por Dom Fernando Arêas Rifan*
A festa de Cristo Rei, há
pouco celebrada, foi instituída pelo Papa Pio XI. O Reino de Jesus Cristo, “que
não terá fim” (Credo de Nicéia), se manifesta na mesma pessoa de Cristo (Lumen
Gentium, 5), e foi confiado por ele à sua Igreja, preparando-nos para a sua
plena realização no Reino do Céu, quando Deus será tudo em todos (cf. 1 Cor 15,
28). Esta solenidade foi instituída especialmente como remédio contra o
laicismo (Pio XI, Encíclica Quas Primas, 15), tema que sempre volta à ordem
do dia.
Para a doutrina moral católica, o
sadio laicismo ou laicidade, entendido como autonomia da esfera civil e
política da religiosa e eclesiástica – mas não da moral – é um valor
adquirido e reconhecido pela Igreja, no mundo atual. “No domínio próprio
de cada uma, comunidade política e Igreja são independentes e autônomas” (Gaudium
et Spes, 76). “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, explica
Nosso Senhor (Mt 22,21). Mas esta independência dos poderes da Igreja e do
Estado que não isenta a “César” do dever de dar a Deus o que é de Deus, da
obrigação de seguir a Lei divina, natural e positiva.
Laicismo, porém, como é entendido
hoje, seria uma autonomia da esfera civil em relação a Deus, à Lei Natural e à
moral, equiparando-se assim ao indiferentismo e ao relativismo religioso,
terminando no ateísmo prático e teórico: “uma economia sem Deus, um Direito sem
Deus, uma política sem Deus” (Pio XII, Alocução de 12/10/1952).
“Graves perigos atuais, que penetram
nas legislações e comportamentos: relativismo cultural, pluralismo ético,
decadência e dissolução da razão e dos princípios da lei moral natural.
Reivindica-se a autonomia para as escolhas morais. Leis que prescindem dos
princípios da ética natural, deixando-se levar exclusivamente pela
condescendência com certas orientações culturais ou morais transitórias, como
se todas as concepções possíveis da vida tivessem o mesmo valor”.
“Tal concepção relativista do
pluralismo nada tem a ver com a legítima liberdade dos cidadãos católicos de
escolherem, entre as opiniões políticas compatíveis com a fé e a lei moral
natural, a que, segundo o próprio critério, melhor se coaduna com as exigências
do bem comum. A liberdade política não é nem pode ser fundada sobre a idéia
relativista, segundo a qual, todas as concepções do bem do homem têm a mesma
verdade e o mesmo valor”.
“Há que acrescentar que a consciência
cristã bem formada não permite a ninguém favorecer, com o próprio voto, a
atuação de um programa político ou de uma só lei, onde os conteúdos
fundamentais da fé e da moral sejam subvertidos com a apresentação de propostas
alternativas ou contrárias aos mesmos. Uma vez que a fé constitui como que uma unidade
indivisível, não é lógico isolar um só dos seus conteúdos em prejuízo da
totalidade da doutrina católica. Não basta o empenho político em favor de um
aspecto isolado da doutrina social da Igreja para esgotar a responsabilidade
pelo bem comum” (CDF, Nota Doutrinal sobre questões relativas à participação e
comportamento dos católicos na vida política, de 24/11/2002).
*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney