Esta evidência significa que, criados à imagem de Deus e chamados por
ele, devemos levar uma vida “com toda a pureza” (RB 49,2), pois, na medida em
que atingimos essa pureza de vida, haveremos de nos tornar, para nós mesmos e
para os outros, uma proclamação de amor, uma proclamação de confiança, uma
proclamação de fé em Deus; mais ainda: nos tornaremos para os homens um grito
de alarme, uma advertência, uma luz, uma evidência.
A
QUARESMA NOS COLOCA DIANTE DE NOSSO DEVER E DE NOSSA RESPONSABILIDADE COMO
FILHOS E FILHAS DE DEUS.
Devemos guardar
uma vida com toda pureza, quer dizer, colocar a nossa vida essencialmente sob
o olhar de Deus, tomando sua Palavra como luz, como referência, como crisol
para testar e purificar tudo o que fazemos. É com base na Palavra de Deus que
deveríamos fazer soar e ressoar tudo o que somos, tudo o que acontece conosco,
tudo o que empreendemos, objetivando saber se esse conjunto de circunstâncias
confere com o que Deus diz, se estamos puros.
O termo “quaresma” nos faz sempre lembrar os vocábulos penitência,
privação... o que seria colocar a carroça diante dos bois. Com
efeito, só podemos renunciar a alguma coisa quando temos em vista outra, algo
que é mais importante, que será um ganho, uma alegria para nós.
Quando um homem
devia seu olhar das outras mulheres para olhar apenas a sua, o importante para
ele não são aquelas de quem afasta o olhar, mas aquela que está olhando porque
a preferiu às outras; o que importa não é o espaço vazio, a falta que ele não
deixará de sentir por se ter esquivado das outras, mas aquela que, a seus olhos, se enriquece de tudo o que ele renunciou por causa dela.
O perigo da
“quaresma-privação” é enxergar somente este último aspecto, deter-se nele,
chegando mesmo fechar-se nele em detrimento d'Aquele para o qual a privação
deve nos conduzir.
A Quaresma deve
ser para nós, antes de tudo, ocasião para uma retomada de consciência da
presença de Deus, da preferência de Cristo, que são realidades fundamentais do
cristão; ocasião de escolher novamente esta presença e esta preferência que
relativizam, explicam, situam para nós todas as demais presenças.
Ser puro é,
fundamentalmente, guardar essa hierarquia de valores, é organizar a própria
vida, os próprios atos em função dessa
presença, dessa preferência.
Como fazer?
Como fazer?
Em primeiro lugar, afastar-se do que lhe é contrário: “preservamo-nos de
todos os vícios” (RB 49,4), renunciar a tudo o que nos conduz para o lado oposto
dessa presença-preferência, tanto mais quem qualquer ato realizado em direção a
Deus, apaga, pelo fato mesmo,”todas as negligenciais dos outros tempos” (RB
49,3). É
isso que realça o caráter eminentemente positivo que a Quaresma deve ter
em nós.
Quando tomamos consciência dessas negligências, é coisa inútil nos
determos nelas, nos lamentarmos por elas, pedir indefinidamente perdão. Basta
fazer o contrário e o mal será varrido, substituído por um ato de amor. Nossa
atenção deve se fixar no que é preciso fazer, ao invés do que não é preciso ou
não mais deve ser feito.
Tanto isso é verdade que, quanto mais absolutamente
queremos evitar algo, acabamos por fazê-lo. Em sua caminhada para Deus, cada
qual tem um ou mais de um espinho no pé: para um é seu caráter, para outro,
sua gula, para aquele, a castidade, o fumo ou a televisão que ele não consegue
deixar de lado, para outro ainda, a preguiça, a doença, a preocupação
excessiva com sua saúde etc. Quando nos conscientizamos do nosso ponto fraco, a
melhor coisa a fazer para lutar é nos lançarmos para fora, isto é, nos
projetarmos particularmente diante dessa presença que nos unifica e por causa
de QUEM tudo deixamos.
É isso que São Bento aconselha:
“Entregarmos-nos à oração com lágrimas” (RB 49,4); com lágrimas, porque amamos
nossos espinhos, e renunciar a eles nos custa, nos custa lágrimas. Ousemos
dizer a Deus, na oração, que não podemos renunciar aos nossos espinhos porque
não queremos, porque os preferimos; ousemos dizer-lhe que nada poderemos fazer
enquanto ele não vier querer em nosso lugar ou conosco, se ele vier renunciar
em nós.
É A
ORAÇÃO QUE ABRE EM NÓS O ESPAÇO QUE DEUS IRÁ OCUPAR E ONDE VAI AGIR; PARA CAVAR
UM BURACO NA TERRA É PRECISO TEMPO, FORÇAS, FERRAMENTAS... É TAMBÉM O QUE
ACONTECE NA ORAÇÃO.
Nós nos queixamos porque não sabemos
rezar; mas quando, com que empenho, com quais meios nos consagramos à oração?
Cf Dom Thierry
Portevin, OSB
cf Revista
Beneditina, Ano V Janeiro/Fevereiro 2008, número 25, tecto de Dom Matias
Fonseca de Medeiros, OSB
05/03/2014
QUARTA FEIRA DE
CINZAS - JEJUM E
ABSTINÊNCIA DE CARNE
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