A 1ª leitura vem do chamado “Livro da Consolação”, porque as primeiras palavras deste livro (do Deutero Isaias) convocam o próprio Deus para consolar o seu povo: “consolai o meu povo, consolai-o” (1ª leitura). É uma convocação para que Deus aja em favor do povo. Esta ação nós a conhecemos como Salvação. A um povo que vivia no sofrimento e nas agruras da vida, Deus se faz “console”, suporte para que possa se erguer e voltar a viver. A um povo que vivia isolado e perdido no deserto, sem rumo e sem endereço, Deus o consola com uma estrada e com uma meta. É deste modo, diz Isaias, que o povo contempla a glória divina, reconhecendo que Deus é o Bom Pastor que conduz o seu povo para fontes de vida (1ª leitura).
O canto do salmista nada mais é que o resultado de quem contempla a glória divina e compreende que esta se manifesta em sua atividade consoladora. Neste Ano Santo da Misericórdia, entendemos que a consolação divina é uma manifestação clara da sua misericórdia; Deus é aquele que se abaixa para recuperar a vida que se tornou mísera; miserável. A centralidade da vida humana, na dependência da vida divina, encontra-se nas duas últimas estrofes do Sl 103: “se escondeis a vossa face, se apavoram, se tirais o seu respiro, eles perecem e voltam para o pó de onde vieram...” (salmo responsorial). Não é, por acaso, este sintoma de desespero que encontramos em tantos homens e mulheres que se afastaram de Deus?
Diante de tal reflexão, podemos compreender que existe uma espécie de medo coletivo de perder as referências com a vida. Nós, brasileiros, experimentamos bem concretamente este fato, nesta crise moral pela qual passamos devido a corrupção na política. Como aquele povo que ia ao Jordão para ouvir João Batista, vivemos a expectativa de dias melhores e também nos perguntamos quem poderá nos trazer a Salvação. A resposta de João Batista indica-nos que a Salvação não vem de um homem que se passa por profeta e nem mesmo se faz líder do povo. A Salvação do povo encontra-se no acolhimento do Espírito de Deus na vida humana: “eu vos batizo com água ... ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo” (Evangelho). Um novo Batismo, quer dizer, uma responsabilidade de quem é mergulhado no Mistério do Espírito divino para não viver mais com os valores e os parâmetros do mundo; o batizado é alguém que recebe uma nova mentalidade, aquela do Evangelho (2ª leitura).
João Batista não é um vendedor de ilusões e nem faz promessas, tantas delas com fundamentos mentirosos, como sempre mais nos damos conta nesse momento histórico do Brasil. João Batista, no contexto teológico desta celebração litúrgica, apresenta Jesus como aquele que, se for acolhido, transportará o batizado não para um mundo sem os desafios sempre presentes — com injustiças, violências, medos, corrupção ... — mas colocará nele a força da fé, simbolizada na vela acesa, recebida no dia da celebração batismal. A fé não como crença, apenas, mas como luz para não se perder em estradas mentirosas deste mundo e se manter firme na Verdade, porque batizados no Espírito Santo (Evangelho), o mesmo Espírito que foi derramado abundantemente sobre nós pelo próprio Deus (2ª leitura). Em resumo: o batizado é uma pessoa que vive iluminada pela fé, por isso vive diferente, pois olha realidade do mundo com uma luz diferente.