A fama de santidade que granjeou em vida e perdura até os dias de hoje
não decorreu de grandes manifestações de erudição religiosa, que jamais fez
questão de possuir, e tampouco de seus milagres, que não obstante foram muitos
e impressionantes, mas do seu exemplo de uma vida de completa dedicação ao
próximo, dedicação que era animada por uma compreensão profunda, uma
sinceridade espontânea, uma simplicidade autêntica em todas as coisas,
qualidades banhadas de uma calorosa fraternidade, simpatia e caridade.
Na visão de seus contemporâneos ele era o mais perfeito seguidor de
Jesus Cristo, e sua presença em qualquer cidade era sempre um acontecimento,
enquanto que seus irmãos eram tidos na mais alta estima por muitos prelados importantes
e autoridades civis. Sua aparição foi o consolo de um século corrupto e na
bula Mira circa nos de sua
canonização foi descrito como aquele que entrou no céu "precedendo muitos dotados de ciência, ele que deliberadamente era
sem ciência e sabiamente ignorante".
Para Francisco a pobreza, a "Senhora Pobreza" que ele
costumava dizer ter desposado, não era um objetivo, mas antes um instrumento
pelo qual se podia obter a purificação necessária para a habitação de
Deus no interior de cada um e para a perfeita comunhão com o semelhante, metas
frente às quais todas as outras considerações eram subordinadas.
O outro
instrumento privilegiado para isso era a imitação do exemplo de vida dado por
Cristo nos Evangelhos, e para tanto a obediência era fundamental. Cristo
fora pobre, e assim os irmãos também o seriam, e ela devia ser entendida por
todos os seus companheiros não só como uma disciplina em si, mas como
fonte de verdadeira graça e alegria.
Dentro das suas práticas de austeridade era dada atenção especial ao corpo
humano, a quem ele chamou de "Irmão Burrico", pois ao mesmo tempo que
ele era um inimigo e uma grande fonte de pecado, também era um instrumento
para a salvação por ser o único veículo através do qual se podia
levar a cabo todo o trabalho, e era ainda o campo de batalha onde se efetuava a
luta espiritual, e por isso devia ser constantemente mantido sob estrita
vigilância e disciplina férrea.
Seu primeiro credo expresso em sua pureza, a qual, embora perdido seu
original, crê-se que sobreviva em fragmentos dispersos entre vários manuscritos.
Nesses trechos Deus é mostrado como criador, redentor e salvador, fonte de todo
o bem, e essência e objetivo último de todo o ser, sendo "uno, sem início e sem fim,
imutável,
invisível, indescritível, inefável, incompreensível, insondável, bendito, digno
de louvor, glorioso, exaltado nas alturas, sublime, altíssimo, gentil, amável,
deleitável e totalmente desejável acima de tudo para sempre". Sua
atitude diante desse Deus "onipotente,
santíssimo, altíssimo e supremo" era de completa sujeição e entrega,
movidas por um desejo intenso de "amar, honrar, adorar, servir,
louvar e bendizer, glorificar e exaltar, magnificar e agradecer", e
essas cadeias de adjetivos entusiásticos são comuns em todos os seus escritos,
e evidenciam que para Francisco, Deus era essencialmente inapreensível e
maravilhoso sob todos os aspectos, e não deixa de ser tocante o esforço que ele
fazia para pelo menos em parte tentar descrever o que não podia ser descrito e
menos ainda transmitido a outrem através de palavras.
O outro aspecto importante a ser analisado no seu misticismo é sua
intensa e amorosa relação com a natureza, relação que o tornou
modernamente em um patrono dos animais e do meio ambiente. Este aspecto é
um dos que mais acusam a originalidade de sua concepção de mundo em relação ao
contexto de seu tempo.
