O último, no sentido de mais
recente, dos quatro dogmas marianos é o da assunção em corpo e alma ao céu de
Maria, proclamado pelo Papa Pio XII, no dia 1º de novembro de 1950, festa de
Todos os Santos. Esta verdade de fé só tem sentido considerada como
conseqüência lógica da maternidade divina de Maria. Maria é uma criatura de
Deus Criador, por isso mesmo teve um início e um final de vida na terra. No início, temos sua conceição imaculada, em
previsão de sua maternidade divina. No final, temos sua assunção gloriosa, como
coroamento de uma vida humana vivida sem pecado, “cheia de graça” (Lc 1,28),
íntegra no corpo e na alma, inteiramente consagrada à missão para a qual Deus a
escolhera.
Na curta fórmula usada pelo Papa Pio XII para proclamar o dogma da
assunção de Maria, que vem dentro da constituição apostólica “Munificentissimus
Deus”, são explicitamente citados os outros dogmas marianos: a conceição
imaculada, a maternidade divina e a virgindade perpétua. A solene fórmula é
esta: “Pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que
a Imaculada Mãe de Deus sempre Virgem Maria, terminado o curso da vida
terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial”. No texto da
constituição, o Papa acentua “a maravilhosa harmonia existente entre os
privilégios concedidos por Deus àquela que o mesmo Deus quis associar ao nosso
Redentor”.
Não vamos aqui discutir exegeticamente o sentido dos termos usados pelo
Papa para a declaração do dogma. Já foram escritas centenas e centenas de
páginas sobre isso. Apenas digamos que as palavras do Papa evitam falar sobre a
morte ou não morte corpórea de Maria; evitam falar sobre o que seja o corpo
humano e qual sua condição ao ser elevado ao céu; evitam falar do
relacionamento entre corpo e alma; evitam usar algum verbo que sugira que o céu
seja algum lugar determinado, “nas alturas”, por exemplo. Evidentemente os
belíssimos quadros de Murillo e de outros pintores marianos, que fixaram em
telas a assunção, sugerem ter sido Maria “levada pelos anjos” ao “mais alto”
céu. O dogma não entrou nesse linguajar humano, muito compreensível, por sinal,
porque sempre se imaginou Deus nas alturas e o diabo nos abismos.
O Papa Pio XII, na mesma constituição, faz, logo no início, uma longa
referência ao nexo entre Maria assunta e Maria imaculada. Cito o belíssimo e fundamental
texto, que espantou alguns grandes teólogos: “O privilégio da assunção brilhou
com novo fulgor, quando o nosso predecessor Pio IX, de imortal memória, definiu
solenemente o dogma da Imaculada Conceição. De fato, estes dois dogmas estão
estreitamente conexos entre si. Cristo com a própria morte venceu a morte e o
pecado, e todo aquele que pelo batismo de novo é gerado, sobrenaturalmente,
pela graça, vence também o pecado e a morte. Deus, porém, por lei ordinária, só
concederá aos justos o pleno efeito desta vitória sobre a morte, quando chegar
o fim dos tempos. Por esse motivo, os corpos dos justos corrompem-se depois da
morte, e só no último dia se juntarão com a própria alma gloriosa. Mas Deus
quis excetuar desta lei geral a Bem-aventurada Virgem Maria. Por um privilégio
inteiramente singular, ela venceu o pecado com a sua conceição imaculada; e por esse motivo não foi sujeita à lei de permanecer na corrupção do sepulcro
nem teve de esperar a redenção do corpo até o fim dos tempos. Quando se definiu
solenemente que a Virgem Maria, Mãe de Deus, foi imune desde a conceição de
toda a mancha, logo os corações dos fiéis conceberam uma mais nova esperança de
que em breve o Supremo Magistério da Igreja definiria também o dogma da
Assunção corpórea da Virgem ao céu”.
Se o dogma da Assunção é recente, a devoção a Nossa Senhora Assunta faz
parte da piedade popular desde os primeiros séculos da Igreja. Nos primeiros
séculos celebrava-se a “dormição” de Maria, cercada de muitas lendas, algumas
até com evidentes heresias. Mas nenhuma dessas celebrações separava Maria de
seu Filho glorioso. A celebração chamava-se também “Trânsito de Maria” e já
então divergiam as opiniões sobre a morte ou não morte da Mãe de Jesus. Essas
celebrações eram cercadas de muito carinho, sobretudo numa fértil e
impressionante imaginação sobre os modos como Jesus teria vindo buscar sua Mãe
e quem vinha em companhia dele para levar Maria aos céus.
