do Deus vivo, colocado no cimo da montanha, onde todos, os que sofrem, os que procuram, os que se interrogam, possam encontrar uma luz. É que o templo do Deus vivo tem de estar aberto a todos, pois todos podem, um dia, encontrar nele uma casa de oração.

Por isso encontro um simbolismo especial no facto de a festa da Dedicação da Catedral se celebrar no dia da reconquista da Cidade. A Igreja de Lisboa, se hoje não coincide com a Cidade, sabe que é, no meio dela, o templo do Deus Vivo, quer ser uma casa acolhedora, aberta a todos e a todos falará de Jesus Cristo. Não cubramos com o véu da nossa tibieza a glória de Jesus Cristo que habita na Sua Igreja e quer, a partir dela, atrair a Si todos os homens. "Eu quando for elevado da terra, atrairei todos a Mim". 

Sé Catedral de Lisboa, 25 de Outubro de 2002

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca