sexta-feira, junho 08, 2018

SÃO JOSÉ DE ANCHIETA





José de Anchieta nasceu na Espanha, nas Ilhas Canárias, em 1534. Logo adolescente, foi estudar na cidade de Coimbra, em Portugal. Ali, distinguiu-se por sua disciplina e vida de virtudes. Com apenas 16 anos, diante de uma imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho, fez um voto de castidade, consagrando sua virgindade à Virgem Maria. Algum tempo depois, ingressou na recém-fundada Companhia de Jesus, onde desenvolveu uma piedade eucarística extraordinária, participando de várias Missas – ele chegava a acolitar cinco por dia – e aprendendo a adorar o Senhor na hóstia consagrada.

Apesar de seu entusiasmo, o noviço Anchieta tinha uma saúde muito frágil. Por conta de um problema sério que tinha na coluna, o rapaz chegou a supor que jamais poderia ser jesuíta. Por providência, o padre Manuel da Nóbrega, que já estava no Brasil, chamava os membros da Companhia para cá, principalmente os doentes, pois dizia que o clima daqui faria que se recuperassem logo. José de Anchieta veio, então, para o Brasil, por uma questão de saúde. Mas, já na viagem, foi obtendo melhora, ao cuidar de seus companheiros de tripulação que ficavam enjoados por causa do mar agitado.

Ao chegar ao Brasil, os jesuítas queriam realmente educar os índios. Só que muitos deles tinham entrado em contato com portugueses que não levavam uma vida exemplar. Então, quando os padres chegavam às suas aldeias, já enfrentavam certa resistência dos povos nativos, resistência que só era vencida quando eles testemunhavam seus verdadeiros propósitos. Mais do que evangelizar os índios – e Anchieta o fez com grande heroísmo, chegando a compor canções sobre os mistérios sagrados em língua tupi –, o apóstolo do Brasil também visava os colonizadores, já que nem todos eram realmente cristãos devotos e praticantes. Para isso, ele começou a escrever peças de teatro, desenvolvendo uma profícua obra literária.

O irmão Anchieta, como bom católico, sempre lia as coisas que lhe aconteciam com os olhos do sobrenatural. Tendo composto uma peça teatral, decidiu encená-la ao ar livre, para que o maior número de pessoas possível pudesse assistir-lhe. No entanto, uma imensa tempestade começou a aparecer no horizonte e todos, com medo, queriam ir embora. Anchieta, vendo nisto a ação do demônio, que queria ver as almas privadas dessa recreação piedosa, disse: “Não precisam ir embora, não vai chover”. E, realmente, por três horas, a água ficou suspensa nas nuvens e não caiu.

José de Anchieta, bem como o padre Manuel da Nóbrega, estão ligados à fundação das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

Logo ao chegar ao Brasil, os dois empreenderam sua primeira viagem, a fim de criar um colégio, e, no dia 25 de janeiro, foi celebrada a primeira Missa na região que hoje é a cidade de São Paulo. A “terra da garoa” nasceu em grande virtude. Toda a gente acordava já bem cedo, as crianças punham-se a rezar o rosário e os adultos assistiam ao Santo Sacrifício – as mulheres de um lado, os homens de outro.

A cidade do Rio também floresceu graças à ação missionária desses grandes homens de Deus. À época, mais exatamente de 1555 a 1560, os franceses tentaram estabelecer uma colônia no Brasil – a chamada “França Antártica”. Não tendo tropas suficientes para isso, serviram-se das rivalidades já existentes entre os índios e cooptaram algumas tribos, que, juntas, integraram a “Confederação dos Tamoios”. Para apaziguar o conflito eminente – que também se revestia de oposição religiosa, já que uma vitória dos franceses significaria um triunfo do protestantismo –, o padre da Nóbrega e o irmão Anchieta dirigiram-se à região de Iperoig – hoje, Ubatuba – e estabeleceram negociações com os indígenas.

Mas, se as negociações não eram muito produtivas, o impulso missionário de Anchieta não cessava de engendrar novos cristãos: era cada vez maior o número dos índios que, admirados pelo celibato e pelo testemunho dos missionários, lhes pediam o batismo.


Foi quando o padre Manuel da Nóbrega teve que deixar Anchieta sozinho entre os tupinambás que se provou a grande virtude do apóstolo do Brasil. Ali, cercado por uma cultura completamente avessa à cristã e rodeado por índias que andavam nuas à beira do mar, São José de Anchieta fez resplandecer o brilho da castidade: em voto a Nossa Senhora, prometeu que contaria a Sua vida em versos, caso ela guardasse intacta a sua pureza. Por isso Anchieta é retratado escrevendo nas areias do mar. Foi aí que ele compôs 5786 versos em honra à Mãe de Deus, antes de passá-los ao papel.

Para se manter puro, Anchieta serviu-se de três armas, que continuam válidas para os sacerdotes, seminaristas e demais cristãos que querem guardar a castidade: a primeira, a oração, ele empunhou especialmente ao escrever com esmero e capacidade extraordinárias tantos versos à Santíssima Virgem; a segunda, a penitência, ele praticava quotidianamente, através de jejuns, vigílias e do uso do flagelo e do cilício – como escreve o padre Armando Cardoso, “Anchieta, que não tivera medo do bárbaro, teve medo do bárbaro dentro de si”; a terceira, o apostolado, ele usava incessantemente: ensinar os índios a fugir e evitar o pecado fez, no fim das contas, que ele mesmo se convertesse mais e se santificasse.

