Uma tradição constante, cuja origem remonta aos
primeiros tempos do Cristianismo, nos informa que a Virgem Santíssima, aos três
anos de idade, foi apresentada ao Templo de Jerusalém, onde se consagrou em
corpo e alma ao Senhor.
O Oriente foi o primeiro a celebrar tal festa, como
atesta um tópico da constituição do Imperador Manuel Commeno, em 1143. Dois
séculos mais tarde tal comemoração passou ao Ocidente. O Papa Gregório XI
introduziu-a no calendário romano, por volta de 1373.
A festa da Apresentação da Bem-aventurada Virgem Maria
no Templo, além de celebrar esse episódio da vida de Nossa Senhora, visa
recordar também todo o período que vai desde seu nascimento até a Anunciação do
Anjo. Ao celebrá-la, a Igreja visa iluminar, tanto quanto possível, o silêncio
existente na Sagrada Escritura a propósito do primeiro período da vida de Maria
Santíssima.
SÃO FRANCISCO DE SALES
“OS MAIS BELOS TEXTOS SOBRE A VIRGEM”
É ato de admirável simplicidade o desta gloriosa
criança que, presa ao regaço de sua mãe, agia como as outras crianças de sua
idade, embora falasse já com sabedoria. Ela ficou como um suave cordeiro junto
a Santa Ana pelo espaço de três anos, após os quais foi conduzida ao Templo, para
ali ser ofertada como Samuel, que também foi conduzido ao Templo por sua mãe e
dedicado ao Senhor na mesma idade.
“Ó meu Deus, como desejaria poder representar
vivamente a consolação e suavidade dessa viagem, desde a casa de Joaquim até o
Templo de Jerusalém! Que contentamento demonstrava essa criança vendo chegar a
hora que tanto desejara!”
“Os que iam ao Templo, para adorar e oferecer
presentes à Divina Majestade, cantavam ao longo da viagem. E, para essas
ocasiões, o real profeta David compusera expressamente um salmo, que a Santa
Igreja nos faz repetir todos os dias no Ofício Divino. Ele começa pelas
palavras: Beati inmaculati in via. Bem-aventurados são aqueles, Senhor,
que na tua via (ou seja, na observância dos Mandamentos) caminham sem mácula,
sem mancha de pecado.”
“Os bem-aventurados São Joaquim e Santa Ana cantavam
então esse cântico ao longo do caminho, e com eles, nossa gloriosa Senhora e
Rainha.”
“Oh Deus, que melodia! Como Ela a entoava mil vezes
mais graciosamente que os Anjos! Por isso ficaram estes de tal forma admirados
que, aos grupos, vinham escutar essa celeste harmonia. E os Céus, abertos,
inclinavam-se nos alpendres da Jerusalém celeste para olhar e admirar essa
amabilíssima criança.”
“Eu quis vos dizer isso, embora rapidamente, para que
tenhais com que vos entreter o resto desse dia considerando a suavidade dessa
Virgem. Também para que fiqueis comovidos escutando esse cântico divino que
nossa gloriosa Princesa entoa tão melodicamente. E isso com os ouvidos de nossa
devoção, porque o muito feliz São Bernardo diz que a devoção é o ouvido da
alma.”
ADMIRÁVEIS CONTRASTES NUMA CRIANÇA
IMACULADA
O fundamento teológico desse trecho de São Francisco
de Sales — em que, aliás, transparece toda a doçura e todo o suco dos escritos
dele — é a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.
Ela, concebida sem pecado original, desde o primeiro
instante de seu ser foi isenta de todas as limitações decorrentes da mancha que
herdamos de Adão. Entre essas carências está o fato de o homem nascer sem o uso
da sua inteligência, o que só ocorre mais tarde, à medida que ele cresce e se
desenvolve. Em Nossa Senhora, porém, essa regra não se verificou. É sentença
corrente na Teologia que Ela, tão logo foi concebida, teve imediato uso da sua
inteligência, naturalmente altíssima.
Esse singular privilégio fazia com que, uma vez vinda
ao mundo, se reunissem na excelsa menina aspectos admiráveis e aparentemente
contraditórios. De um lado, possuía Ela, já naqueles primeiros passos de sua
existência, uma capacidade de contemplação que sobrepujava a dos maiores Santos
da Igreja. Mas, de outro, Ela mantinha uma postura de criança, não
exteriorizando a perfeição de sua alma. Desejava assim, por humildade, viver
como uma menina comum, de maneira tal que, quem tratasse com a pequena Maria,
teria a impressão de estar em contato com uma criança igual a todas — exceto
por alguma expressão de olhar ou palavra d’Ela.