Já no século V temos documentos da festa da Assunção no dia 15 de agosto e
a festa vem enumerada junto com as festas da Natividade, da Apresentação, da
Anunciação e da Purificação de Maria. E era por ocasião destas festas que os
Santos Padres pronunciavam suas homilias marianas, fixando assim, através dos
séculos, uma doutrina teológica que, seguramente, foi sustentada, alimentada e
celebrada pela piedade popular. O Papa Pio XII, na Constituição Apostólica para
a declaração do dogma, lembra que “nas homilias e orações para o povo na festa
da Assunção da Mãe de Deus, os santos Padres e os grandes doutores falavam de
uma festa já conhecida e aceita. Com a maior clareza a expuseram; apresentaram
seus sentido e conteúdo com profundas razões, colocando especialmente em plena
luz o que a festa tem em vista: não apenas que o corpo morto da Santa Virgem Maria
não sofrera corrupção, mas ainda o triunfo que ela alcançou sobre a morte e a
sua celeste glorificação, a exemplo de seu Unigênito Jesus Cristo”.
Um desses Santos Padres, sempre citado e citado pelo próprio Papa Pio XII,
é São João Damasceno (650-750). É dele este texto: “Convinha que aquela que
guardara ilesa a virgindade no parto, conservasse seu corpo, mesmo depois da
morte, imune de toda a corrupção. Convinha que aquela que trouxera no seio o
Criador fosse morar nos tabernáculos divinos. Convinha que a esposa, desposada
pelo Pai, habitasse na câmara nupcial dos céus. Convinha que, tendo demorado o
olhar em seu Filho na cruz e recebido no peito a espada da dor, ausente no
parto, o contemplasse assentado junto do Pai. Convinha que a Mãe de Deus
possuísse tudo o que pertence ao Filho e fosse venerada por toda a criatura
como mãe e serva de Deus”.
O Santo Padre cita vários outros grandes autores antigos e conclui: “Por
conseguinte, desde toda a eternidade unida misteriosamente a Jesus Cristo, pelo
mesmo desígnio de predestinação, a augusta Mãe de Deus, imaculada na concepção,
virgem inteiramente intacta na divina maternidade, generosa companheira do
divino Redentor, que obteve pleno triunfo sobre o pecado e suas conseqüências,
ela alcançou ser guardada imune da corrupção do sepulcro, como suprema coroa
dos seus privilégios. Semelhantemente a seu Filho, uma vez vencida a morte, foi
levada em corpo e alma à glória celeste, onde, rainha, refulge à direita do seu
Filho, o imortal rei dos séculos”.
São Francisco de Assis tinha especial devoção à Imaculada Conceição, tanto
que mandou fazer um altar especial para ela. Mas a devoção predileta do
primeiro teólogo da Ordem Franciscana, Santo Antônio (+1231), era Nossa Senhora
Assunta, Nossa Senhora da Glória. Morreu cantando a antífona das Laudes da
Virgem: “Ó gloriosa e excelsa Senhora, bem mais que o sol brilhais”. Entre seus
esquemas de sermões, há um inteiro dedicado à Assunção de Maria. Parte do texto
do Eclesiástico: “Como um vaso de ouro maciço, ornado de toda espécie de pedras
preciosas, como a oliveira carregada de frutos e como o cipreste que se eleva
até as nuvens” (Eclo 50,10-11). Cito a passagem, onde fala de Maria como o
trono do Altíssimo: “O lugar dos pés do Senhor foi Maria Santíssima, da qual
recebeu a humanidade. Este lugar glorificou-o no dia de hoje, porque a exaltou
acima dos coros dos anjos. Por isso se percebe claramente que a Virgem
Santíssima foi assunta com aquele corpo que foi o lugar dos pés do Senhor.
Donde a palavra do Salmo: “Sobe, Senhor, para o lugar do teu repouso, tu e a arca da tua
santificação” (Sl 132,8). O Senhor subiu, quando se assentou à direita do Pai.
Subiu também a arca da sua santificação, quando no dia de hoje a Virgem Mãe
chegou ao tálamo celestial”. Santo Antônio termina o esquema, lembrando que,
aquela que fora na terra o trono do Senhor, hoje é posta num trono de luz
eterna.
Logo depois de proclamar o dogma da Assunção em corpo e alma ao céu, o
Papa Pio XII rezou uma oração composta por ele. Destaco apenas dois tópicos,
para encerrar a nossa reflexão: Ó Virgem Imaculada, Mãe de Deus e Mãe dos
homens, cremos, com todo o fervor de nossa fé, em vossa assunção triunfal em
corpo e alma ao céu, onde sois aclamada Rainha por todos os coros dos anjos e
todas as legiões dos santos, e a eles nos unimos para louvar e bendizer o
Senhor, que vos exaltou sobre todas as demais criaturas, e para vos oferecer as
expansões da nossa devoção e do nosso amor. Cremos que, na glória, onde
reinais, revestida do sol e coroada de estrelas, sois, depois de Jesus, a
alegria e o júbilo de todos os anjos e de todos os santos. E nós, desta terra
onde somos peregrinos, confortados pela fé numa futura ressurreição, volvemos
nossos olhos para vós, nossa vida, nossa doçura e nossa esperança”.
Frei Clarêncio Neotti, OFM