Depois de sua missão em Iperoig, Anchieta ajudou a fundar o Rio, juntamente com Estácio de Sá. Ali, atrás do Pão de Açúcar, ocorreu, em 1566, a lendária Batalha das Canoas, da qual os tamoios e franceses saíram finalmente derrotados.

Algum tempo depois, na Bahia, José de Anchieta, já com 32 anos, foi finalmente ordenado sacerdote. Sua primeira Missa foi celebrada com todo zelo e piedade de um verdadeiro amante de Jesus eucarístico. Depois dessa se seguiriam muitas outras, rezadas nos mais remotos locais, já que o caráter sacerdotal não o destituiu de sua evidente vocação missionária.

Em suas andanças pelos “Brasis”, Anchieta não só fazia incursões continente adentro, como visitava as aldeias já evangelizadas, para que fossem confirmadas na fé. Sempre descalço, com sua batina surrada, um rosário no pescoço e um crucifixo na mão, o incansável apóstolo atravessava vastas porções de terra. Os seus pés, de tão castigados, deixavam rastros de sangue por onde passavam.

Sua capacidade de mandar até sobre animais selvagens rendeu-lhe a alcunha de “primeiro Adão”. Em sua própria explicação, “o homem obediente a Deus tem todas as criaturas subjugadas”. Em dada ocasião, as pessoas saíram correndo de uma cobra. Ele, com toda a calma, tranquilizou-as e disse para a cobra: “Eu já não disse pra você parar de fazer essas maldades?” A cobra, ouvindo isto, abaixou a sua cabeça e foi embora. Isso acontecia em praticamente todos os lugares pelos quais passava. Anchieta dominava onças e cobras – tinha “poder para pisar serpentes e escorpiões”, poder-se-ia dizer – e causava, com isso, a conversão de inúmeras pessoas.



Mais impressionante que seu poder com os animais, entretanto, era sua extraordinária capacidade com os índios. Em Iperoig, sozinho, quando os índios irados se aproximavam para matá-lo, eles imediatamente se detinham, olhavam para o seu rosto e desistiam de seu intento. Várias vezes, sertão adentro, índios selvagens se pacificavam tão somente com a sua presença.

Anchieta também ficou conhecido como grande taumaturgo. Conta-se que uma menina havia morrido, deixando seus pais desconsolados. O padre Anchieta chega, vai até o seu cadáver e diz-lhe: “Minha filha, tu estás querendo roubar o paraíso facilmente. Volta e luta”. Imediatamente, a menina ressuscita.

Também existe a famosa história do índio Diego, que todos achavam que era batizado, por guardar os mandamentos e dizer-se cristão. Mas, após morrer sem o sacramento, durante o seu enterro, ele se levanta e pede a uma senhora que vela o seu corpo que chame o padre Anchieta, a fim de ser batizado. O apóstolo chega, batiza-o e ele morre novamente.

Se ele fazia milagres tão clamorosos – alguém pode perguntar –, por que o Papa Francisco teve que canonizá-lo “por decreto”? Certamente, isso se deve à impiedade dos brasileiros.

São José de Anchieta é santo há quase meio milênio, já está no Céu. Se não houve nenhum milagre reconhecido pela Santa Sé para sua canonização, é porque os brasileiros não pediram devidamente a sua intercessão.

Depois de uma vida totalmente gasta por causa do Evangelho, o reverendíssimo padre José de Anchieta morreu na cidade de Reritiba, Espírito Santo, aos 9 de junho de 1597. Após receber o viático, seu rosto, então pálido, ficou cheio de vida e ele pôde partir em paz, invocando os santíssimos nomes de Jesus e Maria. Ao receberem a notícia de sua morte, os indígenas acordavam, de madrugada, batiam nas portas uns dos outros e diziam: “Morreu o nosso pai, morreu quem nos amava, morreu aquele que deu a vida por nós”.

Que vida extraordinária! Que bom saber que o Brasil começou assim, que logo no nascimento de nosso país um santo tão grande palmilhou o chão de nossa pátria com seus pés descalços! Pensando nos pés deste missionário, pés que deixavam rastros de sangue atrás de si, que cruzavam terrenos selvagens, cheios de espinhos, pedras e areias quentes, é impossível não lembrar a frase do profeta Isaías: “Como são belos sobre as montanhas os pés do mensageiro que anuncia a felicidade, que traz as boas novas e anuncia a libertação, que diz a Sião: Teu Deus reina!”.

Hoje, olhando para a vida deste santo homem e para a sua canonização, não se deve pedir senão que o Brasil volte à sua vocação; que os jovens encontrem nele um modelo de castidade e busca de santidade; que os seminaristas o imitem sendo estudantes dedicados; que os padres copiem seu ardor missionário, sua humildade e sua sede insaciável pelas almas; e, enfim, que São José de Anchieta, do Céu, rogue por nós. Que a sua mão, que erguia o crucifixo e apaziguava os selvagens, apazigue também o nosso coração selvagem, a fim de que nós, evangelizados como verdadeiros católicos, correspondamos à altíssima vocação de nosso país.