sexta-feira, novembro 04, 2016

UM ANO DE LAMA E LUTA


ENCONTRO DOS ATINGIDOS
PELO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO

No dia 03 de novembro de 2016, por ocasião da abertura do Encontro dos Atingidos na bacia do Rio Doce pelo rompimento da barragem de Fundão, Dom Geraldo Lyrio Rocha, Arcebispo de Mariana, dirigiu a seguinte mensagem:

Com a participação de aliados e parceiros, este Encontro dos Atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, município de Mariana, que espalhou a lama assassina por toda a Bacia do Rio Doce, causando o maior desastre socioambiental já ocorrido no Brasil e um dos maiores do mundo, é uma demonstração de que SÓ A LUTA VENCE A LAMA.

Os que participaram da marcha ao longo do Rio Doce, desde sua foz em Regência, no município de Linhares, no Estado do Espírito Santo, até chegar a Mariana, epicentro da grande tragédia, puderam verificar com seus próprios olhos o triste saldo da devastação que conta com a perda irreparável de 19 vidas humanas e incontáveis vidas de animais e vegetais. A lama soterrou casas e propriedades rurais, destruiu patrimônio histórico e artístico, atingiu populações ribeirinhas, causou dano aos povos indígenas, tirou o ganha-pão de muita gente, prejudicou o abastecimento de água de muitas localidades, poluiu praias capixabas e chegou até o Oceano Atlântico, em região de reprodução de espécies da fauna e da flora marítimas, enfim, provocou um desastre de proporções incalculáveis e causou prejuízos irreparáveis.

Diante desse quadro de desolação, é extremamente encorajador experimentar a solidariedade de todas as pessoas que aqui vieram de outras localidades deste Estado de Minas Gerais, do Estado do Espírito Santo, de tantas partes do Brasil e de outros países, bem como representantes de povos indígenas que aqui se unem para fazer memória de UM ANO DE LAMA E LUTA. A solidariedade que aqui se expressa nos encoraja a prosseguir na luta para salvar a Bacia do Rio Doce, cujo processo de degradação se agravou ainda mais com a chegada da lama de dejetos minerais da barragem de Fundão. “Solidariedade é pensar e agir em termos de comunidade, de prioridades da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. É também lutar contra as causas estruturais da pobreza; a desigualdade; a falta de trabalho, de terra e de teto; a negação dos direitos sociais e laborais [...]. A solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo, é uma forma de fazer história e é isto que os movimentos populares fazem”, disse o Papa Francisco em seu discurso aos participantes do Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em Roma, no dia 28 de outubro de 2014.

É sempre bom relembrar que não estamos diante de uma catástrofe produzida pela natureza. O rompimento da barragem de Fundão tem responsáveis por ela. As empresas envolvidas e o Poder público estadual e federal têm responsabilidades que não podem ser escamoteadas. Essa tragédia aconteceu por causa da deficiência de um marco regulatório que não contempla de forma adequada a problemática da mineração, pelas falhas na legislação e pela ausência absoluta de fiscalização por parte dos órgãos do Estado. “Isto acontece porque no centro deste sistema econômico está o deus dinheiro e não a pessoa humana [...]. Quando a pessoa é deslocada e chega o deus dinheiro dá-se esta inversão de valores”, disse o Papa naquele encontro em Roma. E ele acrescenta: “Um sistema econômico centrado no deus dinheiro tem também necessidade de saquear a natureza; saquear a natureza para manter o ritmo frenético de consumo que lhe é próprio. A mudança climática, a perda da biodiversidade, o desmatamento já estão mostrando seus efeitos devastadores nas grandes catástrofes que assistimos [...]. Irmãos e irmãs: a criação não é uma propriedade da qual podemos dispor a nosso bel-prazer; e muito menos é uma propriedade só de alguns, de poucos. A criação é um dom, uma dádiva maravilhosa de Deus para que dela nos ocupemos e a utilizemos em benefício de todos, sempre com respeito e gratidão”.

É importante recordar o que disse o Papa Francisco no discurso em Santa Cruz dela Sierra, na Bolívia, no dia 9 de julho de 2015. Ele não fica em considerações genéricas e abstratas, mas aponta caminhos: “A primeira tarefa é pôr a economia a serviço dos povos. Os seres humanos e a natureza não devem estar a serviço do dinheiro. Digamos NÃO a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a Mãe Terra. A economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas a condigna administração da casa comum. Isto implica cuidar com zelo da casa e distribuir adequadamente os bens entre todos.

A segunda tarefa é unir os nossos povos no caminho da paz e da justiça. Os povos do mundo querem ser artífices do seu próprio destino. Querem caminhar em paz para a justiça. Não querem tutelas nem interferências, onde o mais forte subordina o mais fraco”.

A terceira tarefa, e talvez a mais importante que devemos assumir hoje, é defender a Mãe Terra. A casa comum de todos nós está sendo saqueada, devastada, vexada impunemente [...]. Os povos e os seus movimentos são chamados a clamar, mobilizar-se, exigir – pacífica, mas tenazmente – a adoção urgente de medidas apropriadas. Peço-lhes, em nome de Deus, que defendam a Mãe Terra” disse o Papa Francisco.

Também eu, unido ao Papa Francisco, lhes dirijo este pedido: Unamo-nos no apoio aos atingidos pela tragédia do rompimento da barragem de Fundão para que tenham seus direitos respeitados, sua dignidade reconhecida, seus bens ressarcidos e seu protagonismo considerado na busca de soluções que atendam a seus legítimos interesses. Unamo-nos para salvar a Bacia do Rio Doce. Unamo-nos para que continuemos na luta e não desanimemos diante da lama, dos obstáculos e da prepotência. Em fim, permaneçamos unidos na LUTA QUE VENCE A LAMA.

Fonte:http://www.arqmariana.com.br/