Sua relação direta, pessoal e familiar com todos os
elementos constituintes da Criação, sua ênfase no caráter beneficente e não
neutro ou ambivalente de todas as coisas e seres do mundo natural, sua
exortação literal, e não alegórica, a animais, plantas e objetos
inanimados para que servissem e louvassem a Deus, sua proposta de que se
criasse legislação para que o povo alimentasse as aves selvagens no
inverno no mesmo espírito em que davam esmolas aos pobres, e a inclusão de
animais na celebração da missa. Para Francisco toda a Criação estava
intimamente interconectada, e para ele era fácil transitar de um nível
espiritual para outro e apreciar os múltiplos significados que extraía de sua
leitura do “livro da natureza”.
Essa forma de ver o mundo ficou expressa com clareza no seu “Cântico ao
irmão Sol”, ou “Cântico das Criaturas”, onde chamou os ventos, o sol, a lua, o fogo
e outros elementos do mundo natural de irmãos e convidava a todos celebrarem
juntos a maravilha do mundo e servirem com alegria o seu autor.
Neste poema,
que além de possuir altas qualidades estéticas marcou o nascimento da
literatura vernacular italiana, ele deu um testemunho ao mesmo tempo de sua
visão integrada da realidade e do amor que sentia por ela, o que transparece
ainda em diversos relatos posteriores de seus biógrafos e nas inúmeras
histórias onde os animais estão presentes como co-protagonistas, sempre
tratados como irmãos e não raro doutrinados como se fossem pessoas,
aproximando-se dele espontaneamente mesmo quando selvagens e dando sinais de
compreenderem suas palavras ao obedecerem suas instruções, e nas que contam
como andava reverente sobre as rochas ou admirava as flores cheio de júbilo, ou
quando defendeu as árvores recomendando aos lenhadores que não cortassem seus
troncos muito embaixo, a fim de que elas pudessem renascer.
O Cântico também sintetiza o significado profundo e a função essencial
da prece para Francisco, o de sempre glorificar a Deus e abençoar o mundo pela
palavra e pelo trabalho. A natureza para ele era digna de apreço e admiração
porque era uma expressão da divindade onipresente.
Altíssimo, onipotente e bom Senhor, a ti subam os louvores, a glória e a
honra e todas as bênçãos!
A ti somente, Altíssimo, eles são devidos, e nenhum homem é sequer digno
de dizer teu nome.
Louvado sejas, Senhor meu, junto com todas tuas criaturas, especialmente
o senhor irmão sol, que é o dia e nos dá a luz em teu nome.
Pois ele é belo e radioso com grande esplendor, e é teu símbolo,
Altíssimo.
Louvado sejas, Senhor meu, pela irmã lua e as estrelas, as quais
formaste claras, preciosas e belas.
Louvado sejas, Senhor meu, pelo irmão vento, e pelo ar, pelas nuvens e o
céu claro, e por todos os tempos, pelos quais dás às tuas criaturas sustento.
Louvado sejas, Senhor meu, pela irmã água, que é tão útil e humilde, e
preciosa e casta.
Louvado sejas, Senhor meu, pelo irmão fogo, por cujo meio a noite
alumias, ele que é formoso e alegre e robusto e forte.
Louvado sejas, Senhor meu, pela irmã, nossa mãe, a terra, que nos
sustenta e nos governa, e dá tantos frutos e coloridas flores, e também as
ervas.
Louvado sejas, Senhor meu, por aqueles que perdoam por amor a ti e
suportam enfermidades e atribulações.
Benditos aqueles que sustentam a paz, pois serão por ti, Altíssimo,
coroados.
Louvado sejas, Senhor meu, por nossa irmã, a morte corpórea, da qual
nenhum homem vivo pode fugir.
Pobres dos que morrem em pecado mortal! e benditos quem a morte
encontrar conformes à tua santíssima vontade, pois a segunda morte não lhes
fará mal.
Louvai todos vós e bendizei o meu Senhor, e dai-lhe graças, e o servi
com grande humildade!
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