A TRANSFIGURAÇÃO DE JESUS
6 de agosto de 2020
Paróquia
São Conrado
A
Transfiguração, o evento singular em que Jesus aparece radiante em glória,
acompanhado por Moisés e Elias, é minuciosamente descrita nos Evangelhos
Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), mencionada na segunda Epístola de Pedro e,
de acordo com alguns estudiosos, discretamente aludida no Evangelho de João
(“Vimos a sua glória, a glória do Filho único”), sendo João um dos três
apóstolos que testemunhou (com Pedro e Tiago) este milagre.
A
Transfiguração é considerada um dos cinco marcos da vida de Jesus, de acordo
com os Evangelhos, ao lado de seu Batismo, Crucificação, Ressurreição e
Ascensão. Sendo o momento em que a natureza divina de Jesus se manifesta
através de (ou, talvez mais precisamente, “em”) sua natureza humana (daí
implicando algum tipo de prefiguração da Ressurreição, uma “prévia” do corpo
glorificado), representações da Transfiguração ao longo da história serviram de
modelo para as representações gráficas posteriores da Ressurreição, sugerindo
que essa passagem não pode ser totalmente entendida a menos que seja
considerada no contexto da morte de Jesus (e sua própria morte na cruz). A
passagem certamente também foi lida alegoricamente, como enfatizando a
necessidade da transfiguração dos fiéis através da ação do Espírito Santo.
Mas
Jesus e esses três apóstolos (João, Pedro e Tiago) não são os únicos
personagens envolvidos na cena. O que Moisés e Elias estão fazendo ali,
conversando com Jesus?
Podemos
de alguma forma entender facilmente a presença de Moisés. Por um lado, a
Transfiguração ocorre depois que Jesus alimenta a multidão faminta,
multiplicando os pães e os peixes, episódio que nos recorda os israelitas sendo
alimentados com maná enquanto liderados por Moisés no deserto.
Além
disso, o Livro do Êxodo (34, 29-35) nos diz que quando Moisés desceu do Sinai
com os Dez Mandamentos “seu rosto estava radiante” (ou “o rosto radiante de
Moisés”), assim como o rosto de Jesus “brilhou como o sol” durante sua
Transfiguração. Esses paralelos certamente teriam sido profundos e
evidentemente significativos não apenas para os autores dos Evangelhos, mas
também para seus primeiros leitores.
Mas
há mais um detalhe interessante aqui: o Evangelho de Lucas (9, 28-36)
acrescenta que Jesus, Moisés e Elias estavam falando sobre sua partida (isto é,
a morte de Jesus), que se cumpriria em Jerusalém. ”A palavra grega que Lucas
usa para “partida”, no original, é exodos, uma alusão óbvia ao êxodo de Moisés
do Egito. Aqui, o autor está oferecendo uma leitura clara da história da
salvação como indo da libertação de Moisés àquela oferecida por Jesus. Mas e
quanto a Elias, então?
Aqui
está uma dica: Elias também “partiu”.
Tradicionalmente,
a presença de Moisés e Elias na Transfiguração foi lida como “a Lei e os
Profetas” sendo plenamente cumpridos na e pela vida de Jesus, o Messias. Moisés
representa a Lei, enquanto Elias representa os Profetas. Mas por que Elias e
não, digamos, Isaías, Oseias, ou mesmo João Batista, muitas vezes referido como
“o último profeta do Antigo Testamento”?
De
fato, segundo o Catecismo da Igreja Católica, João Batista é “mais do que um
profeta”. Nele, o Catecismo continua, o Espírito Santo conclui seu falar
através dos profetas. João conclui o ciclo de profetas iniciado por Elias. É
precisamente isso que encontramos no Evangelho de Mateus (11, 13-14): “Porque
os profetas e a lei tiveram a palavra até João. E, se quereis compreender, é
ele o Elias que devia voltar”. Mas por que Elias ainda “devia voltar”, se o
Batista é o novo Elias que já veio? E por que ele está falando com Jesus?
O
segundo livro de Reis nos diz que o profeta não morreu, mas sim entrou vivo no
céu “pelo fogo”, “em um redemoinho”, levado em uma carruagem de fogo.
Juntamente com Enoque e a Virgem Maria, ele é o único outro personagem bíblico
levado corporalmente ao céu. Essa passagem é conhecida como “partida de Elias”
e também é interpretada como uma prefiguração da Ascensão ao Céu de Jesus vivo,
uma vez ressuscitado. Faz sentido que Elias e Moisés sejam os dois personagens
que também discutem a “partida” (exodos) de Jesus.
A
volta de Elias tem por si só um profundo significado escatológico (tanto em
hebraico quanto nas Bíblias cristãs), já que sua presença precede a do Messias,
e sua “partida” prefigura Jesus: o livro do profeta Malaquias (o último profeta
do Antigo Testamento na Bíblia cristã, o livro que fecha a literatura
profética) diz que Elias será enviado de volta à Terra “antes que venha o
grande e terrível dia do Senhor”. Tradicionalmente, assumiu-se então que a
presença de Elias na Transfiguração reforça o cumprimento da profecia de
Malaquias, que já havia sido cumprida com o Batista, como se a selasse.