“BEM-AVENTURADOS OS QUE SE CONSERVAM SEM MÁCULA NO
CAMINHO, OS QUE ANDAM NA LEI DO SENHOR. / BEM-AVENTURADOS OS QUE ESTUDAM OS
SEUS TESTEMUNHOS, OS QUE DE TODO O CORAÇÃO O BUSCAM.” (SALMO 108)
Compraz-nos imaginar os caminhos que conduziam à
Cidade da Paz, nas épocas de visita ao Templo, repletos de judeus chegados de
todos os lados, enchendo com seus cânticos os ares da terra judaica. Numa
dessas ocasiões encontravam-se entre eles São Joaquim, Santa Ana e a pequena
Maria. Sem dúvida, haveria de ser belo o cântico da menina, entoado com uma voz
inefável, repetindo o salmo que David, por inspiração do Espírito Santo,
compusera para tais circunstâncias:
“Bem-aventurados os que se conservam sem mácula no
caminho, os que andam na lei do Senhor. / Bemaventurados os que estudam os seus
testemunhos, os que de todo o coração O buscam.” (Salmo 108)
É interessante notar que, com extraordinária finura de
tato, São Francisco de Sales não comenta a impressão que o canto de Nossa
Senhora produziria nas pessoas ao redor d’Ela. E isto porque, como a Santíssima
Virgem não deixava transparecer sua grandeza, era possível que Ela não cantasse
com toda a perfeição que estava a seu alcance. Na realidade, uma música cantada
por Nossa Senhora, sem as limitações intencionais impostas por Ela, teria de
ser o cântico! Antes e depois de Maria Virgem, excetuando Nosso Senhor Jesus
Cristo, ninguém cantou nem igual a Ela.
Mas, se não era dado aos homens compreender a
excelência das melodias entoadas por Nossa Senhora, diz São Francisco de Sales
que os Anjos a conheciam, e por isso se punham a ouvir, extasiados, as
harmonias de alma com que Ela cantava. E São Francisco vai mais longe: compara
o Céu a uma cidade, a Jerusalém celeste, em cujos alpendres e terraços os Anjos
se debruçavam para contemplar Maria Santíssima cantando pelos caminhos da
Judéia. E essa visão os enchia de um gáudio inexprimível.
ÁPICE DA HISTÓRIA DO TEMPLO
A meu ver, pensamento mais apropriado e mais bonito do
que esse, só mesmo o que nos sugere a entrada de Nossa Senhora no Templo de
Jerusalém, o lugar mais abençoado da terra, envolto em grandeza e majestade
sacrais, e ainda habitado pela glória do Pai Eterno.
Podemos imaginar o estremecimento de alegria de todos
os Anjos que pairavam no Templo, ao verem Nossa Senhora entrando pela primeira
vez na Casa do Altíssimo, como uma Rainha entra naquilo que lhe é próprio; como
uma jóia posta no escrínio onde deve ser guardada!
Os espíritos celestiais deviam saber, por revelação de
Deus, ser aquele o momento em que a grande história e, ao mesmo tempo, a grande
tragédia do Templo iam se iniciar. A história: em breve, o próprio Filho de
Deus, nascido de Maria Imaculada, entraria por aquelas sagradas paredes. A
tragédia: o Templo ia recusar o Messias. E o fim dessa história e dessa
tragédia seriam — no magnífico dizer de um autor eclesiástico (Bossuet) — as
pompas fúnebres de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ou seja, assim que Ele expirou, o
Pai Eterno começou a preparar suas exéquias: o céu se obscureceu, o sol se
toldou, a terra e o Templo tremeram!
E o Templo conheceu sua plenitude
quando Maria atravessou uma vez mais aqueles pórticos — que abandonara para se
unir a São José — trazendo em seus braços o Menino Jesus, o Esperado das
nações. Mãe e Filho foram recebidos por Ana e Simeão, representantes da
fidelidade, os quais reconheceram Jesus como o enviado por Deus. Estava fechado
o elo entre os justos da Antiga Lei e a promessa que se cumpria.
Salve, ó Virgem Mãe, Senhora minha,
Estrela da Manhã, do Céu Rainha,
Cheia de graça sois; salve, luz pura,
Valei ao mundo e a toda criatura.
Para Mãe o Senhor Vos destinou
Do que os mares, a Terra e Céus criou.
Preservou Ele a vossa Conceição
Da mancha que nós temos em Adão. Amém.